sábado, 24 de janeiro de 2015



Não adianta quebrar 

o termômetro!

Luciano Ramos
Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN

Carlos José Cavalcanti Lima
Coordenador do Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO/RN)

Não é fácil mexer com situações acomodadas, ainda que elas estejam assentadas em bases frágeis e o desmoronamento seja verdadeira crônica anunciada. Prefere-se uma calcificação torta a uma intervenção que resolva definitivamente o problema – até ser inevitável enfrentá-lo de frente. Infelizmente, esta não é uma realidade que se limita a nossa vida pessoal. Também nas contas públicas, muitos são tentados a adiar indefinidamente soluções amargas, com a fugaz esperança de o tempo dar uma saída sem maiores traumas.

De fato, durante alguns anos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte teve uma peculiar interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal, de maneira a imunizar parcela dos seus gastos com pessoal, excluindo-os dos limites impostos a todo o Poder Público – num verdadeiro ponto cego daquilo que era enxergado e contido pela LRF. 

Em 2014, chegou-se ao ponto de mais de R$ 130 milhões em remuneração de servidores estarem protegidos da incidência da lei garantidora do equilíbrio das finanças públicas (LRF), sob a justificativa de que decorreriam remotamente de decisões judiciais, gestadas lá pelos anos de 2008 e ratificadas posteriormente por Tribunais Superiores.

Com esta interpretação, as referidas despesas ficaram desvinculadas das receitas disponíveis para pagá-las, possibilitando seu crescimento desordenado, em sentido oposto ao que ocorre com as demais despesas com pessoal em todos os Poderes e órgãos públicos.

Ou seja, distanciou-se dos princípios da gestão fiscal e da certeza de que haveria dinheiro suficiente para o pagamento delas juntamente com as demais obrigações do Poder Público – ainda que, na hora de buscar os recursos, todas elas desaguem no caixa único do Tesouro Estadual, alimentado substancialmente pelos tributos cobrados de todos nós. Mas, a Lei de Responsabilidade Fiscal só traduz em números uma realidade matemática inexorável: qual é o montante máximo suportável pelas receitas públicas. Do contrário, seremos obrigados a dançar o tango argentino do calote.

A LRF não é a febre nem a doença que lhe dá causa, mas o termômetro que a mede e possibilita saber os remédios a serem tomados. Porém, isto só é possível se ela não for impedida de chegar perto do paciente e não houver receio de olhar os graus de temperatura aferidos.

Finalmente, ao longo de 2014, o cenário começou a mudar após duas representações, uma do Ministério Público de Contas no TCE, outra do Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO/RN) no Conselho Nacional de Justiça, que instaurou Procedimento de Controle Administrativo, visando a total incidência da LRF, aguardando análise do Departamento de Orçamento do CNJ. 

A partir daí, o tamanho da febre destas despesas começou a ser medido, mais precisamente depois de 18 de dezembro de 2014, quando assim o decidiu o Tribunal de Contas do Estado.

E, então, a fratura se expôs. Com ela, o dilema: quebramos o termômetro e convivemos com a dor até onde não der mais? Adotamos as medidas não tomadas antes para resolver o problema, pois parecia não existir porque simplesmente não olhávamos para ele? 

Dúvida em teoria, claro. Ao gestor público, ciente de sua responsabilidade, não se faculta nem pestanejar em situações como esta. E que venham mais termômetros!

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