sábado, 24 de janeiro de 2015

CG



CARTAS DE COTOVELO 11
(versão 2015)
Carlos Roberto de Miranda Gomes

            O noticiário regular já anunciara que estamos na última semana de programação do veraneio e as baladas não perderam tempo e, sem trégua, abusaram nesta sexta-feira, varando a madrugada do sábado.

            A noite mal dormida, contudo, teve a compensação num amanhecer de bela feitura, com os passarinhos madrugadores, parceiros dos primeiros reflexos do sol litorâneo, que teve preguiça de sair integral do seu leito de dormir.

            Daqui do meu recanto senti que as atividades domésticas haviam começado, pois o cheiro do café convidava para a primeira refeição do dia. Desci para confirmar e era verdade.

            Procurei o meu encontro com a internet, mas o seu comportamento foi o mesmo de toda a temporada – péssimo, desisti. Contudo, usei o computador para alguns textos e coloquei em dia as minhas publicações. Agora vou me equipar para a última caminhada do período.

            Com Thereza fui em busca da praia e, logo desconfiei que alguma coisa não estava bem, porquanto algumas nuvens carregadas ameaçavam passar sobre nós. Arriscamos, a maré tinha surpreendentemente virado rapidamente, cobria a areia e a chuva caiu. Voltamos.

            Após algum tempo o sol nos convida a retornar e o fizemos prontamente, fomos em direção às falésias e os barraqueiros armavam as suas mesas e sobrinhas e as pessoas chegavam em profusão. Tiramos algumas fotografias, inclusive uma que seria da “prainha”, cenário do romance que escrevi e iniciei a caminhada de retorno.

            Bem próximo da nossa escadaria a chuva cai forte, acabou o passeio e retornamos à nossa casa para dar continuidade ao trivial, fiscalizar o nosso último almoço, algumas leituras na rede, sempre aconchegante e assistir uma fita adquirida ontem por Carlinhos, por sinal muito dramática: “Marcas da Guerra”.

            Hora do almoço e hora do repouso, “da madorna” como dizia papai. O resto do dia será aproveitado para arrumar a bagagem, coisa que muito me desagrada, pois todos os anos, quando chega o momento do retorno sou envolvido por uma melancolia, uma sensação de adeus.

            Espero que o bate estaca das festas de Pirangi permita que eu tenha uma noite de sono tranqüilo, pois vamos voltar para Natal ainda pela manhã, enquanto o trânsito permite.

            É só, amanhã escreverei a última carta da temporada.
               
               


Não adianta quebrar 

o termômetro!

Luciano Ramos
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN

Carlos José Cavalcanti Lima
Coordenador do Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO/RN)

Não é fácil mexer com situações acomodadas, ainda que elas estejam assentadas em bases frágeis e o desmoronamento seja verdadeira crônica anunciada. Prefere-se uma calcificação torta a uma intervenção que resolva definitivamente o problema – até ser inevitável enfrentá-lo de frente. Infelizmente, esta não é uma realidade que se limita a nossa vida pessoal. Também nas contas públicas, muitos são tentados a adiar indefinidamente soluções amargas, com a fugaz esperança de o tempo dar uma saída sem maiores traumas.

De fato, durante alguns anos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte teve uma peculiar interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal, de maneira a imunizar parcela dos seus gastos com pessoal, excluindo-os dos limites impostos a todo o Poder Público – num verdadeiro ponto cego daquilo que era enxergado e contido pela LRF. 

Em 2014, chegou-se ao ponto de mais de R$ 130 milhões em remuneração de servidores estarem protegidos da incidência da lei garantidora do equilíbrio das finanças públicas (LRF), sob a justificativa de que decorreriam remotamente de decisões judiciais, gestadas lá pelos anos de 2008 e ratificadas posteriormente por Tribunais Superiores.

Com esta interpretação, as referidas despesas ficaram desvinculadas das receitas disponíveis para pagá-las, possibilitando seu crescimento desordenado, em sentido oposto ao que ocorre com as demais despesas com pessoal em todos os Poderes e órgãos públicos.

Ou seja, distanciou-se dos princípios da gestão fiscal e da certeza de que haveria dinheiro suficiente para o pagamento delas juntamente com as demais obrigações do Poder Público – ainda que, na hora de buscar os recursos, todas elas desaguem no caixa único do Tesouro Estadual, alimentado substancialmente pelos tributos cobrados de todos nós. Mas, a Lei de Responsabilidade Fiscal só traduz em números uma realidade matemática inexorável: qual é o montante máximo suportável pelas receitas públicas. Do contrário, seremos obrigados a dançar o tango argentino do calote.

