sábado, 8 de outubro de 2022

                

Novos, baratos e sem dissabores
Sebos vendem livros usados e, por isso mesmo, mais baratos (tirando o caso das obras raras e colecionáveis, por óbvio). Essa é a ideia por detrás desses comércios. Uma excelente ideia, diga-se de passagem. Eu adoro os tais dos sebos.
Todavia, existe um outro tipo de comércio, comum no exterior, que é especializado em vender livros novos, mas que, por motivos variados – edições mais em conta, edições mais antigas, edições atemporais, obras que já caíram no domínio público, obras que não tiveram grande apelo comercial e por aí vai –, são também deveras baratos. A esses livros são dados descontos – enormes descontos, aliás – nos seus valores de “face”. Em inglês, esses comércios de livros/livrarias são normalmente chamados de “discount booksellers”. Eu também amo esses comércios.
Certa feita, nos EUA, começando uma viagem pela Flórida, dei de cara com uma loja da Book Warehouse, que se diz “a líder nacional entre as discount booksellers” naquele imenso país. Era já em Orlando, o primeiro destino do nosso périplo norte-americano. Comprei bastante. Em seguida, já na Geórgia, comprei mais um bocado de volumes. Foi muito bom e muito ruim. Como íamos rodar boa parte do sul dos EUA, isso causou dissabores à minha mulher. Enchi as malas e a mala (do carro, que fique claro) com “coisas supérfluas”. Paciência.
Mas foi em Londres, quando lá fazia o doutorado, que me familiarizei com esse tipo de comércio. Entre outras paragens, morei por um ano em Bloomsbury, que é um bairro com fama – justa fama, aliás – literária/acadêmica. Ali está a sede da Universidade de Londres e estão muitos dos seus colleges. Pelas imediações também fica a Biblioteca Britânica e, defronte a esta, no meu tempo, havia vários pequenos comércios vendendo livros novos a preços especiais (por 2 ou 3 libras quiçá). Já não me recordo dos seus nomes, mas eram/são facílimas de encontrar na Euston Road, onde fica a biblioteca (que, por óbvio, também deve ser acadêmica e turisticamente visitada).
Sobretudo havia, na rua onde eu morava, a Southampton Row (e acho que essa parte da rua já ficava no bairro da Holborn), uma das muitas lojas, em Londres, da rede The Book Warehouse (que, apesar do nome, não acredito ter qualquer relação legal com a homônima americana). Era muito conveniente, pois ficava aberta até às 22 horas (acho que ainda fica, pelo que andei vendo), o que é raro no comércio londrino. Quando estava “cansado” de Londres, se é que isso é possível (acredito no Dr. Johnson), matei muitos dos meus fantasmas por lá. Era pequenina (suponho que ainda seja), com apenas um pavimento térreo, mas vendia livros novos, de diversos tipos, a preços promocionais, muito mais em conta do que nas livrarias tradicionais. Comprei boa parte da minha coleção de clássicos ingleses, em edição de bolso (em papel jornal, bem leves, mas cuidadosamente produzidos), por lá. Publicações Penguin Popular Classics, Oxford Word’s Classics, Wordsworth Classics, Collins Classics, todas muito conhecidas. Coisa de 1 ou 2 libras. Comprei também bastante daqueles livros grandões e pesadíssimos, em papel couchê, com muitas fotografias, belíssimos, que usamos mais para decorar do que para ler (tudo tem sua utilidade). E tinha também muitos livros de iniciação/divulgação científica (para as mais diversas ciências), também com várias fotografias (o que é um critério importante para mim), que sempre adorei. Tudo deveras em conta. Era uma maravilha para gente como eu (“econômica”, embora as más línguas exagerem nessa qualidade). The Book Warehouse me causava alguns problemas, entretanto. Malas carregadíssimas para levar meus mimos ao Brasil. Ou mesmo ter de me socorrer do serviço postal do Reino Unido, o Royal Mail, que era/é muito eficiente, mas pesadamente caro.
As “discount booksellers” não são muito comuns no Brasil. Pelo menos essa é a minha impressão. Recordo-me de uma livraria, até grande, que frequentei no shopping RioMar em Recife antes da pandemia, e de pequenos comércios e feiras que vez por outra estão nos nossos Midway ou Natal Shopping. Mas são quase itinerantes. Ou abrem e fecham muito rápido.
Dito isso, eu rogo aqui por muitas “discount booksellers” no Brasil. Lojas físicas mesmo, onde poderíamos xeretar e comprar alegremente. Elas semeariam livros, como queria o nosso Castro Alves. E evitariam malas inconvenientes e outros dissabores em viagens.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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sexta-feira, 7 de outubro de 2022

