postado por O Santo Ofício
junho 2, 2012
Por Antenor Laurentino Ramos
Nenhuma obra mais importante do escritor paraibano do que Fogo Morto. É, sem dúvida, seu melhor livro, a ponto de arrancar de Mário de Andrade o comentário seguinte: “Puxa, que obra prima é este fogo Morto!” Razão tinha o grande escritor paulista ao dizer isso. Quando muitos de seus críticos diziam que José Lins tornara-se repetitivo, esgotara sua veia criativa, eis que ele brinda-nos com esta obra maravilhosa. Pode ser considerada mesmo, como a síntese de seus livros anteriores, mormente aqueles que lhe estão ligados por um universo comum, o apogeu e a decadência dos engenhos de açúcar.
É o trovador trágico da província, dele disse Otto Maria Carpeaux, em toda trama romanesca linsdoreguiana, um sentimento de tristeza e de desmoronar. É o que faz do autor de Menino de Engenho, universal e regional, ao mesmo tempo, e não poderia deixar de ser, já que as duas condições nele coexistem.
Em Fogo Morto, nas três partes em que se divide o livro, os personagens padecem dos mesmos dramas. Na primeira, temos o capitão Tomas Cabral de Melo no seu apogeu açucareiro e adiante, o coronel Lula de Holanda Chacon, o seu genro, rumo à decadência e ao trágico na vida do engenho Santa Fé. Com eles, na segunda e na terceira parte, seguidamente, o seleiro Zé Amaro e o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, senhor de engenho falido e amalucado, o Papa Rabo, a maior criação literária, talvez, do renomado escritor.
No decorrer e toda a história os três personagens vivem do mesmo drama: os sonhos de um mundo impossível que os redimissem de suas tragédias, para, no fim, só se haverem com a realidade sofrida e incerta de um futuro cruel e sem solução. Se em Jorge Amado, os personagens, mesmo a sofrer, morrem com a certeza de um mundo feliz, só assim tragicamente alcançado, com José Lins do Rego, no há final feliz; tudo os Eva a um epílogo infeliz e desde o inicio da trama, os sinais de derrota fazem-se sentir, Omo se fossem, para eles, uma espécie de premonição.
Lula de Holanda, dona Amélia e duas filhas, Neném, a dileta e Olívia, a louca, vivem da miséria de um tempo que se acabou, o da sociedade açucareira; Zé Amaro, morador do Santa Fé, espoliado pelo senhor de engenho, a viver da profissão de seleiro, sem horizonte algum de melhora na vida, a não ser que, Antonio Silvino, o cangaceiro, e Robin Hood do sertão nordestino, venha redimi-lo e salvá-lo pelo resto da vida e o capitão Vitorino, o Papa Rabo, que se pretende um herói sem alma e que, quixotescamente, enfrenta, em nome da justiça, os poderosos do Pilar e os desmandos do tenente Maurício, em defesa de um povo pobre que nele imagina seu herói. Mas terminam todos tragicamente no mesmo fim.
É com Fogo Morto que José Lins alcança o seu apogeu na arte de escrever. Sua prosa, lírica espontânea, seu universo telúrico nos envolve e nos emociona até. Somos também participantes de sua narrativa. A oralidade, dos seus escritos, o cheiro da terra, a crise existencial por que passam seus personagens, transmitem-nos, para nós, um certo ar de familiaridade. Amor não realizado, futuro incerto, uma sensação de algo de ruim vai acontecer, um sentimento de fragilidade e impotência permanentes e a ausência de remédio definitivo para os personagens, é que fazem deles, seres dicotômicos, hamletianos. Ser ou não ser, eis a questão! É o que se sente na obra de José Lins e no que toca a Fogo Morto, mais dolorosamente. Ler, portanto, este grande romance, é gozar das delícias de uma das mais belas páginas que a nossa literatura já produziu. Que pena que os nossos canais de veículos de comunicação não divulguem, amiúde, para o público, as obras de José Lins do Rego. Que belíssimas novelas ou peças de teatro não dariam Pureza, Água mãe ou Fogo Morto? Provas disso, já tivemos com Riacho Doce e Menino de Engenho que a /TV globo, há tempos, levou ao ar.
Se outro mérito não tivessem, faria mais conhecida do povo, a obra dos nossos grandes autores. Não é só Jorge Amado, Rachel de Queiroz ou Ariano Suassuna que merecem a nossa atenção na mídia. José Lins tem de sobra e da melhor qualidade, literatura para ser por nós apreciada. É pouco ainda o que se fala sobre esse admirável prosador, e ninguém melhor do que Mario de Andrade em seu livro O Empalhador de Passarinhos, dele disse: “Foi o escritor de linguagem mais saborosa e colorida que, jamais, entre nós existiu.