A LRF não é a febre nem a doença que lhe dá causa, mas o termômetro que a mede e possibilita saber os remédios a serem tomados. Porém, isto só é possível se ela não for impedida de chegar perto do paciente e não houver receio de olhar os graus de temperatura aferidos.

Finalmente, ao longo de 2014, o cenário começou a mudar após duas representações, uma do Ministério Público de Contas no TCE, outra do Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO/RN) no Conselho Nacional de Justiça, que instaurou Procedimento de Controle Administrativo, visando a total incidência da LRF, aguardando análise do Departamento de Orçamento do CNJ. 

A partir daí, o tamanho da febre destas despesas começou a ser medido, mais precisamente depois de 18 de dezembro de 2014, quando assim o decidiu o Tribunal de Contas do Estado.

E, então, a fratura se expôs. Com ela, o dilema: quebramos o termômetro e convivemos com a dor até onde não der mais? Adotamos as medidas não tomadas antes para resolver o problema, pois parecia não existir porque simplesmente não olhávamos para ele? 

Dúvida em teoria, claro. Ao gestor público, ciente de sua responsabilidade, não se faculta nem pestanejar em situações como esta. E que venham mais termômetros!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015


CARTAS DE COTOVELO 10
(versão 2015)
Carlos Roberto de Miranda Gomes

       Os meus leitores devem ter notado a mudança da minha maneira de ser nos instantes do veraneio, sempre de braços com as coisas boas do cotidiano, refletindo nas minhas Cartas de Cotovelo, que tiveram uma linguagem um tanto amargurada. Peço desculpas.
        
       Fiz muito esforço para superar as adversidades neste novo ano e somente no quase seu findar deste janeiro consegui vencer um pessimismo agudo que tolhia a minha alegria de viver, embora com a carga de problemas de saúde que me acompanha já a uns 10 anos.

       Usando a experiência que a vida me ofereceu nestes quase 76 anos, também me foi dada a possibilidade de melhor avaliar quais as causas mais evidentes capazes de retirar as imunidades existenciais, neste universo pouco solidário e pude constatar, que maior que as dificuldades materiais ou as dores de eventuais perdas de parentes e amigos, aflora como procedimento mais prejudicial à espécie humana a prática da injustiça.

       Venho de família que sempre cultuou a solidariedade e a compreensão e, a eventualidade de uma injustiça nos atinge de tal forma, que custa caro segurar o desejo de vingança, por conflitar com a essência dos ensinamentos cristãos.

       Considero que venci, graças a Deus, esse sentimento menor de revide, que de nenhuma maneira engrandece a criatura humana e agora o meu sentir é de apenas um lamento, tal a certeza de que os despóticos terão no correr da vida o retorno daquilo que plantaram sem a grandeza do respeito à dignidade alheia.

       A música, que é resultado da sabedoria popular, de vez em quando retrata tais situações com alertas: “Eu assisti de camarote o teu fracasso” (Chico Alves “Viola”), ou “Quem vive sempre em grande altura leva sempre a maior queda.” (Noel Rosas).

       Por tudo isso, tenho a certeza de que as coisas vão mudar, o amanhã será mais promissor, tanto que já tenho novos projetos e readquiri a capacidade de trabalho represada, exceto nas deficiências físicas que a idade impõe e das quais sou consciente.

       Do tempo que me resta, dado por acréscimo à idade bíblica, terei forças suficientes para sentir a presença do Criador em minhas ações, sem ódio e sem medo e sempre no olhar para o que posso fazer de bom pelo meu semelhante.


       A cada um, segundo o seu merecimento!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Veículo: CORREIO BRAZILIENSE - DF
Editoria: OPINIÃO
Tipo: Artigo
Data: 16/01/2015
Página: A11
Assunto: UNB

Redação nota zero (Artigo)

ISAAC ROITMANProfessor emérito da UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA e membro titular da Academia Brasileira de Ciências

No resultado do Exame do Ensino Médio (Enem) de 2014, dos 6.193.565 candidatos, 529.374 (8,5%) obtiveram nota zero na prova de redação. A média das notas em redação teve queda de 9,7% em relação ao Enem de 2013 entre os alunos que estão concluindo o ensino médio. Em matemática, a queda foi de 7,3% em relação ao exame anterior.