 

ANDONO INEXPLICÁVEL

 

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

 

Rua Seridó, Petrópolis, por trás do Atheneu Norte-Riograndense desaba o prédio do ginásio Sylvio Pedroza, orgulho esportivo da década de cinqüenta. Pontificou antes do Djalma Maranhão que precedeu o Humberto Nesi e tantos ginásios públicos e privados hoje espalhados pela capital. O Sylvio Pedroza tem a mesma importância histórica para a cidade quanto o estádio Juvenal Lamartine, inaugurado em 1929, para a prática pioneira do futebol. Ainda adolescente, assisti a disputa de partidas interestaduais de voleibol e basquete que levaram multidões ao ginásio e o Atheneu que era o único, à época, dentro das normas técnicas regulamentares. O futebol de salão nasceu praticamente ali e se difundiu depois em todo o Rio Grande do Norte. Foi um celeiro de craques nas três modalidades.

São mais de 50 anos de tradição, de história, de cultura esportiva que marcaram a vida de gerações. Tudo isso como está, hoje? Resposta: decaído, sem memória. Aliás, Natal é pródiga nos esquecimentos, omissões e negligências. Por exemplo: o prédio onde funcionou o antigo Liceu Industrial ou Escola Técnica que fica na avenida Rio Branco foi restaurado pela UFRN. Outros casarões antigos estão se desmoronando em silêncio, como túmulos antigos de cemitério cobertos de lôdo e desprezo. Visto de frente o ginásio Sylvio Pedroza parece sufocar os gritos e as emoções de antigamente. Os eventos culturais, as formaturas, os discursos dos patronos e paraninfos são também frias estatísticas do tempo, gravadas nas paredes enegrecidas pelo descuido das autoridades. 

O ginásio Sylvio Pedroza foi inaugurado em 27 de julho de 1954. Consta o registro social que era uma amena terça-feira, sem calor e poluição. A sua capacidade chegou a oitocentas pessoas nas arquibancadas. Segundo os estatísticos correspondia a dois por cento da população de Natal, estimada em quarenta mil habitantes no início da década de cinqüenta. A história do prédio é pobre em mudanças e preservação. Com o surgimento das novas praças de esportes nos bairros de Petrópolis e Lagoa Nova, os Caic´s, o ginásio esportivo de Petrópolis perdeu a majestade. Natal já exigia público nas dependências de doze a quinze mil espectadores. O processo de degradação física atingiu um ponto tal que, somente em 1990, programaram uma demorada e sofrida reforma, paralisada várias vezes por falta de verba e de verbo também. Falhas lamentáveis foram consignadas e até, em 2003, denunciadas pela imprensa local.

Depreende-se que, para o ginásio esportivo Sylvio Pedroza não há prioridade de conservação. O edifício geme sob o peso da negligência e das emoções de antigamente. “É um prédio velho. Deixa cair”, dirá algum técnico modernista, especializado em “cultura, educação e esporte”. Não se apercebe que duas questões são primordiais: o retorno da utilização dos serviços do ginásio para os alunos do Atheneu e o resgate da memória perdida, como se os desportos não constituíssem também a história de um povo.


