sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CARNAVAL E FÉ

Roberto Guedes da Fonseca

Vi muitos cristãos dignos portadores de muita fé em Jesus se esbaldando numa bela festa pagã ao ir verificar a abertura do Carnaval de Natal, Rio Grande do Norte, na noite desta quinta-feira, 12, ontem, em frente ao legendário Colégio Estadual do Atheneu. Sintonizados com a proposta a partir do nome do evento, “Baile de Máscaras”, encontrei muitos católicos e espíritas e alguns amigos evangélicos paramentados como recomendava o figurino, circulando, conversando e brincando, muitos dançando euforicamente ao som de uma ótima orquestra recifense de frevo. 
Ao vê-los, achei maravilhoso o fato de ninguém se constranger como quem é apanhado em erro, crime ou pecado. Pelo contrário! Os cumprimentos foram efusivos, os sorrisos mostravam mais do que lhaneza, revelavam largueza de espírito e a paz de quem, sem abdicar de sua fé, sentia-se bem numa festa pagã que tem tudo a ver com alma do povo brasileiro. 
Talvez algum purista ou fariseu de ocasião eleve sua voz em detrimento desses foliões especiais, decerto condenando-os pela efusiva participação em festa pagã que procura devolver ao destino turístico de minha terra o Carnaval que já lhe foi marcante e se perdeu há uns 25, trinta anos, por motivos que fogem à preocupação que motiva estas linhas. Eu, porém, longe de criticá-los, incentivo-os a se divertir nestes três, quatro ou cinco dias dedicados ao Rei Momo, convicto de que tal participação jamais lhes arrancará um grama de fé ou os afastará da prática da Caridade ensinada pelo Cordeiro do Senhor. 
Leigo, provavelmente me faltaria, porém, a capacidade de argumentar em defesa da integração de católicos praticantes, Testemunhas de Jeová e trabalhadores Espíritas - entre os quais alguns ótimos médiuns que encontrei ontem pulando carnaval nas proximidades da Confeitaria Atheneu – na festa pagã cujo nome original denuncia o peso da carne em sua concepção. 
Recorro, para isto, a um depoimento maravilhoso de um dos mais credenciados agentes de Cristo que o Brasil já conheceu, o grande Dom Helder Câmara, para quem o Carnaval é a alegria popular numa terra de poucas motivações para se festejar. 
Disse o legendário sacerdote que de cearense virou destacado cidadão do mundo:
“Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante do farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima, é verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida”.
Algumas vezes indicado para ser um pioneiro latino-americano a receber o Prêmio Nobel da Paz, Dom Helder tinha autoridade espiritual, intelectual e moral para analisar tão conciliatoriamente a postura Cristã e a festa pagã que tem sido um grande bem intangível, imaterial patrimônio democrático do povo brasileiro. Seu admirador desde a mais tenra idade, assinaria, se necessário, embaixo desta apreciação do sacerdote. Mas não é o caso. Basta-me pedir que todos os que possuem fé e não brinca a conciliem com a visão de outros portadores de fé que neste período se irmanam de forma muito própria a terceiros numa comemoração que mexe com a vida de todo o país. 
Peço a todos e a cada um amigo e irmão internauta de fé que pensem na necessidade desta ação conciliatória não apenas nesta sexta-feira, 13, a Gorda de 2015, mas durante todo o Carnaval e mesmo depois dele, em vez de procurar ser juiz e carrasco deste ou daquele folião. 
E que Deus proporcione a todos, aos que brincarão e aos que não brincarão no carnaval deste ano, o melhor de que se possa desfrutar no período, inclusive a conscientização lembrada por Dom Helder quanto a depois da terça-feira 17: na quarta-feira de cinzas, com a luta pela sobrevivência, teremos novas oportunidades para exercitarmos na prática do amor, do perdão, da fé, da benevolência e principalmente da fé, o imenso potencial de nossa espiritualidade. 
Que Nosso Pai nos dê uma ótima sexta-feira, um ótimo fim de semana e um extraordinariamente bom carnaval. 
Assim seja. 
Roberto Guedes da Fonseca, em Parnamirim, RN, madrugada de 13 de fevereiro de 2015.

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