sexta-feira, 26 de agosto de 2022

     

 FAZENDA ARVOREDO

Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com

 

Legado do patriarca Alfredo Adolfo de Mesquita, nascido no século XIX e falecido em 1929, a fazenda Arvoredo foi herdada do seu espólio pelo filho primogênito José Mesquita, irmão do meu pai. Ao longo desse tempo a propriedade foi palco, além de sua atividade produtiva, de centenas de reuniões políticas e recepções sociais, sublinhando principalmente a época de Leonel Mesquita que adquiriu, preferencialmente, no inventário do seu pai José, o quinhão das partes pertencentes a sua mãe D. Floripes e dos seus irmãos, Ivone, Gilda, José Mesquita Filho e Neusa. O segundo período foi o da administração de Nidia Mesquita, minha irmã, casada com Leonel, falecido em 1979.

Evidentemente, o objetivo desse registro não se restringe a promover reportagem social ou política, nem registro, apenas, memorialístico. Mas, Arvoredo é uma das mais antigas propriedades agropecuaristas nas mãos de uma única família, de geração a geração e que antes no século XIX, pertencera ao coronel Estevam Moura. É considerada pelos experts, como uma das mais ricas do Rio Grande do Norte, em termos de terra fértil e diversidade produtiva. Antes da queda da atividade econômica das propriedades rurais, motivada pela prática de juros altos dos bancos oficiais e a ausência de uma política consistente dos governos, Arvoredo produzia: cana-de-açúcar, banana, leite, telha, melaço, pedra e tijolo, com um plantel dos melhores de gado nelore e mestiço. Frise-se, também, que o malogro da política de incentivos fiscais para fomento da atividade agropecuária no país, pode ser citado como uma das causas da derrocada desses projetos.

Mesmo com a diminuição das atividades produtivas, a fazenda Arvoredo resistiu e subsistiu, graças ao esforço ingente e espartano de Nidia. Certa vez, Paulo Mesquita, nosso tio pelo lado paterno, agrônomo, professor da UFRN, fez um vaticínio, ao seu modo característico de ser, ao realçar a fertilidade do solo da fazenda e pontuar os exageros dos gastos políticos do seu sobrinho Leonel com São Gonçalo do Amarante e Macaíba afirmando: “Leonel passa todo o dia gastando e destruindo a fazenda e ela milagrosamente se refaz e enseja a ele recomeçar tudo de novo”. Todavia, Arvoredo, nesta contemporaneidade teve fases de importância política e social, dignas de registro porque elas se incorporaram, queiram ou não, ao patrimônio sentimental, tradicional e cultural como ponto de referência de decisões políticas e administrativas.

Governadores, senadores, deputados, empresários, profissionais liberais, jornalistas e ministros de estado estiveram em Arvoredo. Até onde a memória alcança e pelas vezes que testemunhei, dentre inúmeras presenças colunáveis – como poderia dizer o nosso saudoso Paulo Macedo – relembro destacar Dinarte Mariz, Geraldo Melo, Aluízio Alves, Djalma Marinho, Agnelo Alves, Garibaldi Filho, Lavoisier Maia, Henrique Alves, Antonio Florêncio, José Agripino, Ministro da Justiça Ibrahim Aby Ackel e o mega empresário Roberto Marinho dono do Sistema Globo de Rádio e Televisão, vindos da inauguração da restauração da capelinha centenária de Utinga, bem próximo da fazenda. À época, os dois estavam rompidos nacionalmente mas, sob as bênçãos do irrequieto governador Lavô, se aproximaram pela força do protocolo. E em Arvoredo, saborearam frutas da estação em clima de civilidade. A ablução na água benta do Old Parr ajudou também a descontração dos contrários sob o comando de sua anfitriã Nídia Mesquita. Ela foi a depositária fiel do brasão de Arvoredo, sem armas nem barões assinalados. Apenas, altiva capitã dos mistérios circundantes.

 

(*) Escritor

 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

 

