LEITURAS DE SETEMBRO DE
2016-10-01
Por: CARLOS ROBERTO DE
MIRANDA GOMES, escritor
Nas minhas tarefas
costumeiras, neste setembro primaveril, tenho a satisfação de registrar,
entremeada dos afazeres normais do cotidiano, a leitura de alguns títulos
literários, que me aguçaram o prazer livros físicos, os quais não substituo por
nenhuma outra forma, por mais moderna que seja, mas que não retira o liame do
volume caído sobre o peito, em cada cochilo e as anotações à margem do texto
para marca ou lembrar alguma coisa mais interessante, ou ainda, que mereça um
futuro aproveitamento em possível opinião/crítica.
JARARACA foi o primeiro, relatando a prisão, suplício e morte do temido
cangaceiro, do Bando de Lampião, da autoria de Geraldo Maia do Nascimento,
Natal, Sebo Vermelho Edições, 2016.
Livro com 171 páginas, escrito com extrema correção, pois desmistifica estórias
da invasão do Capitão Virgulino Ferreira a Mossoró, com relatos de testemunhas
presenciais, recortes dos jornais contemporâneos aos fatos e a transcrição de
documentos e depoimentos oficiais.
Particularmente, onde está publicado o Relatório de Jaime Guedes, então gerente
da filial do Banco do Brasil na cidade invadida (1927), transcrevo alguns
trechos que demonstram a situação local, estadual e do próprio país:
O cangaceiro não é originalmente um caso
psicológico. Não é também o caldeamento da raça, nem outras fantasias
literárias que surgem, a miúde, ora em artigos pela imprensa, ora nos duelos
oratórios nas duas casas do Congresso. O cangaceiro é, em geral, um tipo
normal, degenera-se pelo consórcio permanente de duas calamidades: a falta de
polícia e a falta de justiça, resumidas em outra maior de que estas – a falta
de governo!
Até parece que a imprensa apregoa nos
dias presentes, quando oferece as sugestões: “Se medidas severas e radicais não
forem, a tempo tomadas, na repressão ao banditismo, este tende a se alastrar
cada vez mais, sendo improvável até que ponto chegará!”
Apenas fazemos uma ressalva – na
expressão ali usada: “falta de polícia”, hoje pode ter o substitutivo de falta
de equipamentos, viaturas, efetivo bem treinado, insuficientes para fazer
frente aos marginais e, no que foi referido à “falta de justiça”, preferimos
compreender o corpo judicante inferior ao número necessário e a edição de
normas legais punitivas muito brandas, gerando a impressão de impunidade.
Outro livro interessante do qual fiz
leitura foi do escritor Janduhi Medeiros, de raízes seridoenses, onde utiliza
uma prosa muito local e consegue contar fatos, lendas, religiões, culinária,
cânticos e história da passagem dos judeus pelo
Seridó, alterando costumes e trazendo riqueza para a região.
Dessa obra tirei muitas dúvidas sobre o
fazer cotidiano arraigado numa vida dividida entre o campo e a cidade de pedra
– uma verdadeira cruz para se viver.
O trocadilho nada tem a ver com o título
do livros – “A pedra da Cruz”, editado em Mossoró pela Caravela Selo Cultural
2016, que em verdade significa a simbologia dos “marranos” de se colocar pedras
em cruzes na beira das estradas, como to de deferência a uma comunicação
espiritual com o morto.
Toda essa prosa é compartilhada entre
três personagens marcantes: No livro, quem conta essa intersecção entre o povo
seridoense e a cultura judaico-cristã são três personagens: Mestre Cirilo
Bezerra, trovador e estudioso da história; Samir de Gabriel, servidor público e
o poeta Daniel Constantino, os quais narram e dialogam numa linguagem
cativante, mesmo que para expressar o trivial:
O silêncio peçonhento do verão, que
invade o seco calendário da década de setenta, rasteja-se como cascavel no calor
azulado do Semiárido, rachando ao meio as terras sofridas do Seridó. Pelo
sertão, a sede caspenta da língua da estiagem bebe a pouca água que resta da
sangria do inverno que passou, ordenando uma safra incerta...
E vai por aí caminhante a traçar as agruras em forma de devaneios, só possível
na pena do castigado homem do sertão do Seridó:
Na praça uma criança aponta uma estrela
no céu, outra grita, em tom de zombaria: ‘vai nascer uma verruga’!
Outro livro que li diz respeito à vida
profissional do estimado confrade BENEDITO VASCONCELOS MENDEs, cearense de
nascimento, mas mossoroense de opção, que se estabeleceu com sucesso na capital
do Oeste desenvolvendo intensa e profícua atividade nas lides da docência, da
pesquisa e da cultura. É um bom exemplo de homem determinado. Edição Sarau das
Letras (Mossoró), 2016.
Por
último, terminando as leituras de setembro, percorri a escola de arte popular
de XICO SANTEIRO (Joaquim Manuel de Oliveira), edição
Edufrn, 2015, representado por um belo trabalho do Professor e historiador das
artes e doutor pela Universidade de Paris X-Nanterre Everardo Ramos, trazendo
ao conhecimento público a vasta e importante obra do artista santeiro
(imaginário), exemplo de talento e humildade, a quem visitei nos anos sessenta,
em sua quase tapera da Avenida Café Filho e encomendei o busto do meu pais,
Desembargador José Gomes da Costa, gravado na madeira como “Dizibagador Joze
Gomes Costa”, como atesta a reprodução da foto.
O nosso artista potiguar, de ancestrais
paraibanos (seu pai e orientador foi Manuel Francisco Xavier), ombreia-se a
outros ícones da arte popular nordestina, como Mestre Vitalino, de Pernambuco,
Chico Silva e Mestre Noza, do Ceará, todos consagrados e deixou discípulos,
entre os quais Irene, sua filha e os genros Zé Santeiro e Zé de Neuza (José
Joaquim da Silva).
Xico mereceu apoio dos imortais Câmara
Cascudo e Veríssimo de Melo e do Prefeito Djalma Maranhão e consagração no
nordeste brasileiro que reverencia a sua obra.