 A avaliação da redação é feita pela análise de cinco competências. A primeira envolve a comprovação do domínio da modalidade escrita. A nota zero implica total ignorância de como se constrói um texto. A segunda avalia a proposta de redação aplicando conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema. Tirar zero significa fuga à temática. A terceira julga a capacidade de selecionar fatos e argumentos que se relacionam com o tema. Tirar zero significa empobrecimento do texto.

A quarta está ligada ao conhecimento linguístico necessário para a construção da argumentação. Tirar zero revela que não houve capacidade de organizar os conhecimentos. A quinta envolve a proposta de uma intervenção para o problema abordado. Tirar zero revela a incapacidade de elaborar proposição criativa.

A nota zero atribuída a cerca de meio milhão de jovens que frequentaram por mais de 10 anos os bancos escolares e as avaliações nacionais e internacionais recentes, proclamam o fracasso do sistema educacional e conferem legitimidade a esta reflexão: "Onde se tem de procurar a causa principal do estado de desorganização do aparelho escolar é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação".

Essa reflexão está registrada no Manifesto da Educação Nova, elaborada em 1932. Redigida por Fernando de Azevedo, foi subscrita por 26 intelectuais, como Anísio Teixeira, Cecília Meireles e Roque Pinto. Nos 83 anos seguintes fomos incapazes de mudar o panorama vergonhoso de não termos implantado no país uma educação satisfatória.

A constatação da falta de domínio da língua e de outras competências nos egressos do ensino médio pode comprometer o futuro do Brasil. Em vez de produzir jovens pensantes e criativos, estamos formando pessoas robotizadas que não serão agentes das transformações sociais e econômicas que o país demanda.

Além da competência nas letras e na matemática, o jovem do século 21 deverá estar em sintonia com o pensamento e o conhecimento científico que representam os fundamentos da era do conhecimento. O preparo para o exercício da cidadania plena mediante a promoção de valores e virtudes - solidariedade, bondade, compreensão e ética - são também pilares da educação de qualidade.

A meta prioritária é dar oportunidade a cada indivíduo de acesso à educação básica de qualidade independentemente de seu status social. O Estado brasileiro tem essa responsabilidade. O processo educacional deve ter início logo depois do nascimento, utilizando-se os conhecimentos recentes da neurociência no estímulo e desenvolvimento do processo cognitivo.

O Estado deve investir recursos e priorizar a primeira infância (até 6 anos) e estreitar a parceria entre as famílias e a educação informal, isto é, valores e virtudes assimiladas no cotidiano através da convivência social e dos instrumentos midiáticos. O exercício do pensar e da criatividade devem fazer parte do cenário dos ensinos fundamental, médio e superior.

Nada será mudado se não tivermos a capacidade de formar e valorizar os professores da educação básica do século 21. O papel do docente não pode, como era no passado, ser um simples transmissor do conhecimento. Ele deve ser agente de motivação preparado para identificar e resolver conflitos de várias naturezas.

É importante considerar a proposta de federalização do ensino básico, em discussão no Congresso. Com a sua implantação, poder-se-ia, aos poucos, ter o professor contemporâneo e competente em todo território nacional -fundamental para a conquista de qualidade de uma educação para todos. Não menos importante é expandir as iniciativas de sucesso no ensino básico nas várias regiões. A luta para a eliminação dos zeros é desafio para todos nós. Vamos à luta.

COMENTÁRIO DO MÉDICO GENIBERTO CAMPOS:

CARO ISAAC,
Devo estar muito influenciado pela metáfora do roubo da barraca de mister Watson.
Quer dizer, deixar de perceber o essencial.
Neste caso das notas  ZERO  na redação do Enem, começo a imaginar que existe mais alguma coisa  do que supõe nossa vã filosofia.
A tendência, quase automática, é buscar os culpados no "nosso sistema de ensino". E, como você coloca no final do seu texto, sugerir a federalização como  um dos remédios possíveis para os males do "nosso ensino."
Sem querer me arvorar em Sherlock da periferia, começo a pensar que as causas do problema poderiam estar em outro lugar. Além da formação educacional dos (pobres) candidatos.
É que a cultura, as formas de comunicação, a interação entre as pessoas, nos dias atuais, torna-se cada vez mais restrita em palavras, mononossilábica. Quase  um pio (twitter). E não me venha com textos e discursos longos.
Quem anda lendo livros no mundo de hoje? São parcos os leitores inveterados de antigamente.
Daí que fiquei pensando: será que antes de condenar as formas de ensino e quetais - e entendo que o  seu raciocínio está correto em sua formulação -  não valeria a pena pensar que a "Redação", como requisito ou critério eliminatório do sistema de avaliação para ingresso na Academia, não estaria obsoleto? Anacrônico? Considerando  o mundo irreversivelmente interconectado em que vivemos?
Uma das garotas com nota máxima neste quesito - de classe média alta, bien sur - consegue ler 14 (catorze) livros, simultaneamente. Cáspite!
Paro aqui, pois entendo que já estou me alongando.
Abs, geniberto

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

VALE A PENA VER DE NOVO (E APRENDER TAMBÉM)...

