quarta-feira, 5 de março de 2025

 

Significado religioso-bíblico das cinzas

Padre João Medeiros Filho

O ato da imposição de cinzas remonta ao Antigo Testamento. O livro de Ester narra Mardoqueu vestindo-se com pano de saco e cobrindo-se de cinzas, ao saber do decreto de Assuero (Xerxes I, da Pérsia), condenando à morte os judeus ali residentes (cf. Est 4,1). Atitude semelhante teve Jó, demonstrando o seu arrependimento (Jó 42, 6). Daniel, ao profetizar a tomada de Jerusalém pela Babilônia, escreveu: “Voltei o olhar para o Senhor Deus, procurando fazer preces e súplicas com jejuns, vestido de tecido rústico e coberto de cinzas.” (Dn 9, 3). Após a pregação de Jonas, o povo de Nínive se vestiu de roupas grosseiras, impondo-se cinzas. O rei levantou-se do trono e sentou-se sobre elas (Jn 3, 5-6). Tais exemplos demonstram a prática religiosa do uso das cinzas como símbolo de arrependimento, tristeza, penitência, conversão e dor. Cristo aludiu igualmente a esse costume, quando se dirigiu aos habitantes das cidades de Corazim e Betsaida que não se arrependiam de seus pecados, apesar de terem presenciado milagres e ouvido a Boa Nova. “Se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas”, advertiu o Mestre. (Mt 11, 21).

A Igreja, desde os primórdios, continuou este ritual com um simbolismo análogo. Tertuliano aconselhava o pecador a “vestir-se com um tecido de estopa e cobrir-se de borralho.” Eusébio, primeiro historiador da Igreja, relata que Natálio se apresentou com esses trajes, diante do Papa Zeferino, para suplicar-lhe o perdão. No cristianismo medieval, quando o penitente saía do confessionário, o sacerdote impunha-lhe cinzas para significar que o “velho homem” tinha sido destruído, dando lugar ao “novo homem” (Ef 4, 24), do qual fala o apóstolo Paulo.

Por volta do século VIII, as pessoas que estavam prestes a morrer, eram deitadas no chão sobre um tecido rude e nelas se jogava pó. O sacerdote, aspergindo-as com água benta, dizia: “Lembra-te, ó criatura, que és pó e nele te hás de tornar.” (Gn 3, 19). Este rito foi tomando uma nova dimensão místico-espiritual e passou a significar morte ao pecado, em seus diversos aspectos: mentira, orgulho, injustiça, inveja, ódio, violência, insensibilidade etc. Assim, com o passar dos anos, tal costume foi associado ao tempo quaresmal. Neste, somos convidados a sepultar o velho homem existente em nós para ressurgir com Cristo, na Páscoa.

Na liturgia atual, as cinzas utilizadas na quarta-feira são obtidas com a queima de sobra das palmas bentas no Domingo de Ramos do ano anterior. O sacerdote as abençoa e impõe sobre os fiéis, dizendo: “Lembra-te que és pó e nele te hás de tornar”, ou então, com outra fórmula: “Converte-te e crê no Evangelho.” (Mc 1, 15). Essa cerimônia é um convite à preparação para a Páscoa pela vivência da quaresma, tempo privilegiado para uma revisão de tudo o que nos aniquila em nossa caminhada de fé e amor.

Aceitando tal ritual, expressamos duas realidades fundamentais: a consciência de que somos criaturas efêmeras e nossa fé na ressurreição. Cristo ressuscitou dos mortos, prometendo-nos que também ressuscitaremos. É conhecida na mitologia grega a força de Fênix, que renasce das cinzas. Isto lembra-nos que delas também nós podemos surgir, como criaturas novas, pela graça inefável de Deus. Elas simbolizam mudança radical, na medida em que representam aniquilamento ou destruição. Por essa razão, somos chamados a nos converter ao Evangelho de Jesus Cristo, mudando nossa maneira de pensar, julgar e agir, libertando-nos da arrogância, do egoísmo e de tudo aquilo que nos afasta de Deus. A palavra marcante com que se abre a celebração da quaresma – a qual se inicia na quarta-feira, após o carnaval – é conversão. O termo, de origem hebraica, indica mudança interior, dir-se-ia, transformação da mente e do espírito. Foi isto o que Cristo veio trazer com sua mensagem. Ele indicou ao ser humano um novo caminho e modo de ser, pensar e viver. O apóstolo Paulo, de forma inspirada, o chama de “novo Adão”, qual seja, uma nova humanidade (Rm 5, 12-21).

terça-feira, 4 de março de 2025

 

Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 09

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)

ÚLTIMO DIA DE FOLIA

            Com o gosto de “quero mais” para uns ou finalmente, para outros, concluímos mais um período carnavalesco na Praia de Cotovelo, onde passei muitos anos brincando ou aproveitando a natureza com a minha saudosa THEREZINHA.

            Em 2019, ano de sua Páscoa definitiva, lancei em janeiro o livro PROMOVEC – uma bela história e coincidentemente o Carnaval foi em março. Assim, terminamos o veraneio e retornamos a Natal. Comprei as camisas da 3ª Cotovelada, mas inusitadamente na volta à nossa Capital nos deparamos com os problemas de saúde dela e o Carnaval passamos no hospital da UNIMED até o desfecho da sua partida no último dia daquele mês.

