sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

 



JARDELINO DE LUCENA FILHO, O SEMEADOR DE VIRTUDES 

No panteão de notáveis que fazem parte da história de Natal e do Rio Grande do Norte avulta o nome do advogado, professor universitário, historiador e artista plástico Jardelino de Lucena Filho. Nascido em João Pessoa (PB), a 16 de dezembro de 1938, veio morar em Natal, ainda na infância, com os pais Jardelino de Lucena e Joana Soares de Lucena. 

Na menor idade ajudou o seu genitor no Tabuleiro da Baiana, construção erguida em concreto armado para abrigar usuários de bonde, e que funcionava nas imediações da praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira. O abrigo ganhou esse nome por apresentar no centro do teto triangular, a gravura de uma baiana. 

As primeiras letras aprendeu no Colégio Santo Antônio (Marista), cursando o primário, ginasial e comercial, no período de 1946 a 1957. Cursou também o Científico no Atheneu Norte-Riograndense. A sua formação acadêmica foi construída na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), de 1958 a 1962, onde fez bacharelado na “arte do bom e do equitativo”. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção RN, sob o nº 231, a partir de 28 de maio de 1963, exerceu com dignidade o seu ofício. 

Na busca infinda do conhecimento agregou ao currículo vários cursos e uma pós-graduação na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, no período de 1964 a 1966, por orientação do amigo e mestre Luís da Câmara Cascudo. Estabelecido na Academia, Jardelino foi professor de Ciência e Política, do Curso de Sociologia da Fundação José Augusto (1967 a 1970); professor de Sociologia e Ciência Política da Escola de Serviço Social (1967 a 1971); coordenador do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Serviço Social da UFRN (1968); chefe do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto (1968); professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no período de 1970 a 1991 (ano da aposentadoria), lotado no Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), tendo ministrado em diversos cursos da UFRN as seguintes disciplinas: Sociologia I, Sociologia II, Sociologia Rural, Sociologia Urbana, Ciência Política I, Métodos de Análise em Ciência Política, Demografia Social: Aspectos Sócios Culturais do Nordeste; além de diretor de Assistência ao Estudante Universitário na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFRN (1971 a 1974); pró-reitor substituto da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFRN (1971 a 1974); chefe do Departamento de Estudos Sociais do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN (1974 a 1976) e diretor do já citado CCHLA, no período de 1977 a 1981. 

Honrou a cátedra que ocupou na UFRN, onde desempenhou muitas missões em benefício da instituição. Em 1979, foi-lhe outorgada a Medalha do Mérito Universitário. Faz-se necessário frisar que quando o governo militar, instaurado a 31 de março de 1964, fechou os cursos de Jornalismo e de Sociologia, Jardelino teve intensa atuação para a criação dos cursos de Comunicação e Ciências Sociais, no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. O aproveitamento dos professores nos quadros da UFRN resultou de trabalho dele, com o apoio do então reitor Onofre Lopes. 

Para além da Academia, Jardelino organizou o Instituto Varela Barca, exerceu cargos públicos, destacando-se como chefe de gabinete da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (1960), oficial administrativo da Secretaria de Estado das Finanças, Natal/RN (1961 a 1967), coordenador geral da Secretaria Estadual de Trabalho e Bem-Estar Social (1975 a 1977), secretário geral adjunto do Ministério da Administração Federal - Brasília/DF (1985 a 1987), como também secretário de Planejamento da Prefeitura Municipal de Macaíba/RN (Jan. a Jun./2001). 

Na acepção de amigos próximos, o professor Jardelino Lucena era, antes de tudo, um humanista. Trabalhou no Movimento de Natal, obra memorável do então bispo Dom Eugênio Sales. Foi locutor e noticiarista na Rádio de Educação Rural; depois repórter e diretor de redação do jornal católico A Ordem. O vínculo com o clero veio da militância na Juventude Estudantil Católica (JEC) e depois na Juventude Universitária Católica (JUC). 