MENSAGEM AOS "DITADORES" DOS DIAS ATUAIS.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

JE SUIS CHARLIE



CHARLIE E O LIVRE PENSAR

Gileno Guanabara, do IHGRN

            Em 18 de setembro de 2001, escrevi acerca do atentado das torres do World Trade Center. Poderia fazê-lo de outras vezes, tantas foram as ocorrências que nesse tempo houve, tragédias que aconteceram provocadas por forças da natureza, sem previsibilidade e de consequências iguais ao ataque suicida em Nova York. Nos alfarrábios escritos, naquele ano, lamentava que Se o alvo buscado foi atingir os negócios financeiros de Wall Street e suas operadoras, um terrível equívoco: atingiu também milhares de vidas sacrificadas de forma hedionda, dadas a amplitude imprevisível do ato. Já ao final, o artigo reconhece que as torres atingidas representavam, contraditoriamente, de um lado, a síntese do expansionismo financeiro da civilização americana e, de outro, o que deixou de representar na vida comum dos americanos. No primeiro caso, não me infringe despeito algum o fato inexorável de a economia americana ter-se projetado pela aldeia global, com o seu consumismo e modos de vida. É naturalíssima a expansão histórica ocorrida entre os povos, ou entre si mesmo, desde as primeiras formas de vida em comunidade. No segundo caso, o fato de as torres gêmeas não representarem os interesses comuns dos americanos, compete ao povo americano a solução compatível com a sua superação, se esse for o caso.
            Coube ao povo americano, em épocas de sua história, encontrar solução para a Guerra de Secessão, com a vitória do Norte industrial; da crise da bolsa em 1929, com o intervencionismo kenesyanno; da crise diplomática de Pear Harbour e o envolvimento no conflito mundial da Segunda Grande Guerra, ao lado da aliança ocidental que, afinal, prevaleceu; da crise racista dos anos de 1960 e do assassinato do pastor Luther King, com leis de integração racial; do assassinato do presidente Kennedy e eleições presidenciais sucessivas; dos embargos contra Cuba e da derrota face o envolvimento na Guerra do Vietnam. Todas elas resultaram no sacrifício de vidas, sem que se renegasse que a crise política se estabelecera e a contradição interna os pusesse declaradamente em campos opostos, até o ponto de sua superação.
            Com relação ao episódio da França, à inconsequência do ato político irrefreado e o sofrimento repugnante que provocou, há semelhanças ao opróbio que em geral resulta, quando a política é praticada através da violência imprevisível contra um desafeto, desprevenido e em força desproporcional. Dentre as vítimas do terrorismo não se excluem pessoas inocentes ou passivas, quanto às questões sob fogo cerrado, submetidas involuntariamente às possíveis inconsequências. Como exemplo, logo depois do atentado do World Center, justificou-se a represália, serviu de pretexto, para a invasão truculenta do Iraque. A desgraça que se abateu sobre os iraquianos até hoje não arrefeceu, não recompôs o seu sistema político e nem se pode ter como vencedor o invasor em sua retaliação. Ninguém saiu vencedor. Sendo assim, a satisfação que se pretendeu dar à comunidade atingida pela dor provocada, não poderia corresponder ao instinto primário da Lei do Talião, sob pena de igualar-se na atitude desonrosa, inócua e terrorista.
            Numa premonição atualíssima, o artigo finaliza dizendo que o equilíbrio que se viu em manifestações públicas de solidariedade às vítimas do “11 de setembro” foi a melhor repulsa à prática desonrosa de se fazer política através da violência.
Como a reação dos EUA foi desmedida, de caráter militarista - o Iraque e seus vizinhos tornaram-se o “bode expiatório”, para o intervencionismo declarado -, na França, diferentemente, ainda perdura vivo o passado histórico burguês revolucionário, que contagiou o mundo há pelo menos duzentos anos, consagrando a liberdade e a fraternidade como pressupostos de vida e convivência civilizadas. A concepção excludente e conservadora dos partidos de direita, embora procurem locupletar-se do momento, não tem obtido êxito pelo voto da maioria dos franceses. Tão próximo ainda, podemos lembrar, durante a Segunda Grande Guerra, a resistência à invasão germanófila, revelando o sentimento dos gauleses, em oposição às forças escatológicas do império nazista e seus despautérios políticos. Esse é o povo francês.
            Na França, dia de domingo, assistimos ao vivo e em cores milhões de cidadãos pacíficos e seus governantes, no largo da Praça de La Repúblique, independentemente da postura ideológico/partidária de suas bandeiras, num pesar emblemático, protestando contra o assassinato dos cartunistas franceses, em respeito do livre pensar e da força de suas mensagens. E há milhões de manifestantes pelo mundo a fora que pensam assim. Por mais sacramentalizadas que sejam as razões religiosas invocadas, a intolerância que tenham abeberado nas fontes da intransigência, não justifica os autores praticarem tamanha barbárie. Em nada se explica a insanidade da vingança súbita e não anunciada. Ao contrário, contrapondo-se ao desvario de se atingir os autores do livre pensar, o clamor público de milhões de pessoas nas ruas renegou a brutalidade, revelando a contradição de quem não se achando totalitário, não se comove, justifica com a falácia de argumentos rotos da paixão a infâmia produzida.
            Durante as ditaduras militares, a condenação da tortura de presos indefesos, personalidades e instituições clamaram por liberdade, em respeito das vítimas da intolerância. A liberdade de opinião foi cantada e reconhecida como direito inerente ao ser humano. O perigo é o revanchismo político se igualar por baixo nos propósitos em confronto, tornando duvidosas as provocações e, por consequência, estimular a síntese intolerante. Na França, é possível que os imigrantes que lá se estabeleceram e têm suas famílias, não vejam a mesma motivação com que se embuste o ato de matar por força de divergência de pensamento. O desplante de tirar a vida de um ser humano não é a melhor forma de reverenciar a um Deus, ou de homenagear um mote ideológico improvável. Por mais incompreensível que pareça, o solo que acolhe enriquece o imigrante e a sua origem. Menos ainda como forma de angariar indulgências, ou de imaginar o fim da prática do livre pensar.  

