sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

 

 


A história é um ofício, fala proferida em razão do recebimento do título de sócio benemérito do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte

Foi em busca dos livros que entrei pela primeira vez nesta Casa. Horas e horas debruçado nas mesas de pesquisa, consultando livros, as edições da revista e os jornais antigos; e do leitor e consulente, fez-se então e, portanto, aquele que doaria seus próprios livros à biblioteca e transportaria os livros do acervo como quem carrega tesouros.

 

E foi deste ato que me tornei diretor de biblioteca, arquivo e museu. Era o começo e parte de uma trama na que também se inclui o fazer revistas como quem constrói uma continuidade que também me levou à criação de um pequeno grupo de estudos que então se tornou um espaço para reflexão para além do fazer do dia-a-dia que é o trabalho infinito de organização de um acervo.

 

No caminho, construímos, e foi o primeiro, e na companhia de Maria Simões, um pequeno catálogo das peças do museu e mapeamos os institutos do Brasil, tarefa do grupo de estudos que resultou numa publicação impressa. Também fui buscar aqueles que ergueram tudo isso e saiu o ensaio Os Fundadores que escrevi.

 

 Cada coisa era uma peça em um emaranhado de ações enquanto também na biblioteca, no arquivo e no museu executávamos o silencioso e continuo trabalho de organizar acervos e os relatórios começaram a costurar o trabalho em cada passo do que se fazia.  O livro de visitação passou a refletir o momento e os jornais começaram a estampar os resultados. “Instituto revigorado” é um dos títulos.

 

Organizamos exposições, empregamos nossos esforços nos pequenos e em todos os detalhes, tudo que era preciso e necessário. E veio a cultura popular, danças e apresentações folclóricas ocupar o largo por um dia, processo que organizei, idealizei, propus e nomeei Ocupação.  Andei museus e centro de pesquisas como inspiração e referência a apreender o que faziam para o trabalho que fazíamos; conversei com arquivistas, bibliotecários, técnicos em conservação e preservação, pois lidar com acervos é um trabalho que nunca termina.

 

Representei a instituição no encontro de institutos no Recife, comemoração do bicentenário da Revolução de 1817, articulando a proposta de uma carta aberta de intenções, nunca enviada, processo que levamos adiante em contato com o Senado Federal para modificações nas leis de incentivo à cultura, destinando um percentual para investimento em bibliotecas, arquivos e museus. Elaboramos também uma política para a biblioteca e incentivamos pesquisadores a escrever sobre o Instituto.

 

Avançamos no processo de digitalização e desenhei as seções do site, redigi todos os textos necessários, selecionei as imagens e criei o repositório, imprescindível. E, na revista, por minha iniciativa editorial, voltamos a publicar documentos históricos, cumprindo mais uma missão do Instituto.

 

É certo que a história se firma pela presença e pelas ausências de vestígios, indícios ou rastros, e vai constantemente sendo escrita.  A história luta contra o esquecimento e é processo, fluxo continuo. Não existe história inteligível sem a ordenação dos fatos que a narrativa é capaz de orquestrar. É pelo pensamento e a memória que a realidade é revelada e pela escrita que é posta. Sem a escrita a história não existe.

 

Já não é possível escrever a história sem levar em conta as mudanças. Os estudos sobre as mulheres já são uma realidade, as conquistas das minorias, alijadas da história, as histórias não contadas, as figuras esquecidas e as apagadas. É preciso dialogar com outras formas de pensar e escrever para que se torne possível escrever uma nova história e também uma outra história, pois não há como deixar de pensar a história sem olhar para o nosso próprio tempo.

 

 O historiador Evaldo Cabral de Melo alertou que sempre haverá a necessidade de tratar o passado em função do que se passou e não em função de leis ou de teorias gerais ou de grandes conceitos teóricos. É preciso independência do pensamento e a conquista de novos paradigmas sem escola ou partido. É preciso agirmos como sempre agimos aqui, juntos.