No movimento estudantil católico (JEC/JUC) participou de debates sobre os fundamentos da Doutrina Social da Igreja, originária da Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII. No Movimento de Natal, em finais de semana, eram frequentes os ciclos de estudos com diversos intelectuais natalenses ou radicados na capital. Grávido de virtudes, foi, ainda, uma das peças-chave na montagem da equipe leiga do Serviço de Assistência Rural (SAR), onde os participantes se uniam a sacerdotes, em mobilização pela busca da justiça social. Jardel, como era carinhosamente chamado por seus colegas, ajudou no nascimento da Campanha da Fraternidade, inspirada no Concilio Ecumênico Vaticano II, uma iniciativa do SAR, no ano de 1962. 

Em 1964, o jornal A Ordem estampou manchete de primeira página: "Campanha da Fraternidade realiza-se em todo o Brasil". Tudo começara na cidade de Nísia Floresta, com visitas fraternas, durante a Semana Santa, às comunidades pobres, com doação de alimentos e utensílios domésticos, incentivados por Dom Eugênio Sales. Vida pessoal Na condição de ser gregário, Jardelino Lucena casou em primeiras núpcias com Renira Mota de Lucena (in memoriam), mãe de suas filhas Adriana Mota, mestre em Direto Internacional e chef de cozinha, e Juliana Mota de Lucena Alves, formada em Administração e em Direito, casada com Arnaud Alves Flor, com quem tem os filhos Nathalia (psicóloga), Daniel (engenheiro eletricista) e Arnaud (acadêmico de Medicina). 

A doce boca dos amigos propala que Jardelino era um bon vivant. Apreciava charutos que molhava no conhaque, gostava de cafezinho, bons papos e tinha uma risada peculiar. Ele frequentava a Livraria Poty, no centro de Natal, onde se reunia com amigos para bate-papos intelectuais. Outra faceta de Jardel era pesquisar a culinária potiguar. Escreveu diversos artigos sobre o tema, tendo colaborado no projeto editorial Leituras Potiguares, do extinto Diário de Natal, onde no fascículo n°. 5, de 11 de novembro de 2007, publicou o artigo “A Culinária Riograndense do Norte”. Deixou encadernado um volume com doze fascículos como herança da nossa estupenda culinária. Ele fez parte também da elaboração do livro 400 Nomes de Natal, organizando a pesquisa e redação com Nelson Patriota, Deífilo Gurgel, Manoel Onofre Júnior e Rejane Cardoso. 

Outra participação relevante do historiador foi no livro Construtores da Ágora Soberana Potiguar: Múltiplas Memórias: Professores do Atheneu Norte-Rio-Grandense (1892/ anos 1960). Na compilação de 38 textos sobre mestres que marcaram época no Atheneu, organizada por Eva Cristini Arruda Câmara Barros e Diógenes da Cunha Lima, Jardelino colaborou escrevendo o perfil de Protásio Melo e outras pesquisas inéditas. 

Casado em segundas núpcias com a professora aposentada do Departamento de Sociologia da UFRN e mestre em Sociologia, Ana Amélia Fernandes de Lucena, conta que o ex-marido tinha por hobby a pintura, com um trabalho muitíssimo elaborado, destacando-se ricos detalhes da nossa paisagem tropical. Outra paixão do pesquisador foi a gastronomia. Sobre o tema publicou as obras Sopa é Sopa e ainda inédito Fundamentos da Culinária … Nem Só de Jerimum. 

O professor Jardelino Lucena faleceu no dia 23 de março de 2021, aos 82 anos, e foi sepultado no dia 24, às 11 horas, no cemitério Morada da Paz, em Emaús. Combateu o bom combate contra um câncer no pâncreas. As suas últimas semanas de vida foram de resignação e a sua passagem para outro plano, tranquila. Foi-se o homem e ficou a obra. 

