quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Revisitando a Casa de Pedra de Pium


Foto do acervo do Natal das Antigas

Cartas de Cotovelo – Verão de 2025 – 07

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)

Revisitando a Casa de Pedra de Pium

            Este é um assunto que me fascina desde algum tempo. Sobre ele já publiquei alguns artigos em Cartas de Cotovelo, em livro e Revistas do IHGRN e ANRL, motivando uma condensação do tema, com correções e ampliações.

            A Casa de Pedra de Pium, que também se estuda como de Pirangi, ficou conhecida a partir da sua apropriação pelo francês João Lostau Navarro, também várias vezes referido como João Lostão, Lostao, Juan, Joan, Juaron, Juáo, Lostrão, Lostrau, Lo Stosa, Juan de Stau, d’Stau e outras, mercê de uma literatura oral que provocou tais desdobramentos de escrita.

            O que importa é que esse cidadão é oriundo do Reino de Navarra (Navarra baixa dos Pirineus, ou parte litorânea), que fora incorporado à Espanha no Século XVI, em 1511, no reinado de Fernando V e retomado pela França em 1589, por Henrique III(1) e que foi incorporado como patronímico de Lostau..

            Pelas inúmeras pesquisas, a Casa de Pedra de Pium, que fica bem perto da praia de Cotovelo (Município de Parnamirim), mas registrada no Município de Nísia Floresta, teria sido construída pelos franceses em 1555 para guardar o pau brasil retirado de suas cercanias para negócios.

            Com a expulsão dos franceses do Brasil provavelmente em 1567, os portugueses assumiram a sua propriedade, concluindo os trabalhos de construção em 1570, e concedendo autorização a pessoas para a exploração, sendo incorporada ao acervo do francês João Lostão Navarro que a transformou em depósito de mercadorias, conforme Carta de Data nº 15, de 1º de março de 1601, concedida por João Rodrigues Colaço, acrescentada a outras sesmarias que o mesmo já possuía, onde teve morada de 1603 a 1645. Essa construção recebeu outras denominações como Porto de Búzios, Casa Forte de Pirangi e Casa da Praia do Porto Corado (ao tempo da Companhia das Índias Ocidentais – invasão dos holandeses, 1621).

Esse monumento arquitetônico, com cerca de 338m2 tem enorme importância histórica por ter sido das mais antigas construções em alvenaria do Brasil, utilizada como armazém e forte, onde Lostão, esse donatário de terras brasileiras, era um católico de bons costumes, prestimoso com a população, dando-lhe emprego e guarida em suas casas do “Porto de João Lostão”(2) , identificada na lagoa de Camurupim, onde explorava a pesca, dava proteção aos cristãos perseguidos por Jacob Rabbi, em decorrência do que foi preso na Fortaleza dos Reis Magos e de                               __________________________________________________________________________________

(1)    (1) ALLÉGUEDE, Bernard p. 43; SILVA, Roberto da: Os franceses no Rio Grande do Norte, Ed. Sebo Vermelho, Natal-2005; GALVÃO, Hélio: ps.195/196: História da Fortaleza da Barra do Rio, Ed. FJA/FHG, Natal, 1999.

(2)    (2) Corresponde ao atual Porto de Tabatinga, outrora também chamado de Porto Seguro. Compõe rico aquífero da região, com braços nos Municípios de Parnamirim e Nísia Floresta, notadamente passando por Alcaçuz e Pium.

lá levado para Uruaçu onde foi trucidado com outros católicos, sendo declarado mártir da Igreja (3), com o qual tenho parentesco por parte de mãe, segundo pesquisa em meu poder.

A Casa de Pedra está estrategicamente erguida de maneira a dar uma visão ampla de onde se descortina toda a orla marítima desde os contornos de Ponta Negra até os de Pirangi, e por isso causando incômodos e conflitos com os holandeses, por ser considerada um fortim. 

Vale lembrar que as investidas dos holandeses começaram na Bahia, em 1624/1625, de onde foram rechaçados. Então, em 1630 partiram para uma segunda tentativa de invasão no Brasil, mais precisamente em direção ao Nordeste, chegando a Pernambuco em 1633, atraídos pela existência de produção de cana-de-açúcar, do que eles já tinham notícia, pois aqui estiveram em julho de 1625, no Engenho Cunhaú, sob o comando do Capitão Uzeel, na condição de parceiros de Portugal para a tarefa de refino de açúcar e financiadores do seu engenho, não podendo trazer nada em razão da distância.

De lamentar o absurdo descaso do Município de Nísia Floresta por essa construção secular da engenharia brasileira, pois o acesso é um risco – verdadeira aventura pela sua irregularidade, que comporta somente uma viatura – verdadeiro caminho perigoso. Hoje pertence ao acervo da família de Hélio Galvão.