 

O Instituto é espaço livre para as ideias, para unir o pesquisar, o pensar e o escrever.  Mas é preciso ainda se perguntar: Qual o lugar e o papel do Instituto hoje? Como atualizar, manter e preservar o acervo? Que história o Instituto deve contar? Que pesquisas deve desenvolver? E como avançar e superar os eternos entraves e problemas?

 

A memória pessoal é por sua natureza falha. Restam os relatórios e as atas que deixei, acreditando também que são capazes de nos remeter aquele presente que fixaram.  E se hoje voltei a um pouco do que fiz e do fizemos todos nós que aqui estamos, juntos, voltei para poder hoje dizer alguma coisa que pudesse e reencontrei o que já é passado.

 

Acredito, e  não estaria certo se não acreditasse, que não há nada mais difícil de se alcançar, advento do futuro, que se lançar a algo novo e tentar alcançar uma nova ordem para as coisas, por isso, termino eu inspirado na máxima latina de Vicente Lemos, dos fundadores, que diz mais ou menos assim: façam o que melhor puderem, eu, eu tentei fazer o melhor que pude. E continuo, pois a história é aqui e sempre será um ofício.

 

Discurso proferido em 01 de dezembro de 2021, no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte pela concessão do título de sócio benemérito em razão dos relevantes serviços prestados à instituição.

 

Para ler este e outros escritos, acesse: gustavosobral.com.br

 

 


LIBERALISMOS

Valério Mesquita*

Do ponto de vista econômico, cultural, jurídico, político, social, religioso, consuetudinário, todos, enfim, que neguem os valores da Bíblia irão destruir a própria humanidade, ao longo do tempo. É uma questão lógica e não pessoal. Ou profética. Afirmam que é a evolução, a modernidade. De retrógado e conservador serão acoimados quem apontar os perigos do “liberou geral”. Não falo somente sob o aspecto espiritual, pois não sou teólogo, padre ou pastor. “Trata-se de um determinismo histórico”, dirão outros interessados em coonestar o excesso comportamental do mundo profano de hoje. Até na filosofia vão pescar fundamentos para alimentarem a subversão e o negativismo dos valores humanos como ultrapassados.

Na Europa o ensino religioso para preservação dos princípios da moralidade, da família, da ordem pública, da fé cristã, estão sendo derrubados, e, discriminados quem os defender. As igrejas, tantos as católicas quantos as evangélicas estão sendo vendidas ou substituídas por templos muçulmanos (Inglaterra, principalmente), ou transformadas em boates. Nos Estados Unidos, pátria do protestantismo, elas já exibem nos frontispícios a expressão “dead church” ou templo morto, ou ainda melhor: fechadas. A identidade divina de Jesus Cristo começou a ser substituída pelo personalismo de “apóstolos”, “bispos”, “missionários”, portadores e medianeiros de graças e bênçãos sobrenaturais. O curandeirismo exagerado oculta o verdadeiro ensinamento do Novo Testamento. 

O liberalismo da legislação penal brasileira é outra aberração. A marginalidade fixada no patamar dos dezoito anos é incompatível com a realidade. Na Câmara Federal um deputado evangélico é linchado moralmente todos os dias somente porque é contrário ao casamento homossexual mas, no entanto, outros parlamentares condenados pelo STF por corrupção são tolerados. Apupa-se a liberdade de pensamento mas aplaude-se o ladrão do erário. País controvertido esse nosso. E por que os congressistas não votam imediatamente a redução da penalidade do menor logo para os quatorze anos! Para os dezesseis anos ainda é pouco. Com essa idade ele já vota pra presidente, governador, senador e o escambau. E o menor ainda quer exercer o privilégio de matar impunemente com a complacência dos políticos e muitos juristas de plantão.