Carlos Lucas é poeta, contista, articulista e pesquisador.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

 

Considerações sobre laudêmios e foros

Padre João Medeiros Filho

A presente abordagem não se reveste da pretensão de cunho jurídico e técnico. Trata-se de uma experiência sobre o assunto, quando éramos pároco e chanceler do bispado, em Caicó (RN). Laudêmio e foro datam dos tempos coloniais, remontando às capitanias hereditárias, quando a Coroa Portuguesa outorgava aos donatários direitos sobre determinadas porções de seu domínio no Brasil. Consistia num repasse de glebas a pessoas físicas e entidades. Esse costume foi sendo seguido, disseminado e adaptado. Assim, no passado, em decorrência de promessas aos santos, tornou-se usual entre os católicos, como símbolo de gratidão, doar terras à Igreja (nela incluindo-se irmandades, congregações e associações religiosas, padroeiros, paróquias etc.). Era muito comum casas residenciais e comerciais edificadas sobre os terrenos “do santo ou da santa”. Muitas terras doadas aos santos padroeiros, antes da expansão das cidades, estão situadas hoje em zonas urbanas.

Infelizmente, muitos bens vinculados à Igreja, têm sido dilapidados, alienados levianamente e espoliados, por incúria de gestores. É uma afronta a seus doadores, à história e à memória daqueles que de boa-fé fizeram os legados, por vezes gravando cláusulas de inalienabilidade. Seguiram o preceito bíblico: “Ninguém comparecerá diante do Senhor, de mãos vazias. Cada um trará uma oferta, conforme as bênçãos que o Senhor houver concedido” (Dt 16, 17). Convém lembrar que parcela considerável do patrimônio dos bispados de Caicó e Natal tem sido preservada, graças ao zelo e dedicação de Dr. Vital Bezerra de Oliveira.

Além dos terrenos da Igreja, sobre os quais incidem laudêmio e foro, há também os da família imperial brasileira e os que pertencem à Marinha (União). Estes últimos estão localizados na zona litorânea, inclusive nas ilhas. Em 1831, tal faixa de terra foi delimitada a trinta e três metros da maré mais alta, em relação à linha de preamar. A União possui mais de trinta por cento dessas terras, sendo o restante dos demais proprietários.

A Igreja, considerando as suas necessidades e as dos cidadãos, foi disponibilizando parte de seu domínio para o usufruto de terceiros, sem a perda da propriedade. Disto, origina-se o laudêmio: uma taxa pecuniária compensatória paga ao legítimo dono, quando da transmissão do terreno, havendo ou não edificações. Consiste numa pequena parcela participativa no lucro auferido, proporcionado também pelo uso do terreno. Há ainda a contribuição anual pela ocupação do solo, denominada foro, isto é, uma compensação monetária pela utilização de um espaço pertencente à Igreja ou a outros proprietários.

Laudêmio é uma taxa devida pelo beneficiário do domínio útil ao seu legítimo proprietário. Não é um tributo, mas contraprestação financeira. A cobrança é legal e legitima. Há assentada jurídica para a base dos cálculos, incidindo sobre o valor venal do terreno, onde eventualmente são edificados prédios. Caso a transmissão se dê por herança, o valor não é cobrado. Aos foreiros pertencem as construções e benfeitorias, não os terrenos sobre os quais se edificam, sendo eles patrimônio da União, Igreja, família imperial brasileira etc. Eis a origem das taxas, obedecendo à tradição do ordenamento jurídico brasileiro. Cabe informar que há amparo legal para a sua cobrança, previsto pelo Código Civil Brasileiro (atualizado pela Lei nº 10.406/2002), no Artigo 2038. Hoje, o laudêmio dos terrenos da Marinha (União) é regido pela Lei 14.011/2020. Entretanto, tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados projetos de lei (por exemplo, o PL 1855/2024), propondo a extinção de cobrança do laudêmio e foro pela ocupação de terras da União (Marinha). Tais projetos não incluem terrenos pertencentes a outros proprietários. Há quem defenda estender para estes a isenção.