FACULDADE DE DIREITO DE NATAL



CARTAS DE COTOVELO 09
(versão 2015)
Carlos Roberto de Miranda Gomes

            No cipoal de notícias ruins que ofertam os noticiários locais, uma pelo menos nos chega com pequeno alento: a restauração parcial do prédio histórico da tradicional Faculdade de Direito da Ribeira, como se fez recentemente com o prédio do querido ATHENEU.

Tive a oportunidade, nos últimos anos, de fazer algumas visitas ao velho estabelecimento de educação superior, constatando uma deterioração injustificável, com desabamento da sua entrada lateral direita, o roubo de toda a cobertura, retirada danosa de azulejos, louça sanitária e da escada de metal que dava acesso ao auditório e salas do pavimento superior, deixando acumular água de chuva nos estuques e criando um lodo que mudou a cor de sua pintura original, porém deixando à mostra excrementos humanos, dando um tom de integral abandono.

O assunto da recuperação e utilização daquele prédio tem sido objeto de inúmeros movimentos de professores e alunos do Curso de Direito e também de ex-alunos, que não se conformam com a situação, porquanto perfeitamente viável o abrigo de um museu com as placas históricas de todas as turmas de Direito que passaram pela UFRN, recuperação do auditório para realização de eventos especiais e contínuos na atividade de pós-graduação e extensão universitária.

A notícia jornalística anuncia uma restauração parcial, já evidenciada por quem por ali transita, com a recuperação do seu muro, prestes a desabar e outros cômodos em igual estado.

Em se tratando de um prédio tombado pelo Patrimônio Histórico, cabe uma parcela de responsabilidade ao IPHAN, que já teria alocado recursos do PAC para tal fim, ficando a manutenção a cargo da Universidade.

Aproveito o ensejo para sugerir a utilização do espaço para acondicionar o acervo resgatado pela Comissão da Verdade da UFRN, que o disponibilizará para a consulta pública. Afora isso, seria também o local adequando para se concretizar as sugestões apresentadas à Universidade para a construção de um Memorial às vítimas da repressão de 1964, identificadas no Relatório já ultimado, com a possibilidade de restauração dos locais onde funcionou a cantina e a barbearia, oferecendo refeições ligeiras e o tradicional cafezinho que proporcionou tantos encontros, podendo ser usado para encontros literários, lançamento de livros.

A história não deve ficar estagnada, mas fazer ressurgir o passado vivo, aquele que restou no tempo.