quinta-feira, 9 de novembro de 2023

 Quem não tem cão, caça como gato

 Padre João Medeiros Filho 


Outro dia, Dom João dos Santos Cardoso, nosso arcebispo metropolitano, esteve na granja da Arquidiocese (onde moram eclesiásticos eméritos), trazendo seus cãezinhos de estimação para passear. Tenho em casa um gatinho muito mimoso. Vendo os animais soltos, pulando e correndo, lembrei-me da máxima supracitada e senti vontade de escrever sobre ela. Gosto de cultivar ditados e aforismos transmitidos ao longo dos séculos. Algo semelhante encontra-se na Sagrada Escritura, notadamente nos Livros dos Provérbios e da Sabedoria. Exegetas antigos e modernos afirmam que Cristo fez uso desse estilo literário, em suas parábolas e alegorias. Os axiomas e expressões populares constituem uma parte importante da cultura de cada nação. Apresentam metáforas éticas, sociais e religiosas. É uma incógnita a origem desse patrimônio e riqueza imaterial. Segundo o antropólogo norte-rio-grandense Luís da Câmara Cascudo, “ao longo de toda a história da humanidade, os axiomas e adágios sempre estiveram presentes na alma do povo.” Por seu conteúdo e qualidade sapiencial, revestem-se de grande importância para o convívio social. Nesse campo, o Brasil é detentor de um expressivo legado, herança de nossos ancestrais lusitanos e outras matrizes culturais. De acordo com o eminente pesquisador potiguar, “o provérbio [em tela] tornou-se conhecido no Brasil, após a invasão holandesa, na segunda metade do século XVII.” A partir de então, começou a ser citado na tentativa de reanimar a população espoliada. O renomado folclorista alagoano Théo Brandão partilha dessa mesma assertiva. Desde priscas eras, pessoas abastadas escolhiam cães para acompanhá-las em suas caçadas. Até hoje, em razão de seu porte, fidelidade, velocidade e excelência no farejar são treinados para detectar objetos, identificar e proteger pessoas. A máxima, aqui referenciada, difere da versão escrita em alguns livros: quem não tem cão, caça com gato. Grande parte dos estudiosos afirma que a variante usada no caput deste artigo é mais antiga. Entretanto, as mensagens se equiparam. Trata-se de aceitar as limitações e circunstâncias. Quando não se pode agir com a ajuda de um cão, deve-se adotar a estratégia do gato, que é solerte para alcançar os seus objetivos. Diante da falta de melhores recursos e oportunidades, é preciso encontrar alternativas para se atingir os fins almejados. Há coerência e lógica na lição que se pretende transmitir. Assim sendo, quem não tem cão para perseguir a eventual presa, deverá caçar inteligentemente, à maneira de um gato. Cristo aconselha em situação de adversidade “primeiro sentar-se e calcular” (Lc 14, 31). Recomenda prudência, objetividade e imaginação, antes de agir. O provérbio mostra a necessidade de ser criativo em situações desafiadoras. Na inexistência de meios adequados para resolver determinados problemas, é mister ser engenhoso para encontrar outras maneiras de conseguir os fins propostos. Em vez de lamentar, cruzar os braços e tornar-se refém dos obstáculos, urge buscar saídas honrosas e inovadoras. Convém lembrar que nem sempre a solução mais óbvia é a melhor. Devese ter lucidez para encontrar opções. Ao narrar a história de Esaú e Jacó, o Livro do Gênesis (Gn 25-26) refere-se à perspicácia, uma das nuances do anexim, que intitula este texto. O adágio em questão se presta a diversas interpretações e mensagens. Existe quem o considere uma crítica à falta de planejamento e organização, quando indivíduos ou instituições se veem obrigados a improvisar. Na prática, a frase pode ser aplicada em diferentes situações, ensejando a procura de respostas às dificuldades. O que dizer da postura dos cães e gatos? Machado de Assis escreveu: “Deve-se aprender com os gatinhos que pelo faro conhecem seus verdadeiros amigos. Não sabem falar, mas os acompanham em silêncio.” Certa vez, Marilyn Monroe desabafou aos jornalistas: “Os cães nunca me morderam nem me traem. São os humanos que me ferem no corpo e na alma.” A versatilidade, dedicação, fidelidade e prontidão dos caninos ou felinos impressionam e levam-nos a pensar sobre alguns atributos divinos. Diz o Livro dos Números: “Deus não é o homem para que minta, nem o filho do homem para que se arrependa. Acaso diz alguma coisa e não o faz? Promete e não o cumpre?” (Nm 23, 19).