O liberalismo no Brasil – pátria amada das permissividades – objetiva agora, através de um obscuro deputado federal, acabar com o poder de investigação contra os crimes de corrupção no país (PEC 37), por parte do Ministério Público. Retirar do MP esse atributo é um desserviço à nação e um desrespeito ao povo que deseja ver na cadeia aqueles que furtam diariamente o seu dinheiro. Por fim, a desconfiança em Deus, a fuga das igrejas, levam muita gente a aceitar toda espécie de desatino, sem reagir - omitindo-se. Por exemplo, a união homossexual é um problema das partes envolvidas. Sexo é prática privada. Agora, não precisa ser motivo de apologia midiática, prodigalismo, sensacionalismo, modelo a ser seguido ou integrar o currículo nas escolas de primeiro grau. Todo excesso é censurável. Não precisa ser “o galo das trevas” como diria Pedro Narva que restringia com um zelo cada vez maior a convivência com os humanos. Todo liberalismo é babilônico e perdulário com o dinheiro público.

(*) Escritor

 

Hoje o próprio nome de Walflan de Queiroz é muito pouco lembrado e assim mesmo em teses de mestrado, de circulação restrita aos meios acadêmicos, ou em conversas nostálgicas entre amigos que o conheceram e dele guardam lembranças repletas de admiração e respeito por seu grande valor intelectual. Na verdade, todos reverenciam o seu talento, a sua erudição, o seu abrangente conhecimento da literatura ocidental, através do perfeito domínio de vários idiomas. Muitos o têm até mesmo na conta de gênio irrealizado, vítima do ambiente hostil e estéril de uma cidade asfixiantemente medíocre e da grave doença mental que o submetia a periódicas, dolorosas internações em clínicas especializadas.
Há muitas histórias a seu respeito. Algumas exaltando o seu talento que, sem exagero apologético, tinha características excepcionais, pela espantosa capacidade de apreender, memorizar, interpretar e analisar as grandes obras da literatura universal. Embora, na minha opinião, sua produção poética não estivesse à altura de seu talento, bem como do profundo conhecimento que tinha de geniais poetas que lia e relia constantemente e cujos poemas gostava de recitar, valendo-se de uma memória prodigiosa. Fala-se sobre suas aventuras errantes de marinheiro, durante as quais percorreu praticamente todo o mundo, numa fase muito jovem da vida. E existem ainda especulações fantasiosas sobre sua experiência de monge trapista – a sua religiosidade mística e a sua identificação com filósofos, escritores e poetas comprometidos ardorosamente com a fé e os sentimentos cristãos.

 ODE EMERGENCIAL

Agora que já não acreditas em caminhos impossíveis
Mesmo nos emergentes como aquele
De que mais falas: o da paixão
Por que te surpreendes com a ousadia da noite
Que do acaso emerge
E como sibarita da volúpia
Te arrebata o olhar o desejo e o sonho?

Jamais queiras autenticar impossibilidades
Pois o mundo te surpreenderá
Tomado hélas pelo desastre
Embora também lhe caiba representar
O beijo das graças  -
O lado alegre da fortuna

Em toda impossibilidade
Há uma possibilidade do ser
Que se manifesta nos sortilégios do vir a ser
E que faz da impossibilidade
Jazigo apenas temporário
De sua própria possibilidade

Sob o êxtase profético formatas o amanhã
E julgas adivinhar teus passos no escuro
Mas logo em vão te comoves
Na contrariedade das lágrimas
Ou na alegria coroada de luz

Convém pois que absorvas
Impassível o sim e o não
Nunca como anjos do bem e do mal
Mas como unidade harmônica
Do élan vital que move o próprio ser

E se das nuvens chegar o anúncio
Ditado pelas chagas da memória
Do dilúvio iminente
Que te coloca na rota dos abismos
Finge no colo da verdade
Dominar a arte da ausência
E não te deixes levar pelo medo

Que não percas em momento algum
a consciência do fantástico
Nem a doçura e o encanto de teu lirismo

(Horácio Paiva)