O FINANCIAMENTO DA
SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL – Não é só uma
questão financeira
Geniberto Paiva Campos -
Observatório da Saúde/DF
A execução das Políticas Públicas
pelo Estado brasileiro enfrenta uma série de gargalos. Cuja lógica é a criação
de um
formalismo burocrático, de tal forma exacerbado, que acaba tornando
difícil, às vezes impossível, as ações
mais singelas dos órgãos estatais.
Há um exagero de leis, de normas e de decretos, criados com o
objetivo declarado de moralizar a coisa pública, colocar ordem nos gastos e nas
despesas públicas, impedir ações fraudulentas. Medidas louváveis, mas que na prática, engessam os organismos
executores nos três níveis de Governo,
dificultando e até mesmo impedindo os
gestores de atuarem na sua esfera mínima
de competência.
Parece haver uma insanável
desconfiança com as ações do Estado. Sobretudo por parte dos que advogam o
“estado mínimo” e que atribuem ao setor
privado a capacidade de fazer mais e melhor. Mesmo em setores antes assumidos como prioritários e sujeitos ás iniciativas estatais, por exemplo a Saúde . Conforme
determina a Constituição brasileira.
A Saúde somente se tornou
preocupação de Governos a partir da segunda década do século passado. Até esse
período, pobres, analfabetos e doentes não eram preocupação do Estado. Cabia à
Igreja Católica cuidar desses problemas. Com o advento das leis trabalhistas e
de previdência social, consequência do processo de modernização do país a partir da era Vargas, os temas sociais
passaram a constar da pauta de atuação
do Governo. Com o processo de industrialização, mesmo incipiente, e dando os
seus primeiros passos, a ascensão da classe trabalhadora trouxe para o debate
político a pauta de reivindicações do chamado proletariado. E a Saúde,
entendida basicamente como direito à
assistência médica, tornou-se prioridade nas ações governamentais.
Surgiram os Institutos de
Previdência, os quais incluíram a
Saúde/Assistência Médica em sua pauta de atuação. Daí, foram criados os “IAPs”,
organizados de acordo com a categoria dos trabalhadores: comerciários,
marítimos, industriários, dos servidores públicos(IPASE), que passaram a gozar
do direito a atendimento médico ambulatorial e hospitalar, extensivo às suas
famílias. Configurava-se na população
brasileira, dessa forma, dois tipos de público alvo: o previdenciário e os
desprovidos de cobertura, à época chamados de indigentes.
Até meados da década de 1980, a
evolução dos conhecimentos científicos e
a incorporação tecnológica na área da saúde, cresciam a uma determinada velocidade. A curva de
evolução da prática médica, a partir daí, iria ganhar uma rápida inflexão, com
a disponibilidade de novos recursos diagnósticos e terapêuticos. Se, por um
lado, trouxe benefícios para os pacientes e para a população em geral, por
outro, adicionou custos crescentes, por vezes incontroláveis, ao setor saúde.
Precisamente nessa época, cheia de desafios para a gerência administrativa e
financeira da assistência à saúde, nasce o SUS. Outro fator, que coincidiu com o nascimento do SUS, foi a ascensão ao poder, através de eleições diretas, de
governos com perfil neoliberal, defendendo o “estado
mínimo”. Estavam postas, dessa forma, as condições – difíceis – para a
caminhada do recém criado Sistema Único de Saúde.
A intensa incorporação de novas
tecnologias ao ato médico promoveu a concentração das atividades assistenciais
no âmbito hospitalar, enfraquecendo o
movimento pela prioridade da Atenção Primária. A abordagem à saúde tornou-se
“hospitalocêntrica”. E , o pior para o sistema de saúde que dava os seus
primeiros passos, a assistência médica tornou-se um negócio atraente para o
capitalismo financeiro.
O ciclo de dificuldades no
ambiente externo do SUS foi definido com o assédio conservador ao Congresso
Nacional, a “fábrica das leis”. Era preciso criar dificuldades legais ao pleno
desenvolvimento das políticas
públicas previstas na nova
Constituição, entre as quais a Saúde, reconhecida como direito de todos e dever
do Estado. Estava, portanto, declarada a luta política, sem tréguas, entre o
neoliberalismo e as forças progressistas, que viam no Estado o elemento de equilíbrio entre os interesses
da Sociedade e do Capital.
O primeiro passo dessa luta
ideológica foi a inserção, ainda na fase da Assembleia Constituinte, de uma
emenda, aparentemente inocente, que tirou o caráter “único” do sistema público
de saúde. A emenda previa que o setor privado, atuaria no sistema, “em caráter
suplementar”... Estavam abertas , pela via legal, as portas para a
implementação, na prática, de um sistema “híbrido” de saúde: Público e Privado.
No qual, lenta e gradualmente, o setor suplementar vai assumindo caráter
hegemônico.
O passo seguinte foi a criação,
por vias legais, de freios normativos eficientes para dificultar as ações do
Estado no âmbito das políticas públicas:
O Financiamento da Saúde foi
sempre um entrave para os gestores da área. Além da previsão orçamentária, no
entanto, a captação, a disponibilidade e o gasto efetivo dos recursos são
etapas que complicam a gestão pública da saúde. Mais ainda, os órgãos de
controle externo dos gastos governamentais, de caráter assumidamente repressivo
e menos preventivo/educativo, complicam o dia-a-dia dos gestores públicos,
desde que o sistema de controle raramente utiliza a fé pública como prática , tornado esses gestores
suspeitos, até prova em contrário.
As amarras legais e burocráticas
disponíveis pelo sistema de fiscalização e controle são várias. Desde a Lei de
Licitações que , geralmente, torna lenta e mais onerosa a a contratação e a
execução de obras públicas; o provimento de mão-de-obra através de concurso
público; até a mais recente Lei de
Responsabilidade Fiscal, a temida LRF. O país vive, então, sob o signo de
contradições: cria as Leis e as Normas gerais e negocia a forma de escapar,
setorialmente, desses editos draconianos. Cobra-se, por um lado, a eficiência
do Estado. E do outro, criam-se os mecanismos que impedem, na prática, a sua
atuação. Torna-se urgente, portanto, a revisão e a modernização desse aparato legal, que com o nobre intuito de
coibir abusos e desvios de recursos públicos, produz, às vezes como única
consequência, o engessamento do Estado brasileiro.
Estes são os fatores externos que dificultam a consolidação do SUS como política
social prioritária. Em artigo subsequente, abordaremos o ambiente interno do Sistema.