         Em relação ao donatário João Lostão, a importância desse cidadão tomou corpo na Comunidade, gozando de grande prestígio até sua velhice, estimada em 80 anos, tendo ocupado cargos de importância para a administração da Capitania.

Sua família imediata: pai de Beatriz Lostau Casa Maior, casada com o holandês Joris Garstman, que dirigia o Forte dos Reis Magos, no período do domínio holandês. Outra filha, Maria Lostau Casa Maior, era casada com Manoel Rodrigues Pimentel, que juntamente com Estevão Machado de Miranda, era escabino (espécie de representante do Município) na época da invasão holandesa. Duas fontes dão notícia do nome da sua esposa – Luzia da Mota, o que findou confirmado pela vasta descendência que deixou. (4)

Para nossa tristeza, para nosso Estado, os holandeses não trouxeram bons frutos, como aconteceu em Pernambuco, posto que aqui pretenderam se apossar dos engenhos e combater os portugueses, com o apoio da população indígena. (5)

Em 1634 atacaram pela primeira vez o engenho Cunhaú (6), surpreendendo o fortim dos portugueses, com perda de 12 homens, gerando um pânico entre os moradores da região, que passaram a procurar lugares mais seguros – alguns acolhidos na própria Fortaleza Keulen, ou                    _______________________________________________________________________

(3)   (3) Beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, Roma e canonizado pelo Papa Francisco em 15 de outubro de 2017.

(4)    (4) Blog dos Amigos de Santo Antônio do Salto da Onça e MEDEIROS,

(5)   (5) Cariris, comandados por Janduí (da tribo dos Janduís), que vinham sofrendo com os portugueses, disso resultando o massacre de Ferreiro Torto (Macaíba), em 1633, com 67 mortos.

(6)    (6)   Esse engenho teria sido comprado, em 5 de julho de 1637 por Joris Garstman e o Conselheiro Baltazar Wyntges mesmo ano em que Nassau visitou Natal e incendiado pelos Janduís em 1645 guiados pelo aventureiro Jacob Rabbi. (CASCUDO, História do RGN, MEC, Rio de Janeiro, 1984, p.67)

Castelo de Ceulen, que corresponde ao Forte dos Reis Magos, outros em uma paliçada e na casa de João Lostão, que lhes deu guarida.

Em razão desse gesto de proteger os cristãos perseguidos pelos calvinistas liderados por Rabbi, correu a notícia de que o referido donatário estaria organizando uma resistência contra o domínio neerlandês e contra ele teria sido expedido um mandado de prisão em 1645, ordenado pelo Grande Conselho Holandês, sediado em Recife, tudo fomentado pelo mercenário Jacob Rabbi (Johanns Rabe), judeu alemão de péssimo caráter, ordem cumprida por Paulus de Linge, governador da Paraíba.

            Completando a incursão anterior sobre Cunhaú (Canguaretama-RN), em 16 de julho de 1645, perpetraram novo massacre de cerca de 35 a 69 pessoas quando assistiam uma missa dominical celebrada pelo Padre André de Soveral, contando com a participação dos Tapuias, Janduís e Potiguares. Os Potiguares, por sua vez, não se importaram com o mínimo respeito aos direitos humanos e consumaram o martírio e os fizeram em pedaços. O cronista Pierre Moreau afirma que todos foram devorados pelos índios canibais.

            Em setembro, Rabbi, com uma pequena força de Tapuias, brasilianos e mais 30 civis holandeses, ocupou o Sítio Lostão, onde assassinaram cerca de 15/16 portugueses.

            Três meses depois do massacre de Cunhaú, nova investida de Rabbi aconteceu em Uruaçu (São Gonçalo do Amarante), com mais 80 mortes, dentre os eles João Lostão, em 3 de outubro de 1645, de forma degradante, mutilando e esmagando órgãos, inclusive de crianças, provocando uma situação calamitosa, num ritual macabro.

            Rabbi, no entanto, também não escapou da ira dos vencidos, que o assassinaram na noite de 5 de abril de 1646, com tiros e golpes de espadas por soldados. Alguns atribuem o fato a uma vingança familiar a mando do Capitão Garstman, já então elevado ao posto de Tenente-Coronel e fora de funções administrativas no Forte, genro de Lostão, afirmando que “o mundo nada perderia se desembaraçassem de semelhante canalha”.

            Os Tapuias exigiram a imediata entrega do militar holandês, agora sem nenhuma função no Rio Grande do Norte, juntamente com o Major Jacques Boulan, que teria sido o cumpridor da ordem a dois soldados para o trucidamento, mas o Inquérito teve tramitação vagarosa pelo Conselho de Justiça e Finanças.

