sábado, 14 de fevereiro de 2015

O bigode que prendia



Fronha Bigode Grosso

Ticiano Duarte - Jornalista



Foi num carnaval dos anos 50 que conheci a figura de Hernani Hugo Gomes, na residência do poeta e boêmio João Cirineu de Vasconcelos, o saudoso “Baboá”. Deitado numa rede, Hernani vez por outra tomava uma doze de “batida”, num lento movimento de levantar o copo do chão, onde guardava também um bonito revolver de cabo madrepérola. O anfitrião fazia a apresentação a mim e ao meu companheiro, Antônio Serejo:

- Este é o meu amigo, promotor Hernani Hugo.

Eu sabia um pouco de sua história, através da nossa prima Quiquina Garcia (Joaquina) mãe de nossa tia Alice, que era amiga dos seus pais, major Lula Gomes e dona Guilhermina, residentes em Canguaretama, das preocupações do casal com filho que estava na guerra, no campo de batalha, na Itália, integrando a Força Expedicionária Brasileira (FEB), no posto de primeiro tenente do Exército; do seu heroísmo, participando da famosa batalha de Monte Castelo. Ao retorna ao Brasil tomou-se conhecimento de suas atuações de bravura, nos violentos combates travados naquele teatro de guerra.

Logo após do seu regresso da Europa, já tendo concluído o curso de direito, em Recife, através de concurso público ingressou no Ministério Publico Estadual, sendo nomeado, no governo de José Augusto Varela, para o cargo de promotor público da comarca de Canguaretama. No inicio dos anos 60 comecei a conhecer mais de perto a figura humana e inteligente de Hernani Hugo Gomes, nos longos papos do Grande Ponto, em noites que varavam madrugadas.

Meu irmão e amigo, Carlos Adel Teixeira de Souza, magistrado e escritor, publicou na revista do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte, na edição que circulou no ano de 2002, um interessante artigo sobre a figura de Hernani, rememorando os seus feitos, sua passagem pela antiga Delegacia de Ordem Política e Social, dos governos de Aluízio Alves e Walfredo Gurgel: “No inicio de maio de 1963, o governador Aluízio Alves, sabedor da amizade do seu secretário da pasta de Justiça, Ticiano Duarte, com o titular da promotoria de justiça de São José de Mipibú, e atendendo à sugestão que lhe fora feita pelo deputado Clóvis Motta, delegou-lhe a tarefa de transmitir o convite para que viesse aquele integrar sua equipe de governo. Essa missão foi cumprida em cordial conversa na “Confeitaria Cisne”, local de encontro nas mais destacadas figura do mundo social natalense, em pleno Grande Ponto... O ato de sua nomeação é datado de 29 de Maio de 1963.” O cargo era para Delegado de Ordem Social e Investigações.

Daí em diante começa a historia da passagem de Hernani à frente daquele importante órgão da segurança pública, que representa hoje uma espécie de Delegacia Geral, coordenando todas as outras especializadas e com atribuições no setor de “inteligência”, de informações na área política – social.

Hernani inovou em sua longa gestão, em dois governos, o trabalho policial, de forma transparente e democrática, sem permitir abusos de violência e arbitrariedades por parte dos seus subordinados. Ele usava um bigode grosso que chamava atenção, ganhando o apelido – “o bigode que prende”. Vale apena transcrever um episódio contado por Carlos Adel: “O cantor internacional Bienvenido Granda era hospede do Grande Hotel, numa de suas passagens por Natal. Em uma bela manhã encontrava-se no saguão festejado por um séquito de admiradores, quando entra no prédio aquela figura singular, todo de branco, carismático, com um enorme bigode, bem tratado. Ao penetrar no hotel o homem de branco vai sendo cumprimentado por todos, logo chamando atenção do cantor que era a grande estrela presente na cidade.

Então falou Bienvenido dirigindo-se ao homem de branco: Yo soy Bienvenido Granda, el bigode que canta. E usted?

O visitante respondeu na hora, para deleite dos presentes: Yo soy Hernani Hugo, el bigode que prende...