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

 JARDINS E FLORES – UMA VISÃO 

Diogenes da Cunha Lima 

Depois de criar o céu e a terra, as plantas e os animais, Deus deu ao homem um jardim, seu lar. Por isso, devemos fazer do lar nosso jardim. A beleza das flores ornamenta os jardins e adorna também casas, ruas, praças, até os estabelecimentos comerciais. Celebra a religião, o amor, o casamento, as despedidas. Torna menos sombria a morte. Recentemente, o Museu do Ipiranga em São Paulo foi restaurado, como também o seu jardim, estilo francês, implantado há 100 anos. Uma das sete maravilhas do mundo antigo são os jardins suspensos da Babilônia. Os povos daquela época, como os egípcios, gregos e romanos, cultivavam hortos florais. O Reino Unido revaloriza as casas dos escritores falecidos, preservando seus jardins. Na Escócia é possível visitar o belo jardim do poeta William Wordsworth, que contém seus inspiradores daffodils (narcisos). É encantador o “Queen Elizabeth” em Vancouver, Canadá, como outros que homenageiam a Rainha nos países em que ela era Chefe de Estado. São inimagináveis 130 hectares de atrações, inclusive o Conservatório para preservar maravilhas naturais. Plantas brasileiras dizem presente. Reconhecido como um dos mais fantásticos jardins do mundo, na cidade canadense de Victória, o Butchart Gardens foi criado por uma senhora há 116 anos e, hoje, é cuidado por sua bisneta. As flores das cerejeiras são símbolos do Japão. A floração acontece entre os meses de março e abril. O povo faz da contemplação um ato espiritual. Ao redor do palácio do imperador, as árvores esplendem e jogam flores sobre os visitantes. São inimitáveis os denominados jardins japoneses com plantas, águas, pedras e pontes em seu paisagismo. O de Campos do Jordão é visita imperdível na linda cidade da Serra do Mar. O Brasil tem inumeráveis flores nativas nos biomas amazônicos da Mata Atlântica, da Caatinga, do Serrado. Somos o único país do mundo que tem nome de árvore. O pau-brasil produz minúsculas flores amarelas. Assim tem merecido ser enobrecido com a delicadeza das orquídeas. O Rio Grande do Norte tem a flor Cattleya Granulosa como seu símbolo e a flor da manhã, a Xanana, simboliza Natal. O Baobá da nossa cidade costuma florar a partir de dezembro. O seu fruto verde abre-se com a flor branca e vai se tornando creme, marrom e termina em aveludada violeta. A sua textura, quando seca, torna-se permanente. As craibeiras cobrem-se de flores amarelas e os ipês, de flores roxas. Com esse colorido dão um toque especial ao verde das dunas. As flores são um recado de amor e paz da natureza ao homem.

 Reinados, reis e rainhas 

Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 

Em crônica recente na Folha de S. Paulo, o escritor Marcelo Coelho se refere ao rei Farouk 1º, do Egito, deposto em 1952, que dizia: “No futuro, só existirão cinco reis, os quatro do baralho e a rainha da Inglaterra.” Passadas cerca de sete décadas, a previsão do rei Farouk não se confirmou, pois, somente na Europa, ainda existem nove monarquias. Na Espanha atual, a monarquia retornou em 1975, criada num impulso do ditador Francisco Franco, que nomeou para a função o monarca Juan Carlos. Principalmente nos países mais representativos, como Reino Unido, Holanda, Suécia e Dinamarca, as monarquias têm somente o papel de representação, sem qualquer poder político. Não é à toa que a expressão “rainha da Inglaterra” é sinônimo de algo simbólico, alegórico. As monarquias, no geral, despertam simpatia e curiosidade nas pessoas, ao redor do mundo e ao longo do tempo. No entanto, nenhuma se iguala à monarquia do Reino Unido, que é líder de um grupo de 56 países soberanos, chamado de Commonwealth, dos quais 15 são reinados. Desde o dia 8 de setembro de 2022, com a morte da Rainha Elizabeth II, assumiu o Trono do Reino Unido o Rei Charles III, filho da charmosa monarca recémfalecida. Talvez falte ao novel rei o carisma tão presente na vida de Elisabeth II. Devido ao funeral da rainha do Reino Unido, a celebração dos 50 anos do reinado da rainha da Dinamarca, Margrethe 2ª, teve de ser reduzida somente para o âmbito interno. O reinado de Margrethe 2ª, hoje, é o mais duradouro da Europa. Ao se falar do reinado dinamarquês, vem logo à mente a frase “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, de Shakespeare, em sua obra mais famosa, a tragédia Hamlet. Nesta mesma obra, outra frase profunda e atemporal: “Ser ou não ser, eis a questão”. A rainha Margrethe 2ª, que tem aprovação de 80% dos súditos, é prima distante de Elizabeth II. No início do século XX, quase todos os países da Europa mantinham o regime monárquico, com raras exceções, a exemplo da França. A Alemanha, a Rússia e o Império Austro-Húngaro aboliram o regime monárquico logo após a Primeira Guerra. Decorridas cerca de três décadas, também mudaram de regime a Bulgária, Romênia, Iugoslávia e a Itália, mas todos abraçaram o sistema democrático. No Brasil, destaca-se o reinado de Dom Pedro 2º, que durou 49 anos, três meses e vinte e dois dias. Dom Pedro 2º é o melhor exemplo de homem público do país, culto, respeitado, um democrata de cetro e coroa. A ruptura do regime, com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, deu-se em moldes de golpe de Estado, pois os donos do poder deram ao velho monarca a única opção de entrar em um navio e zarpar para a Europa, tornando-o órfão do seu próprio país. O navio Alagoas, que transportou a família real, levou 21 dias entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Dom Pedro 2º resistiu, buscou alento nos livros, mas a imperatriz Tereza Cristina faleceu, poucos dias depois de chegar a Lisboa. O Brasil não soube se espelhar nos exemplos de Dom Pedro 2º, de probidade no serviço público e de amor às letras, à ciência e à educação. Seus méritos de estadista foram mais louvados no exterior do que no seu próprio país, porquanto foi chamado na Europa e nos Estados Unidos de “Governante modelo do mundo”. 