O direito dos legítimos donos deve ser respeitado. É uma questão de justiça e honestidade. As taxas recebidas visam a ajudar na manutenção das obras da Igreja com sua visão amplamente social, assistencial e educativa. Para os cristãos, do ponto de vista teológico-canônico, a obrigatoriedade das taxas laudemiais e foreiras inclui-se no dever religioso do dízimo. Para tanto, recomenda o apóstolo Paulo: “Que cada um dê sem pesar nem constrangimento, pois Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9, 7).

Revisitando a Casa de Pedra de Pium


Foto do acervo do Natal das Antigas

Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 07

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)

Revisitando a Casa de Pedra de Pium

            Este é um assunto que me fascina desde algum tempo. Sobre ele já publiquei alguns artigos em Cartas de Cotovelo, em livro e Revistas do IHGRN e ANRL, motivando uma condensação do tema, com correções e ampliações.

            A Casa de Pedra de Pium, que também se estuda como de Pirangi, ficou conhecida a partir da sua apropriação pelo francês João Lostau Navarro, também várias vezes referido como João Lostão, Lostao, Juan, Joan, Juaron, Juáo, Lostrão, Lostrau, Lo Stosa, Juan de Stau, d’Stau e outras, mercê de uma literatura oral que provocou tais desdobramentos de escrita.

            O que importa é que esse cidadão é oriundo do Reino de Navarra (Navarra baixa dos Pirineus, ou parte litorânea), que fora incorporado à Espanha no Século XVI, em 1511, no reinado de Fernando V e retomado pela França em 1589, por Henrique III(1) e que foi incorporado como patronímico de Lostau..

            Pelas inúmeras pesquisas, a Casa de Pedra de Pium, que fica bem perto da praia de Cotovelo (Município de Parnamirim), mas registrada no Município de Nísia Floresta, teria sido construída pelos franceses em 1555 para guardar o pau brasil retirado de suas cercanias para negócios.

            Com a expulsão dos franceses do Brasil provavelmente em 1567, os portugueses assumiram a sua propriedade, concluindo os trabalhos de construção em 1570, e concedendo autorização a pessoas para a exploração, sendo incorporada ao acervo do francês João Lostão Navarro que a transformou em depósito de mercadorias, conforme Carta de Data nº 15, de 1º de março de 1601, concedida por João Rodrigues Colaço, acrescentada a outras sesmarias que o mesmo já possuía, onde teve morada de 1603 a 1645. Essa construção recebeu outras denominações como Porto de Búzios, Casa Forte de Pirangi e Casa da Praia do Porto Corado (ao tempo da Companhia das Índias Ocidentais – invasão dos holandeses, 1621).

Esse monumento arquitetônico, com cerca de 338m2 tem enorme importância histórica por ter sido das mais antigas construções em alvenaria do Brasil, utilizada como armazém e forte, onde Lostão, esse donatário de terras brasileiras, era um católico de bons costumes, prestimoso com a população, dando-lhe emprego e guarida em suas casas do “Porto de João Lostão”(2) , identificada na lagoa de Camurupim, onde explorava a pesca, dava proteção aos cristãos perseguidos por Jacob Rabbi, em decorrência do que foi preso na Fortaleza dos Reis Magos e de                               __________________________________________________________________________________

(1)    (1) ALLÉGUEDE, Bernard p. 43; SILVA, Roberto da: Os franceses no Rio Grande do Norte, Ed. Sebo Vermelho, Natal-2005; GALVÃO, Hélio: ps.195/196: História da Fortaleza da Barra do Rio, Ed. FJA/FHG, Natal, 1999.

(2)    (2) Corresponde ao atual Porto de Tabatinga, outrora também chamado de Porto Seguro. Compõe rico aquífero da região, com braços nos Municípios de Parnamirim e Nísia Floresta, notadamente passando por Alcaçuz e Pium.

lá levado para Uruaçu onde foi trucidado com outros católicos, sendo declarado mártir da Igreja (3), com o qual tenho parentesco por parte de mãe, segundo pesquisa em meu poder.

A Casa de Pedra está estrategicamente erguida de maneira a dar uma visão ampla de onde se descortina toda a orla marítima desde os contornos de Ponta Negra até os de Pirangi, e por isso causando incômodos e conflitos com os holandeses, por ser considerada um fortim. 

