A mulata dengosa do Arpege
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
Naquela
noite chegamos ao “Arpege” pelas nove horas da noite. Como era uma sexta-feira,
mesmo cedo, o salão do primeiro andar já estava cheio de fregueses costumazes
como nós, todos ansiosos para conhecerem a novata recém-chegada do Rio de
Janeiro.
A
música alta se estendia da travessa até a Rua Chile. A dança dominava o salão.
Sentamos em uma mesa da pista, onde fomos atendidos por Chico - um dos garçons
da casa -, nosso conhecido.
Logo
avistamos a mulata tão comentada – era mesmo de encher a boca d’água. Ao nos
avistar, ela abriu os lábios carnudos em um sorriso sensual. O corpo bem-feito
se movimentava cadenciado pelo swing da radiola de fichas que não parava.
Era
uma mulatinha nova e bonita. Os pedaços de carne morena apareciam sob o decote
generoso – os seios meio a mostra chamavam atenção de todos os presentes no
cabaré.
Olhou
ligeiramente para nossa mesa – um olhar de volúpia e oferecimento. Claro que
todos nós sorrimos para ela.
A
essa altura, dançava sozinha no salão – suas ancas largas mexiam de acordo com
os requebros do seu corpo rebolante. A jovem sorria e gingava o corpo,
remexendo suas avantajadas cadeiras. Sabendo ser alvo de todas as atenções do
salão, também requebrava seus lindos olhos verdes penetrantes à procura de
companhia.
A
noite avançava, os copos esvaziavam-se rápidos sobre as mesas do salão vermelho
esfumaçado. Outras inquilinas da casa dançavam no salão, tentando atrair
atenção dos homens do local.
De
repente, a cabrocha dengosa parou e sentou-se em uma mesa próxima da nossa. O corpo
jovem e bem-feito brilhava sob a luz vermelha do salão do cabaré.
Pelo
jeito, a noite iria se estender – uma verdadeira noitada de amor, bebida e
música.
A
mulata sabia ser o alvo das atenções – todos pareciam estar enfeitiçados por
ela. Sentara-se à mesa de perna cruzada, mostrando um pedaço da coxa grossa,
bem torneada.
-
Mulata dengosa! Disse alto um dos homens da mesa mais próxima à nossa.
Ela
ouviu o elogio e sorriu para o homem. Deve ter gostado. Sacudiu o cabelo e os
seios mulatos, que balançavam livres no vestido preto curto. Levantou-se
rebolante e dirigiu-se até a mesa de onde viera o elogio. Acho que ela se
sentia irresistível aos olhares masculinos.
Não
demorou muito na mesa dele. O homem agarrou-lhe pela cintura e encaminharam-se
para o salão. Aí deu para vê-la mais de perto: ancas largas, cinturinha de
pilão, peitos salientes. Os olhos dela tinham um certo brilho e a boca era
pintada em vermelho-sangue, a cor da moda.
Eles
dançaram agarrados por um bom tempo, roçando os seus corpos suados, ao ritmo
das músicas que se sucediam. À medida que novas fichas eram introduzidas no
Jukebox.
Quando
passaram perto da nossa mesa, sentimos o cheiro dela – usava um perfume
extravagante, “doce”, que diziam ser o cheiro das “raparigas” que frequentavam
os cabarés da Ribeira.
Mas
a dança não se estendeu muito. Ela era uma mulher da vida que se entregava por
dinheiro, que fazia do amor o seu ofício. O homem entendeu a razão da
impaciência, amassando os seus lábios de encontro aos dela – pois ele também
tinha urgência... a pressa dos homens que não sabem onde estarão amanhã. Então,
ele abraçou-lhe pela cintura e dirigiram-se a um dos quartos que ficava nos
fundos da casa de amor.
A
essa altura, o cheiro de beira de cais chegava até nossa mesa. Outros casais
também se dirigiram aos quartos. A dança continuava no salão vermelho “cardeal”
bem encerado.
A
madrugada rompia e nos apressamos a sair. No dia seguinte, com certeza,
estaríamos de volta. Quem sabe a mulata não estaria desacompanhada?!