Lívio
Oliveira – advogado público e poeta
Outubro está nos
arredores e já se passaram trinta anos. Os meus olhos são, agora, neste
devaneio, os mesmos daquele menino que, sonhador, observava lá adiante o
Colégio Nossa Senhora das Neves (Colégio das Neves), a partir do referencial e
ângulo de visão da esquina da rua Segundo Wanderley com a Coronel João Gomes.
Nem sempre estudei ali, mas era o meu desejo intenso e o realizei, como
realizei quase tudo que quis de verdade. Foi um sonho confirmado. Passou no
tempo, ficou na memória e no sentimento.
De verdade. O sonho era
de verdade. Suspirava com isso. Suspirava, também, quando via as meninas com a
calça azul apertada, delineando suas delicadas ancas arredondadas, elas vestindo
a camisa branquinha da farda, com volumes e formatos plenos de volúpia ingênua explodindo no peito, que continha a
logomarca (ou brasão) da escola. Elas flanavam pela minha calçada, que se
perfumava de repente. Viravam festa os meus dias. E havia olhares. Às vezes,
correspondidos. A vida ficava toda colorida, baixava um arco-íris imaginário.
Quando ingressei no
Colégio, pude sentir de perto os cheiros sedutores, via a dança dos cabelos
compridos e – brilhando ao sol, com todas as cores – umedecidos, quando chovia
e os céus não perdoavam os corpos femininos, suaves e firmes, durinhos. As
meninas chegavam à sala de aula exalando um frescor que me atordoava.
Aquele lugar, aquele
colégio, foi o lugar dos meus conflitos mais radicalmente adolescentes e das
minhas paixões iniciáticas e cheias de pudores e recatos – depois tidos como
desnecessários e inúteis – essenciais, porém, para uma época de sonho e de pureza
e magia desassombrada e livre.
A minha amiga e colega
Cássia, numa dessas conversas de WhatsApp, fez-me recordar há alguns dias:
“Lívio, lembrando da nossa inocência: festas de São João, com a escolha da
rainha do milho, gincanas. Os jogos internos, os JERN’s. Também a Feira de
ciências, os corredores, conversas, lanches, as músicas que embalavam a todos
(o rock brasileiro que nos movia – ouvíamos Blitz, Paralamas do Sucesso, Kid
Abelha, Cazuza, Legião Urbana etc. Havia quem gostasse até do Menudo (risos),
não era o meu caso. E forrós. O pessoal gostava de dançar. Cantávamos o hino
nacional às quintas-feiras, rezávamos o Pai Nosso toda manhã, participávamos da
Novena de maio. Tivemos a TV interna do Neves, estrelamos. Ensaiamos nossa
participação democrática com as concorridas campanhas do Centro Cívico. E
recebíamos as cadernetas com as notas (sempre havia alguma tensão no ar). E o SOESP
(que tanto nos assustava)? O reencontro e a recordação são essenciais. São
trinta anos.”
Foram, de fato,
momentos mágicos. Lembro de muita coisa e fico comovido que só. Fico saudoso,
nostálgico, um pouco melancólico por saber que já se passou tanto tempo. Pois
é. Já se passaram trinta anos, colegas, amigos, desde que nos despedimos do
Colégio das Neves e passamos a viver outros sonhos. Nenhum como aquele. Nenhum.