Vale lembrar que as investidas dos holandeses começaram na Bahia, em 1624/1625, de onde foram rechaçados. Então, em 1630 partiram para uma segunda tentativa de invasão no Brasil, mais precisamente em direção ao Nordeste, chegando a Pernambuco em 1633, atraídos pela existência de produção de cana-de-açúcar, do que eles já tinham notícia, pois aqui estiveram em julho de 1625, no Engenho Cunhaú, sob o comando do Capitão Uzeel, na condição de parceiros de Portugal para a tarefa de refino de açúcar e financiadores do seu engenho, não podendo trazer nada em razão da distância.

De lamentar o absurdo descaso do Município de Nísia Floresta por essa construção secular da engenharia brasileira, pois o acesso é um risco – verdadeira aventura pela sua irregularidade, que comporta somente uma viatura – verdadeiro caminho perigoso. Hoje pertence ao acervo da família de Hélio Galvão.

         Em relação ao donatário João Lostão, a importância desse cidadão tomou corpo na Comunidade, gozando de grande prestígio até sua velhice, estimada em 80 anos, tendo ocupado cargos de importância para a administração da Capitania.

Sua família imediata: pai de Beatriz Lostau Casa Maior, casada com o holandês Joris Garstman, que dirigia o Forte dos Reis Magos, no período do domínio holandês. Outra filha, Maria Lostau Casa Maior, era casada com Manoel Rodrigues Pimentel, que juntamente com Estevão Machado de Miranda, era escabino (espécie de representante do Município) na época da invasão holandesa. Duas fontes dão notícia do nome da sua esposa – Luzia da Mota, o que findou confirmado pela vasta descendência que deixou. (4)

Para nossa tristeza, para nosso Estado, os holandeses não trouxeram bons frutos, como aconteceu em Pernambuco, posto que aqui pretenderam se apossar dos engenhos e combater os portugueses, com o apoio da população indígena. (5)

Em 1634 atacaram pela primeira vez o engenho Cunhaú (6), surpreendendo o fortim dos portugueses, com perda de 12 homens, gerando um pânico entre os moradores da região, que passaram a procurar lugares mais seguros – alguns acolhidos na própria Fortaleza Keulen, ou                    _______________________________________________________________________

(3)   (3) Beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, Roma e canonizado pelo Papa Francisco em 15 de outubro de 2017.

(4)    (4) Blog dos Amigos de Santo Antônio do Salto da Onça e MEDEIROS,

(5)   (5) Cariris, comandados por Janduí (da tribo dos Janduís), que vinham sofrendo com os portugueses, disso resultando o massacre de Ferreiro Torto (Macaíba), em 1633, com 67 mortos.

(6)    (6)   Esse engenho teria sido comprado, em 5 de julho de 1637 por Joris Garstman e o Conselheiro Baltazar Wyntges mesmo ano em que Nassau visitou Natal e incendiado pelos Janduís em 1645 guiados pelo aventureiro Jacob Rabbi. (CASCUDO, História do RGN, MEC, Rio de Janeiro, 1984, p.67)

Castelo de Ceulen, que corresponde ao Forte dos Reis Magos, outros em uma paliçada e na casa de João Lostão, que lhes deu guarida.

Em razão desse gesto de proteger os cristãos perseguidos pelos calvinistas liderados por Rabbi, correu a notícia de que o referido donatário estaria organizando uma resistência contra o domínio neerlandês e contra ele teria sido expedido um mandado de prisão em 1645, ordenado pelo Grande Conselho Holandês, sediado em Recife, tudo fomentado pelo mercenário Jacob Rabbi (Johanns Rabe), judeu alemão de péssimo caráter, ordem cumprida por Paulus de Linge, governador da Paraíba.

