segunda-feira, 24 de março de 2025

 

Centenário de Irmã Lúcia Vieira

Padre João Medeiros Filho

No dia 14 deste mês de março de 2025, celebra-se o centenário de Irmã Lúcia, hoje habitando o Céu. Os Atos dos Apóstolos e as Epístolas relatam que Cristo era seguido e servido por santas mulheres, durante sua permanência neste mundo. Não há como esquecer Maria de Mágdala, Marta e Maria e outras tantas colaboradoras de Jesus e dos apóstolos. Esse fato não é apenas exclusivo dos primeiros séculos do cristianismo. Em Caicó, no alto sertão seridoense potiguar, outra mulher, pequena de estatura, mas gigante pelo amor e caridade, conhecida por Irmã Lúcia Vieira foi exemplo de discípula do Mestre da Galileia. Conheci e privei da amizade da referida religiosa, desde os tempos em que fui residir em Caicó como seminarista, e anos depois, na década de sessenta, como sacerdote e pároco de São José.

Ao longo de décadas, tive contato com a referida religiosa, ícone do amor aos pobres e deserdados, cujo interesse era apenas viver o Evangelho de Cristo. Catequista, professora, superiora da comunidade das irmãs, ministra da eucaristia, Irmã Lúcia era o rosto visível de Cristo, no bairro da Paraíba, em Caicó. Sou testemunha do seu zelo pastoral. Prestava assistência religiosa total aos pobres do bairro onde residiu, no Abrigo Professor Pedro Gurgel. Batizava, levava a comunhão aos doentes, preparava noivos e padrinhos para os sacramentos do matrimônio e do batismo, catequisava os crismandos e as crianças que deveriam fazer a primeira comunhão. Encomendava os corpos dos irmãos que partiam para a Casa do Pai. Só não confessava, porque não era sacerdote, mas ouvia os lamentos e gemidos dos sofridos e pecadores. Chegava aonde os padres de Caicó não assistiam, cheia de ânimo, compreensão e ternura. Costumava eu dizer a Dom Manuel Tavares de Araújo que no Abrigo Prof. Pedro Gurgel havia duas Senhoras das Graças: a Mãe do Céu e Irmã Lúcia, sempre disposta a levar a graça divina, o carinho de Deus e o mimo celestial ao próximo.

Burocracia e insensibilidade juntaram-se para retirar as irmãs da direção do Abrigo. Mas, Irmã Lúcia transcendia os muros daquele asilo de idosos. Seu campo pastoral não tinha limites para o seu amor e caridade. Transferiram a freirinha de Caicó. Arrancaram-na como se retira uma mãe do meio de seus filhos. O lamento e o choro destes não foram ouvidos. Muitos queriam que ela fosse sepultada em Caicó, onde morou por décadas. Foi negado ao povo o seu desejo. A santa religiosa tentou justificar para os seus filhos da alma, (“los hijos del alma”, segundo Miguel de Unamuno) a atitude dos superiores. Na sua profundidade espiritual, exclamou: “Não me pertenço. Sou de Deus e da Igreja.” Sim, Irmã Lúcia, nós também somos Igreja e filhos de Deus. Tínhamos o direito de exigir. Mas, a senhora nos ensinou a virtude da obediência, como expressão da humildade e mansidão. Irmã Lúcia, sua vida era marcada de candura, compreensão e alegria. Lamentavelmente, uma parcela da Igreja instituição não soube reconhecer, tampouco vislumbrar a sua grandeza. O seu galardão foi recebido no Céu. Irmãzinha, a Senhora deve ter ouvido de Cristo, quando adentrou os umbrais da Eternidade: “Vem bendita de meu Pai, recebe a herança que o Senhor te preparou, desde a criação do mundo” (Mt 25, 34).

 


ESSAS FLORES

Essas flores que nascem às margens do rio
Nada ficam a dever às flores de meu jardim.
Essas poesias que surgem do nada
E se vão levadas pelo vento do imaginário
Também não são menores que aquelas
Nascidas do clássico ofício de escrever...
Esses amores...
Ah!, esses amores...
São lindos esses amores que não precisamos guardar
E sobrevivem à margem de tudo
Pela graça da vida
Na liberdade que transcende o nosso querer...


-  Horácio Paiva

 ROSADOS - ROTAS DE COLISÃO E PAZ

 

Valério Mesquita

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Dix-Huit, o velho alcaide, como gostava de ser chamado, pertenceu ao PDT e pediu passagem para ingressar no PPR. Ele integrava a saga dos Rosados que edificou o país de Mossoró ao lado de outros obreiros, irmãos na argila e no sangue. De longe, sempre admirei a união da família Rosado, emblemática, carismática, atávica, mágica. Era o mistério da unidade. O tempo implacável, com as suas angústias, dividiu a família plantando-lhe as sementes da discórdia. Sofridos, abatidos por tragédias, sucumbiram ao peso medonho das amarguras cotidianas do insensato jogo do poder e da política perversa - amor de perdição.

Mossoró, hoje é um país confederado. Fragilizou-se igualmente a Roma, quando dividiu o império para ser destruída depois pelos bárbaros. Desde Dix-Sept, Mossoró teve tempos idos e vividos, consumados com tanta generosidade e autenticidade de espírito, com tanta sensação de se perfazer a aventura da vida com grandeza interior, que hoje não tenho como deixar de proclamar que os Rosados eram felizes e não sabiam.

Com Vingt, perdemos a figura do líder político típico, tópico e até utópico, como foram Dinarte, José Augusto, Georgino e Juvenal Lamartine. Vingt foi o coquetel humano de todos eles. Dix-Huit é o perfil do burgomestre com raízes telúricas e emocionais, daqueles que tem a cara do seu município e de sua gente. Dispunha de ineludível capacidade de reinventar o fluxo virtual da sua atividade, assumindo os contornos de um lirismo político inaugural que contrasta com a presente politicagem dominante na cidade.

Evidentemente, que outros fatores também contribuíram para a queda desse mundo político semidesaparecido. É preciso que se devolva a Mossoró o sentido e o rumor do humano, da civilidade, da paisagem e do tempo. A recomposição dos gestos e os exemplos do passado, voltando-se a resgatar a Mossoró libertária, lutando, resistindo sempre, com paz e amor, portanto, ao som das mesmas canções eternas. Naquele tempo eu dizia ainda sobre o velho mestre: “A vinda de Dix-Huit para o PPR não desagrega. Congrega, conflui. Não consagra nem desconsagra ninguém. Não é uma atitude contra ninguém. Vem para o PPR e não para o PSDB ou PMDB, por isso não cabe veto. Vem se aliar àqueles que já estão na Unidade Popular. Sob o mesmo manto, a mesma égide, pode ressurgir, quem sabe, a paz. A paz fraterna, cósmica, que tanto a família mossoroense deseja”. Tal previsão não ocorreu. E o rompimento da família foi o começo da derrocada.


                                                                      (*) Escritor