 Desintoxicar-se e desapaixonar-se 

Padre João Medeiros Filho 

Após o primeiro turno das eleições, vamos dar uma chance à paz, desarmar os corações e serenar os espíritos. Urge desintoxicar-se e desapaixonar-se. Cristo pregou no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra” (Mt 5, 9). Não esqueçamos que somos todos brasileiros e irmãos (para quem professa o cristianismo). As eleições devem ser concebidas como espaço da democracia. É assim que se precisa entender. Vivemos dias e semanas apreensivos, num clima raivoso, de intimidação, desconstrução de pessoas, radicalismo e agressões. Não é justo nem salutar quebrar os laços familiares e de amizade, dividindo o nosso lar, odiando nosso próprio sangue por conta de política. Podemos ser adversários, mas nunca inimigos. É necessário que assim ajam as pessoas civilizadas e cristãs. O ódio não faz bem, por isso foi condenado pelo Mestre da Galileia. “Fazei o bem aos que vos odeiam. Abençoai os que vos amaldiçoam. Orai pelos que vos caluniam (Lc 6, 27-28). Durante a campanha, sofismas e mentiras confundiram, desorientaram, desvirtuaram fatos e enlamearam pessoas. Como fazer cessar a aversão e a ira, o desrespeito vil e a agressividade? Primeiramente, é preciso desarmar os corações. Somos efêmeros, peregrinos na vida, “cidadãos de uma outra pátria” (Fl 3, 20). E para fazer esta experiência é necessário envolverse e conviver. O que nos une, supera aquilo que nos separa. Somos participantes de uma mesma natureza, temos problemas idênticos ou semelhantes, dificuldades análogas, pertencemos a uma só família. Deus nos dá a chance de nos realizar juntos, apesar de nossas limitações e pecados. Saibamos compreender e perdoar. “Ninguém é perfeito no país dos homens”, afirmava o Pequeno Príncipe. Ou como proclama com mais precisão o Evangelho: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8, 7). Durante a campanha eleitoral, talvez tenhamos caído na armadilha de alguns, que em vez de unir, nos polarizaram. Em lugar de agregar, nos tornaram inimigos, desejando que eliminássemos com violência e rapidez os rivais. Esqueceram que precisamos de todos para superar e sair das ruínas, juntar os cacos deixados pela pandemia e outras desgraças que possam nos ter atingido. Importa desintoxicar-se de tanta coisa que veicularam as redes sociais e a mídia. Vamos nos voltar para as nossas tradições de povo pacífico, generoso, hospitaleiro e fraterno. As campanhas passam. O poder não é eterno. Lembremo-nos da imagem de Cristo do Corcovado, plantado como símbolo e ícone de nossa hospitalidade e do acolhimento cristão. Ele está de braços abertos para nos receber. A filosofia ensina que o homem é um ser inacabado. Necessita dos outros para se completar. Por isso, é preciso aprender a dialogar, buscar convergências, transigir, unir e aproximar. É ilusório pensar que o vencedor nas eleições só receberá os louros. Ele terá diante de si antigos, novos e gigantescos desafios. Quem foi derrotado nas urnas, não pode fazer uma oposição irresponsável e raivosa. Não sejamos egoístas, pensando tão somente em nós, em nossos interesses e partidos. O Brasil vale mais que as ideologias e suas concepções. É preciso ter em mente o futuro. A pátria não pertence apenas aos que vivem agora. Não há nenhuma escritura passada em cartório de que grupos, pessoas ou partidos são proprietários desta rica e querida Terra de Santa Cruz. Vencedores e vencidos precisam estar conscientes de que o Brasil é de todos! É hora de pensar alto e grande, como fazem os verdadeiros políticos, estadistas e pacifistas da história. Sigamos os ensinamentos de São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor”. Nossa pátria precisa de serenidade. O Brasil é um país cristão. Jesus não veio incendiar o mundo com rancor e violência. Pregou e ensinou o amor. “Nisto conhecerão que sois os meus discípulos, se tiverdes amor uns para com os outros” (Jo 13, 35). Que Deus nos conceda alegria, esperança e coragem, para trilharmos juntos um caminho de união, justiça, paz e solidariedade. E que o Senhor esteja sempre no meio de nós. Meditemos as palavras do salmista: “Vede como é bom e agradável os irmãos viverem unidos” (Sl 133/132, 1).