            Completando a incursão anterior sobre Cunhaú (Canguaretama-RN), em 16 de julho de 1645, perpetraram novo massacre de cerca de 35 a 69 pessoas quando assistiam uma missa dominical celebrada pelo Padre André de Soveral, contando com a participação dos Tapuias, Janduís e Potiguares. Os Potiguares, por sua vez, não se importaram com o mínimo respeito aos direitos humanos e consumaram o martírio e os fizeram em pedaços. O cronista Pierre Moreau afirma que todos foram devorados pelos índios canibais.

            Em setembro, Rabbi, com uma pequena força de Tapuias, brasilianos e mais 30 civis holandeses, ocupou o Sítio Lostão, onde assassinaram cerca de 15/16 portugueses.

            Três meses depois do massacre de Cunhaú, nova investida de Rabbi aconteceu em Uruaçu (São Gonçalo do Amarante), com mais 80 mortes, dentre os eles João Lostão, em 3 de outubro de 1645, de forma degradante, mutilando e esmagando órgãos, inclusive de crianças, provocando uma situação calamitosa, num ritual macabro.

            Rabbi, no entanto, também não escapou da ira dos vencidos, que o assassinaram na noite de 5 de abril de 1646, com tiros e golpes de espadas por soldados. Alguns atribuem o fato a uma vingança familiar a mando do Capitão Garstman, já então elevado ao posto de Tenente-Coronel e fora de funções administrativas no Forte, genro de Lostão, afirmando que “o mundo nada perderia se desembaraçassem de semelhante canalha”.

            Os Tapuias exigiram a imediata entrega do militar holandês, agora sem nenhuma função no Rio Grande do Norte, juntamente com o Major Jacques Boulan, que teria sido o cumpridor da ordem a dois soldados para o trucidamento, mas o Inquérito teve tramitação vagarosa pelo Conselho de Justiça e Finanças.

            Pedido de revisão o colocaram em liberdade, retornando à Holanda e nunca se soube do desfecho desse processo.        

A Igreja Católica local, permitiu em louvor da canonização de Lostão, ser alçado à condição de co-padroeiro da Igreja de Pium (Santa Luzia), agora consagrando dois mártires, em momentos diferentes, respectivamente SANTA LUZIA e SANTO JOÃO LOSTAU NAVARRO. (7)

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(7)    (7) Sobre Santa Luzia, registra-se seu martírio por defender a virgindade eterna em nome da sua total devoção à fé e distribuir seus bens com os pobres, pelo que foi condenada à tortura, com a sua colocação em prostíbulo, depois queimada em fogueira, posteriormente a retirada dos seus olhos, tudo porque logrou a proteção Divina e não sucumbiu, dando continuidade à sua missão sagrada, até ter a cabeça decepada.        

Já perdia a esperança em dar notoriedade a um tema de tanta importância para a religião da localidade e para o turismo religioso das praias do Sul – Pium, Cotovelo e Pirangi, divididas entre os municípios de Nísia Floresta e Parnamirim, quando a Arquidiocese de Natal realizou um grande evento diretamente das ruínas da Casa de Pedra e deu a notoriedade ansiada para aquele equipamento urbano, de grande valor histórico e religioso, tanto que Dom Jaime, no decorrer da missa, confessou humildemente que era a primeira vez que tomava conhecimento do valor daquele lugar e do seu proprietário, tornando-se o primeiro dirigente da Igreja Católica a dar testemunho desses valores incomensuráveis.         

Não vou aqui detalhar a importância histórica da Casa de Pedra, mas agradecer os gestos de coragem cristã dos Santos Mártires da Igreja Católica, Santa Luzia e Santo João Lostau Navarro, pela possível intercessão deles para que essa visibilidade ocorresse.

         Vale, por fim, invocar a pregação de São Paulo na Carta aos Coríntios:

 

                Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados.

                 Somos abatidos, mas não somos destruídos.

            Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus,

            para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo.

 

FONTES CONSULTADAS_____________________________________________________________

(1)    ALLÉGUEDE, Bernard p. 43; SILVA, Roberto da: Os franceses no Rio Grande do Norte, Ed. Sebo Vermelho, Natal-2005; GALVÃO, Hélio: ps.195/196: História da Fortaleza da Barra do Rio, Ed. FJA/FHG, Natal, 1999.