            Nos anos seguintes aproveitei o veraneio, mas sem participar de nenhum momento da festa de Momo, mas acompanhei pelos informes de WhatsApp.

            Neste 2025, após a posse da nova Diretoria da PROMOVEC, vivenciamos momentos desagradáveis que me obrigaram a deixar de participar dos grupos de informação, posto que esqueceram o que fiz em colaboração com a referida entidade. Sem problemas.

Grupo de pessoas em uma praça

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            Mesmo ausente, registrei com alegria o bloco da 7ª Cotovelada, saindo em todos os dias de Carnaval e coletei informações de que tudo saiu bem. Parabéns para os promotores da festa, ao tempo em que desejo que a harmonia seja a tônica para o restante do ano.

 

Pessoas sentadas ao redor de uma mesa

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            Neste último dia de folia tive a satisfação de receber a visita do Padre Edvaldo Mota, novo pároco de Pirangi/Pium/Cotovelo e adjacências, juntamente com uma colaboradora da Igreja, guiados pelo nosso estimado Octávio Lamartine, que desejava algumas informações sobre a Casa de Pedra de Pium e do seu donatário João Lostau Navarro, mártir de Uruaçu e co-padroeiro de Pium, juntamente com Santa Luzia.

            O referido religioso tem uma missão para dar ênfase ao Santo Mártir, a pedido da Arquidiocese de Natal, o que tenho condições de colaborar com algumas pesquisas que venho trabalhando há algum tempo.

            Não se trata de fazer turismo religioso, mas ressaltar a qualidade do Santo João Lostau, para justificar a sua condição de santificado pelo Papa Francisco, mas quase inteiramente desconhecido da Comunidade religiosa do Distrito de Pium.

            Esse fato trouxe-me compensação pelos percalços que sofri com alguns associados da PROMOVEC, mostrando que ainda posso fazer alguma coisa pela Comunidade, na esperança de que nossos Padroeiros (Santa Luzia e Santo João Lostau) restabeleçam a paz e harmonia tão ansiada pelos que habitam este pedaço de chão.

            O veraneio terminou e com ele o Carnaval – agora vamos viver a Quaresma, com todo fervor possível e o restante do ano que começou, com decisões positivas e favoráveis ao binômio sossego-progresso.

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(*) Veranista desde 1989.

domingo, 2 de março de 2025

 


Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 08

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)

 

O QUE É O CARNAVAL?

Taí. Uma pergunta complicada! CARNAVAL é um estado de espírito, uma tradição, um período religioso ou simplesmente uma folia? Creio que tudo isso junto.

Sua origem é remota, começou como festividade meramente pagã da Antiguidade, com os entrudos das cidades europeias, com fantasias e carros alegóricos.

Atravessando culturas diferentes, tendo por motivo a inversão das coisas, daí a eleição de um mandatário próprio (Rei Momo), homens vestidos de mulher e vice-versa, máscaras para esconder a identidade, sendo depois incorporado ao calendário cristão como celebração antes da Quaresma. Chegou ao Brasil com influências europeias, africanas e indígenas, tornando-se a festa exuberante de hoje.

Embora seja um acontecimento que lembra festa, alegria, folia o Carnaval tem uma história complexa, envolvendo tradições religiosas e festividades mundanas.

Sua chegada ao Brasil foi precisamente pelos colonizadores portugueses no século XVII, com o mela-mela de farinha, água e outras substâncias, às vezes até nocivas, numa brincadeira popular. Aqui no Rio Grande do Norte tem até o “Bloco dos Cão”, onde as pessoas se encharcam na lama dos mangues e põem chifres nas cabeças

No passar do tempo o Carnaval brasileiro foi se tornando cada vez mais aperfeiçoado, chegando no atual século à condição de apoteose de beleza e cultura, com as escolas apresentando enredo e homenageando pessoas, atraindo turistas e marcando uma das atrações de maior comparecimento de estrangeiros e pessoas nacionais, para os espetáculos das cidades mais notadas como Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Recife, sem excluir os bailes nos clubes e nas ruas, tornando-se a nossa maior atração.

Desde o ano de 1932, com a colaboração do jornalista Mário Filho, a popularização do Carnaval gerou a criação das grandes escolas de samba, nos bairros mais importantes das cidades, contribuindo para o aperfeiçoamento de sambas-enredos, transformando-se na maior festa popular do Brasil.

A sociedade vem procurando conciliar o lado profano da bebida, fantasias e barulhos com o início da Quaresma, com jejuns e outras abstinências. É o contraste entre o exagero e a reflexão.

Com a atração turística, temos os grandes gastos das escolas e imenso lucro para as cidades, seja o poder público ou os populares autônomos.

Uma realidade indiscutível – hoje o Carnaval é um estado de espírito do brasileiro, que se sacrifica para garantir belos desfiles e busca do título maior do certame.

Dificilmente um jovem ou uma jovem não passou por esses encontros que se tornaram icônicos na vida de cada um, em suas histórias de vida.

Fui um grande folião, brinquei em escola de samba, pulei nos salões do América, ABC, Alecrim Clube, Brasil Clube e Assem. Participei dos “assaltos” às casas de família, por convite dos seus responsáveis. Não me arrependo de nada e o Carnaval é um capítulo da minha vida.

Agora no outono da vida, só calmaria, paz e quaresma.

 

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