 


REFLEXÕES SOBRE JOGO DUPLO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Fica decretado que no período da quaresma os homens públicos, já tão vergastados, não permaneçam submissos ao jogo da mentira. Não será preciso usar a couraça da desfaçatez para denegrir o semelhante. O Poder Legislativo, antes, rinha real, escarlate, com suas armadilhas e contendas, transmudou-se em Assembleia de Deus onde todos oram unidos pela paz enganosa dos pântanos. Antes, vi a baba e a saliva estilhaçarem vidraças num chiado contínuo além do brilho de punhais. Hoje, plantou-se uma estação de teorias esquisitas de acomodação e lazer. Esqueceram o andarilho vento alísio e caminheiro, portador de embates em favor da economia falida do Rio Grande do Norte. Enquanto isso, no palanque do dono da eleição, nenhum sopro eólico e planejador, irrompe a brida do cavalo viajor, à frente do tropel da sucessão.

Cumpre-se a assertiva de que jamais o lobo e o cordeiro jantarão juntos. O clamor do povo não chega porque o pasto é qualificado, mas a penúria é certa. Existe no sentimento de determinados homens públicos uma malandra e esperta fome de guaxinim. O povo deve exigir que a verdade seja servida antes dos aperitivos. Os rigores do combate a corrupção no país obrigaram o político aprender que tudo não é permitido. Ele deve deixar de ser privatizável, inconveniente e circunstancial. O sol das manhãs vindouras será para todos. Fica estabelecido, em nome de Jesus, que os políticos não se reúnam apenas para discutir os seus interesses de se eternizarem nos mandatos. E a imposição de que somente as suas vontades sejam revelantes, mas os segredos continuem irrevelados.

Cá do sereno, percebo que tudo o que acontece com a classe política é fruto do arbítrio. Nesse baile de máscaras, se escondem sorrisos e punhais. Não enxergo bem quem está dançando brega ou funk. Mas, me lembro daquela quadrilha junina de Lampião que no ensaio da dança caipira, exatamente no segundo movimento, no anarriê, quem vai levar o dedo indicador à boca? A omissão vai sobrar pra quem? Continuará valendo a tese ou a tesão de que contra governo rio cheio e o real ninguém dá jeito? Ante tudo isso, fico com a reflexão do escritor argentino Jorge Luiz Borges para acrescentar que não somente “O velório gasta os rostos”, mas candidato ruim também. Na política, devemos entender que não existem aliados, mas conspiradores que se unem.

Admito que o mapa político-eleitoral vai produzir tantas incertezas quanto espertezas para 2024. É cedo para ressentimentos e mágoas. Sigo o pensamento do Barão de Itararé: “Não nos queixemos de certos homens públicos pela sua arrogância, rudeza, egoísmo, vaidade, esquecimento. É a sua índole. Irritar-se com ele é como se irritar com o fogo porque queima ou com o cão porque morde”. La Bruyère, descendo numa sessão espírita lá em Mangabeira, afirmou que: “O demônio poder citar a Bíblia em proveito próprio”. Mas, grassa no Rio Grande do Norte, o entendimento de que “Os vícios são virtudes enlouquecidas”. Principalmente os eleitorais e administrativos. Na vida pública de hoje, não é à toa se dizer que cada político haverá de morrer agarrado a sua angústia. Está em curso um processo depuratório.

Garimpo o pensamento filosófico de que “O ser humano não só morre quando desencarna. mas também quando se desencanta”. E o povo? Bem, hoje, ele não é mais um detalhe... Graças a Deus.