(2)    BLOGS: Amigos de Santo Antônio do Salto da Onça; História e Genealogia (Anderson Tavares); INRG (João Felipe); Nísia Floresta (Luís Carlos Freire); Grupo Onça Pintada; Trilhas da História (Maria Lúcia Amaral).

(3)    CALADO, Francisco Manuel. O Valoroso Lucídeno e o triunfo da libertação). SP, Cultura (Carta do Capitão Lopo Curado Garro).

(4)    CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. RJ, MEC, 1984.

(5)    GALVÃO, Hélio. História da Fortaleza da Barra do Rio Grande. FJA/FHG, 1999.

(6)    HB – História Brasileira.

(7)    História do Rio Grande do Norte (Maria Auxiliadora).

(8)    LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. Brasília, Senado, 2012.

(9)    MEDEIROS, Invoncisio de.

(10) MEDEIROS, Tarcísio da Natividade.

(11) MEDEIROS FILHO, Olavo. Os holandeses na Capitania do Rio Grande do Norte. IHGRN, Natal, 1998.

(12) MOURA, Pedro. Fatos da História do Rio Grande do Norte. Natal, CERN, 1986.

(13) PEREIRA, Francisco de Assis – Monsenhor. Protomártires do Brasil. Aparecida. Santuário, 2005.

(14) POMBO, Rocha. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Annuário do Brasil, Porto-Portugal, 1921.

(15) PORTAL TUDO DO RIO GRANDE DO NORTE.

(16) PROFESSOR JOTA BÊ. Ciência da Religião.

(17)         SOUZA, Itamar de. Diário do Rio Grande do Norte. Diário de Natal, 1999.

(18)        SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão; MARIZ, Marlene da Silva. História do Rio Grande do Norte Colonial 1597/1822. Natal Editora, 1997 e História do Rio Grande do Norte, Sebo Vermelho, 1997.

(19)       TRINDADE, João Felipe da. Informações pessoais.

(20)      TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. História do Rio Grande do Norte. Natal, Sebo Vermelho, 2015.

(21)  UFRN. Departamento de Geografia: Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Florianópolis. Brasil, 21-26 abril 2008, INPE.

(*) Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN)

 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que se habituar com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história. Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os poucos náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. As únicas ameaças à ordem constituída continua a ser o Covid, a droga, a violência urbana, a dengue, a chikungunya e a zica. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos e motos, principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade. Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades. Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacífica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre. Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível, infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias. Hoje em dia, é raríssima a autoridade pública ou privada que dá retorno de telefonemas. Deixar recado é esforço pífio e inútil. Não existe mais apreço, atenção, respeito, civilidade, sociabilidade, humanidade. O político, via de regra, só retorna ligação se houver vantagem de voto gratuito ou financiamento de campanha. O empresário pergunta logo quem está na ponta da linha e quanto vai lucrar. Já alguns secretários de governo, nomeados para atender a sociedade, sempre estão em reunião com “aspones” para evitar interrupções que não atendam seus interesses imediatos. Devolver um telefonema que não foi atendido de imediato por ocupação instantânea ou outro motivo relevante, ou não receber um cidadão que pediu audiência, é ato de cavalheirismo, de educação, de nobreza que pouca gente cultiva. Sei que muitos leitores estão incluídos na estatística dos sofredores. E gostariam de dizer o que afirmo agora. Os cultores da prática mafiosa alegam que é preciso racionalizar o tempo, eleger prioridades, formatizar custos e ganhos de produtividade, e, o lado humano/cidadão vai para o beleléu, descartado por não representar modernidade, segundo os fariseus dos templos públicos. Cheguei a imaginar, de início, que a minha tese é inconsistente. Seria antiquado portar-me assim, mandando a secretária anotar quem telefonou para retornar, em seguida, uma a uma, as ligações recebidas? Acho que não. Tudo é uma questão de estilo, de ética, de personalidade e de berço. (*) Escritor.