            Pedido de revisão o colocaram em liberdade, retornando à Holanda e nunca se soube do desfecho desse processo.        

A Igreja Católica local, permitiu em louvor da canonização de Lostão, ser alçado à condição de co-padroeiro da Igreja de Pium (Santa Luzia), agora consagrando dois mártires, em momentos diferentes, respectivamente SANTA LUZIA e SANTO JOÃO LOSTAU NAVARRO. (7)

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(7)    (7) Sobre Santa Luzia, registra-se seu martírio por defender a virgindade eterna em nome da sua total devoção à fé e distribuir seus bens com os pobres, pelo que foi condenada à tortura, com a sua colocação em prostíbulo, depois queimada em fogueira, posteriormente a retirada dos seus olhos, tudo porque logrou a proteção Divina e não sucumbiu, dando continuidade à sua missão sagrada, até ter a cabeça decepada.        

Já perdia a esperança em dar notoriedade a um tema de tanta importância para a religião da localidade e para o turismo religioso das praias do Sul – Pium, Cotovelo e Pirangi, divididas entre os municípios de Nísia Floresta e Parnamirim, quando a Arquidiocese de Natal realizou um grande evento diretamente das ruínas da Casa de Pedra e deu a notoriedade ansiada para aquele equipamento urbano, de grande valor histórico e religioso, tanto que Dom Jaime, no decorrer da missa, confessou humildemente que era a primeira vez que tomava conhecimento do valor daquele lugar e do seu proprietário, tornando-se o primeiro dirigente da Igreja Católica a dar testemunho desses valores incomensuráveis.         

Não vou aqui detalhar a importância histórica da Casa de Pedra, mas agradecer os gestos de coragem cristã dos Santos Mártires da Igreja Católica, Santa Luzia e Santo João Lostau Navarro, pela possível intercessão deles para que essa visibilidade ocorresse.

         Vale, por fim, invocar a pregação de São Paulo na Carta aos Coríntios:

 

                Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados.

                 Somos abatidos, mas não somos destruídos.

            Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus,

            para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo.

 

FONTES CONSULTADAS_____________________________________________________________

(1)    ALLÉGUEDE, Bernard p. 43; SILVA, Roberto da: Os franceses no Rio Grande do Norte, Ed. Sebo Vermelho, Natal-2005; GALVÃO, Hélio: ps.195/196: História da Fortaleza da Barra do Rio, Ed. FJA/FHG, Natal, 1999.

(2)    BLOGS: Amigos de Santo Antônio do Salto da Onça; História e Genealogia (Anderson Tavares); INRG (João Felipe); Nísia Floresta (Luís Carlos Freire); Grupo Onça Pintada; Trilhas da História (Maria Lúcia Amaral).

(3)    CALADO, Francisco Manuel. O Valoroso Lucídeno e o triunfo da libertação). SP, Cultura (Carta do Capitão Lopo Curado Garro).

(4)    CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. RJ, MEC, 1984.

(5)    GALVÃO, Hélio. História da Fortaleza da Barra do Rio Grande. FJA/FHG, 1999.

(6)    HB – História Brasileira.

(7)    História do Rio Grande do Norte (Maria Auxiliadora).

(8)    LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. Brasília, Senado, 2012.

(9)    MEDEIROS, Invoncisio de.

(10) MEDEIROS, Tarcísio da Natividade.

(11) MEDEIROS FILHO, Olavo. Os holandeses na Capitania do Rio Grande do Norte. IHGRN, Natal, 1998.

(12) MOURA, Pedro. Fatos da História do Rio Grande do Norte. Natal, CERN, 1986.

(13) PEREIRA, Francisco de Assis – Monsenhor. Protomártires do Brasil. Aparecida. Santuário, 2005.

(14) POMBO, Rocha. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Annuário do Brasil, Porto-Portugal, 1921.

(15) PORTAL TUDO DO RIO GRANDE DO NORTE.

(16) PROFESSOR JOTA BÊ. Ciência da Religião.

(17)         SOUZA, Itamar de. Diário do Rio Grande do Norte. Diário de Natal, 1999.

(18)        SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão; MARIZ, Marlene da Silva. História do Rio Grande do Norte Colonial 1597/1822. Natal Editora, 1997 e História do Rio Grande do Norte, Sebo Vermelho, 1997.

(19)       TRINDADE, João Felipe da. Informações pessoais.

(20)      TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. História do Rio Grande do Norte. Natal, Sebo Vermelho, 2015.

(21)  UFRN. Departamento de Geografia: Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Florianópolis. Brasil, 21-26 abril 2008, INPE.

(*) Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN)

 

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