A cidade, sem memória, tem esquecido a figura saudosa de Hernani Hugo Gomes.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SAUDOSO AMIGO PAULO MAUX


Passageiro da alegria. É desse modo que amigos e familiares
definem o carnavalesco Paulo da Silva Maux (1934 – 1984), o
eterno Rei Momo de Natal. Nascido no Recife, Sua Majestade
Paulo Maux, desde muito cedo, esquentou os pés nos álacres salões da
Veneza brasileira, antes de se mudar com a família para Natal em 1945,
então, com 11 anos de idade.
Uma vez na cidade dos Reis Magos, estudou no colégio Marista, mas
não fugiu ao destino, convidado que foi pelo ex-prefeito Djalma
Maranhão, em 1960, para assumir a vaga de Rei Momo. Foi recordista
de mandatos, tendo recebido a chave da cidade por 18 anos consecutivos,
de 1960 a 1978, para felicidade geral de Natal e do sempre concorrente
Severino Galvão, que via no reinado oficial de Paulo Maux
oportunidade de instalar o seu necessário gabinete paralelo. A rivalidade
entre os monarcas durou décadas a fio.
A viúva Elba Maux conta que o ex-Rei Momo prestigiava todos os
bailes e clubes da cidade, do mais sofisticado ao mais humilde, inclusive
os famosos cabarés de Maria Boa e da Francesinha. À chegada de Paulo
Maux, o corneteiro Marimbondo, da Polícia Militar, anunciava a presença
do soberano tocando o seu instrumento de sopro. Paulo Maux
também marcava presença no ensaio geral das escolas de samba e tribos
de índios, além de receber todos os blocos de elite em casa em assaltos
memoráveis. “Eu o acompanhava para todo canto”, declara Elba Maux,
com uma pontinha de orgulho.
Dona Elba revela ainda que, no carnaval de certo clube da cidade,
uma foliã mais assanhada sentou no colo do Rei Momo, no que foi
rechaçada prontamente com a ameaça de uma garrafada. Fatos
pitorescos envolvendo Paulo Maux foram muitos. Muitíssimos. Outro
ocorreu no América FC, onde o Rei Momo, ao apartar peleja envolvendo
dois filhos de influente político do Estado, foi jogado pela janela
do clube alvirubro, quebrando o braço. Na época, a sede do América
FC funcionava na rua Maxaranguape, Tirol.
Em um dos carnavais no clube Cobana, Paulo Maux foi atirado na
piscina sem saber nadar. De outra feita, o palanque oficial armado na
esquina da avenida Deodoro com a rua João Pessoa cedeu. A preocupação
com a integridade física do Rei Momo – que chegou a pesar 184
quilos - foi geral, mas, graças aos deuses romanos da folia, o monarca
já houvera descido com o prefeito Djalma Maranhão. Isto sem falar
nos trotes que o rival Severino Galvão promovia, telefonando para o pai
de Paulo Maux e (mal) informando que o Rei Momo caíra do trio elétrico,
deixando toda a família aflita.
Na vida real, foi comerciário da Suerdieck, funcionário do Banco do
Povo, agente da rodoviária Dom Vital e servidor da Cida. Carismático
e popular, soberano das multidões, Paulo Maux marcou o seu longo
reinado aspergindo alegria por todos os quadrantes e contagiando a
população com sua simpatia.
A paixão pelo carnaval ficou patente no poético texto que deixou às
gerações passadas, presentes e futuras: “Eu sou o carnaval da província.
Carnaval feito numa esquina de mar, na terra dos Reis Magos. Aqui,
como em outros lugares, também nasci da tristeza do povo, do seu
cansaço pelas coisas reguladas do dia-a-dia, dos seus sofrimentos, dos
seus sonhos; mas quando me entregam a cidade, menino, ofereço a cada
um semovente uma máscara colorida de alegria. A coisa muda de
imagem e há uma explosão de sentimentos presos, doidos por feliciPaulo
Maux com a Rainha do Carnaval dos anos 60 dade”. Paulo Maux 
nasceu para brilhar e ser feliz. (PJD).
________________
A República - Suplemento - Fev. 2005