quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Veículo: CORREIO BRAZILIENSE - DF
Editoria: OPINIÃO
Tipo: Artigo
Data: 16/01/2015
Página: A11
Assunto: UNB

Redação nota zero (Artigo)

ISAAC ROITMANProfessor emérito da UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA e membro titular da Academia Brasileira de Ciências

No resultado do Exame do Ensino Médio (Enem) de 2014, dos 6.193.565 candidatos, 529.374 (8,5%) obtiveram nota zero na prova de redação. A média das notas em redação teve queda de 9,7% em relação ao Enem de 2013 entre os alunos que estão concluindo o ensino médio. Em matemática, a queda foi de 7,3% em relação ao exame anterior.

 A avaliação da redação é feita pela análise de cinco competências. A primeira envolve a comprovação do domínio da modalidade escrita. A nota zero implica total ignorância de como se constrói um texto. A segunda avalia a proposta de redação aplicando conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema. Tirar zero significa fuga à temática. A terceira julga a capacidade de selecionar fatos e argumentos que se relacionam com o tema. Tirar zero significa empobrecimento do texto.

A quarta está ligada ao conhecimento linguístico necessário para a construção da argumentação. Tirar zero revela que não houve capacidade de organizar os conhecimentos. A quinta envolve a proposta de uma intervenção para o problema abordado. Tirar zero revela a incapacidade de elaborar proposição criativa.

A nota zero atribuída a cerca de meio milhão de jovens que frequentaram por mais de 10 anos os bancos escolares e as avaliações nacionais e internacionais recentes, proclamam o fracasso do sistema educacional e conferem legitimidade a esta reflexão: "Onde se tem de procurar a causa principal do estado de desorganização do aparelho escolar é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação".

Essa reflexão está registrada no Manifesto da Educação Nova, elaborada em 1932. Redigida por Fernando de Azevedo, foi subscrita por 26 intelectuais, como Anísio Teixeira, Cecília Meireles e Roque Pinto. Nos 83 anos seguintes fomos incapazes de mudar o panorama vergonhoso de não termos implantado no país uma educação satisfatória.

A constatação da falta de domínio da língua e de outras competências nos egressos do ensino médio pode comprometer o futuro do Brasil. Em vez de produzir jovens pensantes e criativos, estamos formando pessoas robotizadas que não serão agentes das transformações sociais e econômicas que o país demanda.

Além da competência nas letras e na matemática, o jovem do século 21 deverá estar em sintonia com o pensamento e o conhecimento científico que representam os fundamentos da era do conhecimento. O preparo para o exercício da cidadania plena mediante a promoção de valores e virtudes - solidariedade, bondade, compreensão e ética - são também pilares da educação de qualidade.

A meta prioritária é dar oportunidade a cada indivíduo de acesso à educação básica de qualidade independentemente de seu status social. O Estado brasileiro tem essa responsabilidade. O processo educacional deve ter início logo depois do nascimento, utilizando-se os conhecimentos recentes da neurociência no estímulo e desenvolvimento do processo cognitivo.

O Estado deve investir recursos e priorizar a primeira infância (até 6 anos) e estreitar a parceria entre as famílias e a educação informal, isto é, valores e virtudes assimiladas no cotidiano através da convivência social e dos instrumentos midiáticos. O exercício do pensar e da criatividade devem fazer parte do cenário dos ensinos fundamental, médio e superior.

Nada será mudado se não tivermos a capacidade de formar e valorizar os professores da educação básica do século 21. O papel do docente não pode, como era no passado, ser um simples transmissor do conhecimento. Ele deve ser agente de motivação preparado para identificar e resolver conflitos de várias naturezas.

É importante considerar a proposta de federalização do ensino básico, em discussão no Congresso. Com a sua implantação, poder-se-ia, aos poucos, ter o professor contemporâneo e competente em todo território nacional -fundamental para a conquista de qualidade de uma educação para todos. Não menos importante é expandir as iniciativas de sucesso no ensino básico nas várias regiões. A luta para a eliminação dos zeros é desafio para todos nós. Vamos à luta.

COMENTÁRIO DO MÉDICO GENIBERTO CAMPOS:

CARO ISAAC,
Devo estar muito influenciado pela metáfora do roubo da barraca de mister Watson.
Quer dizer, deixar de perceber o essencial.
Neste caso das notas  ZERO  na redação do Enem, começo a imaginar que existe mais alguma coisa  do que supõe nossa vã filosofia.
A tendência, quase automática, é buscar os culpados no "nosso sistema de ensino". E, como você coloca no final do seu texto, sugerir a federalização como  um dos remédios possíveis para os males do "nosso ensino."
Sem querer me arvorar em Sherlock da periferia, começo a pensar que as causas do problema poderiam estar em outro lugar. Além da formação educacional dos (pobres) candidatos.
É que a cultura, as formas de comunicação, a interação entre as pessoas, nos dias atuais, torna-se cada vez mais restrita em palavras, mononossilábica. Quase  um pio (twitter). E não me venha com textos e discursos longos.
Quem anda lendo livros no mundo de hoje? São parcos os leitores inveterados de antigamente.
Daí que fiquei pensando: será que antes de condenar as formas de ensino e quetais - e entendo que o  seu raciocínio está correto em sua formulação -  não valeria a pena pensar que a "Redação", como requisito ou critério eliminatório do sistema de avaliação para ingresso na Academia, não estaria obsoleto? Anacrônico? Considerando  o mundo irreversivelmente interconectado em que vivemos?
Uma das garotas com nota máxima neste quesito - de classe média alta, bien sur - consegue ler 14 (catorze) livros, simultaneamente. Cáspite!
Paro aqui, pois entendo que já estou me alongando.
Abs, geniberto

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