sábado, 2 de novembro de 2013



 O FINANCIAMENTO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL –  Não é só uma questão financeira

Geniberto Paiva Campos -   Observatório da Saúde/DF

A execução das Políticas Públicas pelo Estado brasileiro enfrenta uma série de gargalos. Cuja lógica é a criação de  um  formalismo burocrático, de tal forma exacerbado, que acaba tornando difícil, às vezes impossível,  as ações mais singelas dos órgãos estatais.
Há um exagero de leis,  de normas e de decretos, criados com o objetivo declarado de moralizar a coisa pública, colocar ordem nos gastos e nas despesas públicas, impedir ações fraudulentas. Medidas louváveis, mas  que na prática, engessam os organismos executores nos três  níveis de Governo, dificultando e até mesmo  impedindo os gestores de atuarem na sua esfera mínima  de competência.
Parece haver uma insanável desconfiança com as ações do Estado. Sobretudo por parte dos que advogam o “estado mínimo” e que atribuem  ao setor privado a capacidade de fazer mais e melhor. Mesmo em setores antes assumidos  como prioritários e sujeitos ás iniciativas   estatais, por exemplo a Saúde . Conforme determina a Constituição brasileira.

A Saúde somente se tornou preocupação de Governos a partir da segunda década do século passado. Até esse período, pobres, analfabetos e doentes não eram preocupação do Estado. Cabia à Igreja Católica cuidar desses problemas. Com o advento das leis trabalhistas e de previdência social, consequência do processo de modernização do país  a partir da era Vargas, os temas sociais passaram a constar  da pauta de atuação do Governo. Com o processo de industrialização, mesmo incipiente, e dando os seus primeiros passos, a ascensão da classe trabalhadora trouxe para o debate político a pauta de reivindicações do chamado proletariado. E a Saúde, entendida basicamente  como direito à assistência médica, tornou-se prioridade nas ações governamentais.
Surgiram os Institutos de Previdência, os quais  incluíram a Saúde/Assistência Médica em sua pauta de atuação. Daí, foram criados os “IAPs”, organizados de acordo com a categoria dos trabalhadores: comerciários, marítimos, industriários, dos servidores públicos(IPASE), que passaram a gozar do direito a atendimento médico ambulatorial e hospitalar, extensivo às suas famílias.  Configurava-se na população brasileira, dessa forma, dois tipos de público alvo: o previdenciário e os desprovidos de cobertura, à época chamados de indigentes.

Até meados da década de 1980, a evolução dos conhecimentos  científicos e a incorporação tecnológica na área da saúde, cresciam  a uma determinada velocidade. A curva de evolução da prática médica, a partir daí, iria ganhar uma rápida inflexão, com a disponibilidade de novos recursos diagnósticos e terapêuticos. Se, por um lado, trouxe benefícios para os pacientes e para a população em geral, por outro, adicionou custos crescentes, por vezes incontroláveis, ao setor saúde. Precisamente nessa época, cheia de desafios para a gerência administrativa e financeira da assistência à saúde, nasce o SUS. Outro fator, que coincidiu com  o nascimento do SUS,  foi a ascensão  ao poder, através de eleições diretas, de governos com perfil neoliberal, defendendo o                “estado mínimo”. Estavam postas, dessa forma, as condições – difíceis – para a caminhada do recém criado Sistema Único de Saúde.
A intensa incorporação de novas tecnologias ao ato médico promoveu a concentração das atividades assistenciais no âmbito hospitalar,  enfraquecendo o movimento pela prioridade da Atenção Primária. A abordagem à saúde tornou-se “hospitalocêntrica”. E , o pior para o sistema de saúde que dava os seus primeiros passos, a assistência médica tornou-se um negócio atraente para o capitalismo financeiro.
O ciclo de dificuldades no ambiente externo do SUS foi definido com o assédio conservador ao Congresso Nacional, a “fábrica das leis”. Era preciso criar dificuldades legais ao pleno desenvolvimento das políticas  públicas  previstas na nova Constituição, entre as quais a Saúde, reconhecida como direito de todos e dever do Estado. Estava, portanto, declarada a luta política, sem tréguas, entre o neoliberalismo e as forças progressistas, que viam no Estado  o elemento de equilíbrio entre os interesses da Sociedade e do Capital.
O primeiro passo dessa luta ideológica foi a inserção, ainda na fase da Assembleia Constituinte, de uma emenda, aparentemente inocente, que tirou o caráter “único” do sistema público de saúde. A emenda previa que o setor privado, atuaria no sistema, “em caráter suplementar”... Estavam abertas , pela via legal, as portas para a implementação, na prática, de um sistema “híbrido” de saúde: Público e Privado. No qual, lenta e gradualmente, o setor suplementar vai assumindo caráter hegemônico.
O passo seguinte foi a criação, por vias legais, de freios normativos eficientes para dificultar as ações do Estado no âmbito das políticas públicas:
O Financiamento da Saúde foi sempre um entrave para os gestores da área. Além da previsão orçamentária, no entanto, a captação, a disponibilidade e o gasto efetivo dos recursos são etapas que complicam a gestão pública da saúde. Mais ainda, os órgãos de controle externo dos gastos governamentais, de caráter assumidamente repressivo e menos preventivo/educativo, complicam o dia-a-dia dos gestores públicos, desde que o sistema de controle raramente utiliza a fé pública  como prática , tornado esses gestores suspeitos, até prova em contrário.
As amarras legais e burocráticas disponíveis pelo sistema de fiscalização e controle são várias. Desde a Lei de Licitações que , geralmente, torna lenta e mais onerosa a a contratação e a execução de obras públicas; o provimento de mão-de-obra através de concurso público; até a mais recente  Lei de Responsabilidade Fiscal, a temida LRF. O país vive, então, sob o signo de contradições: cria as Leis e as Normas gerais e negocia a forma de escapar, setorialmente, desses editos draconianos. Cobra-se, por um lado, a eficiência do Estado. E do outro, criam-se os mecanismos que impedem, na prática, a sua atuação. Torna-se urgente, portanto, a revisão e a modernização desse  aparato legal, que com o nobre intuito de coibir abusos e desvios de recursos públicos, produz, às vezes como única consequência, o engessamento do Estado brasileiro.
Estes são os fatores externos que dificultam a consolidação do SUS como política social prioritária. Em artigo subsequente, abordaremos o ambiente interno do Sistema.

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