Os Queijos do SIRIDÓ 🌵
@Arysson Soares
Nasci e fui criado ouvindo a cantiga da perua sertaneja sendo, QUEIJO ESSE, QUEIJO AQUELE, O MELHOR, O PIOR...
Pois bem, no Siridó antigo só os queijos de manteiga representava uma atividade lucrativa, embora produzidos de forma artesanal.
Muitas foram as fabricações e muitos mais foram os locais cuja produção semanal de queijo esbarrava de uma arroba de queijos e assim por diante. Mamãe dizia ter alcançado nos aureos tempos dos troncos velhos do sertão um espécie de fabricação mais dura, mais conservadora no fabrico ou na fabricação,onde não se admitia qualquer tipo de inovação nos métodos de produção, o queijo era tão puro que se ferrava com ferro bom e ali carregava a inicial do dono como registro do lugar e do fazendeiro ou feitor mestre bom.
Por essa razão os queijos ali produzidos, eram do tipo “gordo”.
O processo de fabricação era o mais rotineiro possível. A coalhada, escorrida em saco de pano (algodãozinho), era levada ao fogo numa trempe, em tachos de cobre para cozinhar no leite cru. Quando atingia aquele ponto de massa de pão trabalhada, tirava-se do fogo com ajuda de uma cuia, despejava-se em urupembas, colocadas na boca de alguidares, para escorrer. Espremia-se com as mãos até tirar todo o soro.
Picava-se em pequenos pedaços e salgava-se. Em seguida era levada ao fogo brando, no mesmo tacho de cobre, para cozinhar na manteiga líquida, de garrafa. Quando se transformava numa massa uniforme, pastosa, sem nenhum caroço e fervente, colocava-se nas formas de madeira (cinchos).
No dia seguinte, o queijo era tirado do cincho e engomado com ferro quente (daqueles antigos de passar roupa) para criar casca. O soro decorrente da fabricação do queijo, era levado ao fogo para apurar. A espuma que ia subindo, era recolhida e posteriormente, voltava ao fogo para ser apurada e transformada em manteiga do sertão. Era uma operação demorada, que ocupava uma pessoa o dia inteiro,na beira do fogo.
Quanto aos queijos de coalho, só eram feitos para o consumo da casa. Era a maneira de se aproveitar as sobras de leite. O processo era também primitivo.
Usava-se um soro preparado com o rúmen de carneiro ou de gado (tanto fazia), para fazer coalhar o leite. Duas horas depois, estava pronto para ser trabalhado e transformados em queijos.
Era espremido à mão e em pequenos cinchos de madeira. A salga era feita depois do queijo pronto e submetido a uma fervura rápida, ou melhor, um banho em água fervendo ( a água poderia ser substituída pelo soro com sal decorrente do próprio queijo que se chamava de salmora.)
Tudo terminado, os queijos eram colocados em tábuas para repousar e tomar o sal, de preferência em lugar arejado. No dia seguinte, estavam prontos para o consumo. Esses queijos nunca eram vendidos, consumia-se na mesa da Fazenda, ou faziam parte do farnel dos vaqueiros, nos seus alforges, quando saiam para um dia de campo, nos fundos da propriedade.
A diferença entre o queijo gordo e o magro estava na preparação, no primeiro caso, a coalhada era cozida em leite natural, no segundo era no leite desnatado. Quanto ao queijo de coalho havia também a diferença. O leite que era separado para coalhar, poderia ser natural ou desnatado, tinha o mesmo processo do queijo de manteiga.
Quanto aos mestres-queijeiro, na Ribeira do Seridó, Sabugy, Espinharas ou Piranhas mamãe dizia: Meu fi ninguém sabia quem era o melhor, porque todos eram bons e grandes em tudo que se fazia, ali existia amor, pureza e bom gosto no fabricar dos queijo no nosso sertão
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domingo, 21 de agosto de 2022

 

NÃO DEIXE O VELHO ENTRAR –

Certa vez, o ator e diretor Clint Eastwood, na véspera de completar 88 anos de idade, enquanto se preparava para uma disputa de golfe com Toby Keith, cantor e compositor de músicas country, foi questionado pelo amigo acerca do que planejava fazer naquela idade, e ouviu como resposta: “Começarei a gravar um filme na próxima semana!”. Impressionado, Toby quis saber a razão para tanta motivação naquela idade. Clint respondeu que todas as manhãs, ao se levantar da cama, ele não “deixava o velho entrar”.

Clint Eastwood, estadunidense da Califórnia, nascido em 31 de maio de 1930 (92 anos), protagonizou uma longa carreira cinematográfica atuando e dirigindo sem dar espaço para a aposentadoria. Ano passado, em 2021,lançou mais uma película, Cry Macho, com ele no papel principal. Tudo isso porque teima em “não deixar o velho entrar”.

Subentende-se “não deixar o velho entrar” como uma forma de não sucumbir aos efeitos da decrepitude mantendo o corpo ativo e a mente alerta; louvando cada amanhecer como uma premiação especial pela jornada vencida em cada dia e brindando o pôr do sol com um sorriso no rosto; lutando contra o desânimo, o comodismo, a preguiça e contra as adversidades decorrentes do peso dos anos vividos.

“Não deixar o velho entrar” é não se preocupar tanto com a vida dos filhos, pois você lhes doou as ferramentas para o enfrentamento da sobrevivência diária; é dar valor àquelas amizades de datas pretéritas; é conhecer melhor seus limites físicos e mentais; é ser menos egoísta e mais compassivo; é compreender, aceitar e amar cada membro de sua família com todas as diferenças e limitações. A minha maior referência para “não deixar o velho entrar” eu a tenho no meu irmão Severino Marques, 73 anos, há seis convivendo com a esclerose lateral amiotrófica numa luta sem trincheiras para não ser domado pelos efeitos deletérios da doença e, mesmo assim, afirmando: “Eu sou feliz por estar entre vocês!”.

Sim, “não deixar o velho entrar” é também acreditar que não estamos aqui por acaso como pregava Epicuro na sua doutrina de vida. “Não deixar o velho entrar” é não sentir inveja, é admirar o raiar de um novo dia e praticar a mais difícil de todas as atitudes da existência do ser humano: saber perdoar.

Nem todos dentre nós comungarão da mesma filosofia de vida de Clint Eastwood, de “não deixar o velho entrar”, e replicarão afirmando: “É fácil praticar tudo isso com a barriga cheia e o cofre abarrotado de grana!” Verdade! Porém, existem muitos com o mesmo potencial financeiro do ator americano, que tornam as suas vidas miseráveis por falta de sentido no existir.

Dar sentido a existência é, no meu entendimento, a melhor maneira de “não deixar a velho entrar” até o instante que se torne inevitável tal presença, pois o que não tem remédio remediado está. Enquanto isso vou mandando aquele abraço para os meus amigos de infância, de faculdade e de trabalho.

Abraço esse extensivo aos amigos eventuais que se tornaram grandes amigos-irmãos e trilharam e ainda trilham comigo bons e tristes momentos. Aos entes queridos que integram a minha família, que suportaram os percalços e festejaram as vitórias de nossa existência. A todos, apenas um recado: “Não deixem o velho entrar!”

 

 

 

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil

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