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

 DÊ-ME UM MARTELO!


Valério Mesquita*

Em agosto passado, assisti por uma rede de TV, a retrospectiva dos chamados “anos de chumbo” desde março de 1964 até o período das diretas já. O documentário cinematográfico e fotográfico exibido realçou de forma abundante a reação da classe estudantil brasileira contra o regime militar. Vários depoimentos de líderes estudantis à época, hoje circunspetos e envelhecidos cidadãos, de diferentes camadas sociais, pintaram com tintas negras as prisões, as torturas, os espancamentos, a que foram todos submetidos. Lutaram contra o cerceamento das liberdades individuais, pelo restabelecimento do estado de direito e por eleições livres e democráticas.

Artistas do rádio e da televisão, estudantes, profissionais liberais, políticos como Brizola, Ulisses Guimarães, Miguel Arraes, José Serra e tantos outros escreveram, com gestos e atitudes, muitas páginas de desprendimento e coragem. Mas, foi a UNE (União Nacional dos Estudantes) liderada por Guilherme Palmeira e vários companheiros que travaram nas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Brasília com a polícia e os órgãos repressores, a luta desarmada e desigual por aquilo que mais acreditava: a volta do país ao regime democrático. O universitário brasileiro tornou-se a figura marcante da resistência. Na segunda fase do domínio político militar surgiu o estudante secundarista, os “caras pintadas” para protestar contra o regime e depois contra o trêfego Fernando Collor de Melo.

Deduz-se uma reflexão pontual e elementar de todo esse acervo patriótico: por que a UNE, os “caras pintadas”, a classe universitária brasileira não se levantam para protestar quando o assunto hoje é corrução oficial, impunidade administrativa, degeneração dos costumes políticos e desmoralização do serviço público. Os primeiros anos do novo milênio fase da roubalheira do dinheiro público, lastreado por CPIs, jamais se ouviu um libelo, um grito, um apito, um gemido da UNE ou dos diretórios acadêmicos ou ainda, da maquiagem facial da turma secundarista nacional. Este ano, ninguém bateu ponto na praça dos Três Poderes para pedirem a cassação dos alagoanos Renan Calheiros e Arthur Lira, presidente da Câmara Federal. Mas, o conterrâneo Collor que pecou menos, de lá foi expulso às carreiras.

Acho que dilapidar o patrimônio é ilícito tão grave quanto o de subverter a liberdade pública. O regime político de corrupção generalizada é tão nefasto quanto a ditadura organizada que suprime as garantias individuais. Por que ninguém protesta? Poucos homens públicos, cumprindo o ritual partidário, se opõem a iniquidade, a desordem e ao caos. O Ministério Público desvenda os crimes, expõe os criminosos comprovadamente mas a legislação pátria é frouxa, ligth, dietética e permissiva, liberando-os, depois, na maioria das vezes, através de abusivas liminares e outros expedientes jurídicos de ocasião. Mas, onde estão os jovens do meu país? Por que a tolerância com canastrões políticos incompetentes que desmoralizam o processo democrático pelo qual muitos lutaram? O fato é que perderam a capacidade de se indignar.