PÁGINAS DA VIDA
Valério Mesquita*
Na política, não temos
mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os náufragos que irão
morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em
blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão
somente. Não sei se há esperança. Não sei de há salvação. As únicas ameaças à
ordem constituída continuam a ser a Covid, a dengue, a zica, a chikungunya e a
varíola do macaco. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado
pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais
insuportável com a quantidade de veículos de motos. Principalmente aquelas que
cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles
para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado
mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a
quantidade.
O homem social hoje
virou ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social
com solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente
completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificadas pelo tom da
luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e
morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de
frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer
nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim
imaginam muitos empresários, políticos, socialites, juristas e outros nomes,
renomes e pronomes suspeitos. Fenelon já dizia “que ninguém dê crença a felicidade
presente. Há nela uma gota da baba de Caim”. As fortunas inexplicáveis de
alguns, da noite para o dia, cabem no raciocínio do pensador francês. Essa
categoria de novos ricos torna-se perfeita, apenas, na ruindade e nem na morte
é solidária.
Às vezes, diante do
infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais
abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não
há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio
comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro.
Lembro a minha mãe, que algumas vezes rebatia a solidão centenária com uma
frase humilde, sábia e confortadora: “meu filho, se eu fosse uma pessoa rica a
minha casa estaria repleta de visitas”. A humildade e a caridade cristã teriam
sido substituídas pelo messianismo dos “pobres de espírito”? Seria ataraxia,
morbidez ou equívoco trágico imaginar que ninguém seu morrerá nunca? Mas a vida
é um labirinto movida por difusa fluidez temporal, constituída de fases e de
fezes (no sentido consumista, digestivo da palavra).
E eu pensava nesse
turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo,
mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as
instituições públicas e privadas. Daí deduzir que toda celebridade em Natal
quando não é célere e celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e
pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns
profissionais que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e
coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que
me parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais,
principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as
fobias e a falta de religiosidade.
Aí, instaura-se um jogo
de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega
o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite
sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível,
reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza
a amizade como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite
gelada do tempo sem jamais achar abrigo. Aos ricos materiais mas pobres em
espírito, ofereço a reflexão do poeta Mário Quintana: “Essa idade tão fugaz na
vida da gente, chama-se apenas presente e tem a duração do instante que passa”.
(*)
Escritor.