terça-feira, 27 de setembro de 2016



O menino de Aleppo
“Dizei-me vós, Senhor Deus
Se é delírio... se é verdade
Tanto horror perante os céus”
Castro Alves
Não vi teus olhos, menino.
(Estavam cobertos de cinzas)
Não vi teu sorriso, menino.
(Os escombros apagaram)
Não ouvi te choro, menino.
(A explosão engoliu)
Não vi tua vida, menino.
(Quem te roubou?)
Quem bombardeou tua cidade
Te conhecia?
Por que então mataram teus vizinhos?
Destruíram teus brinquedos?
Não deixaram tua mãe fazer tua comida?
Sujaram a tua roupa, a tua cara, as tuas mãos?
Arrancaram tua língua?
O que fizeste, menino,
Para que tanta raiva caísse sobre ti?
Desobedeceste teus pais?
Não foste a escola, não rezaste tuas orações?
Bateste em tua irmãzinha?
Por que tanto ódio traduzido em bombas
Sobre tua cabeça?
És malcriado? Respondão? Mal aluno?
Quais são os teus pecados, menino de Aleppo,
Que tanto irritam os donos do mundo?
Por que não choras, não gritas,
Não chamas por alguém?
Onde estão tuas lágrimas?
Por que não foste para Pasárgada?
Por que não foges para o Egito
Montado num jumento,
Com teu pai e tua mãe?
Ah, as bombas os levaram,
Como levou tua voz, teus sonhos,
Tua dor.
Quem vai limpar o sangue no teu rosto,
Menino de Aleppo?
Os discursos na ONU?
As orações nos templos?
Passeatas raivosas na Avenida Paulista?
Que cor tinha a bomba
Que caiu sobre tua casa?
Vermelha ou azul?
Veio da direita ou da esquerda?
Quando vi tua imagem no noticiário,
Silencioso e quieto,
Vi lágrima de sangue
Escorrendo pela tela da tv.
Estava alucinado?
Vendo coisas?
Ou nada disso aconteceu?

Racine Santos
Natal, 20 de setembro de 2016

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