sábado, 17 de fevereiro de 2024

 Refletindo sobre a Quaresma Padre João Medeiros Filho Em português, a palavra Quaresma é uma forma sincopada do termo latino “quadragesima”. Este, por sua vez, é o número ordinal de “quadraginta”, significando quarenta. A liturgia católica costuma recorrer a símbolos. Estes são abertos e ricos em interpretações, enquanto as palavras são, por vezes, limitadas. Na Quaresma, partindo da simbologia numérica, usual na cultura hebraica, a Igreja recorda-nos os quarenta anos de caminhada do Povo de Deus em busca de Canaã, os dias e noites esperados por Moisés para receber o Decálogo. Lembra ainda idêntico período vivido por Cristo, antes de ser tentado. Ela convida-nos a uma maior consciência da nossa condição de filhos de Deus e nosso compromisso com o Evangelho. Proporciona um retiro aos cristãos a fim de realizar uma revisão de vida. Não se trata apenas de tempo litúrgico. Representa igualmente momentos importantes de nossas existências, nos quais devemos aprofundar, com o auxílio da graça divina, nossa vivência cristã. E para isso, é indispensável defrontarmonos com nossos erros e virtudes. Conclama ao despojamento interior para o renascimento pela escuta atenta de Deus. Sua Palavra ilumina nossa vida e transforma nosso íntimo. O tempo quaresmal exorta os fiéis ao jejum e à conversão. Atualmente, na administração pública e linguagem biomédica fala-se muito em cortar gorduras. No jejum, deseja a Igreja que sejamos capazes de eliminar os excessos do desamor e egoísmo, da vaidade e injustiça. Nos dias de hoje, enfatiza-se o culto do corpo. Várias modalidades de exercícios físicos são praticadas. Jejuar é como malhar a alma, banir o que lhe é supérfluo ou nocivo para dar lugar à fome de Deus. No primeiro domingo do período quaresmal, lê-se o episódio da tentação de Jesus. Somos instados a refletir sobre o sentido do deserto. Este reveste-se de significado especial na Sagrada Escritura e na espiritualidade cristã. À primeira vista, não é habitual se deparar ali com seres vivos. Sua imensidão e silêncio levam-nos a algo mais profundo: a descoberta de Deus. Este é a única vida que se pode sentir na vastidão despovoada. Os fiéis veterotestamentários, antes de chegar à Terra Prometida, passaram também pelo deserto. Este precede qualquer experiência mística, sendo, antes de tudo, um estado de espírito. Cristo veio estabelecer o Novo Testamento para a humanidade. Teve de enfrentar o deserto: ícone de nossa fragilidade, impotência e solidão. Sentimo-nos, não raro, abandonados, tristes e sozinhos em nossos sofrimentos, angústia, perplexidade, instabilidade e tribulações. Isto representa a figura de Cristo, ao ser provado pelo demônio. O texto de Marcos tem uma peculiaridade. Não cita a quantidade de tentações, como os de Mateus e Lucas. O autor do segundo evangelho restringe-se a afirmar que Cristo foi conduzido ao deserto e “aí tentado por Satanás” (Mc 1, 13). As provocações e provações, sofridas por Ele, representam a realidade humana. O materialismo, o consumismo, gerando miséria e dependência, a exploração dos mais fracos permanecem fazendo vítimas. A manipulação religiosa aproveitando-se da fé ingênua do povo simples, em benefício de pseudo líderes e grupos inescrupulosos, constitui-se numa tentação que fala bem alto na sociedade hodierna. A idolatria do poder, passível de proporcionar corrupção, marginalizando ou excluindo indefesos e necessitados, continua sendo a expressão do ideal demoníaco. Há uma série de novas e falaciosas atrações, procurando iludir o ser humano e estabelecer o reino de Satanás, e não o Reino de Deus e do Amor. Diante disso, entende-se o apelo do Mestre: “O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Há outro detalhe no relato de Marcos: “[Jesus] Vivia entre animais selvagens e os anjos O serviam” (Mc 1, 13). Ele veio mostrar a harmonia da criação, revelando a verdadeira ecologia. Da narração de Marcos, infere-se uma metáfora: ao ceder às tentações do demônio, o homem mostra-se bestializado. O poder, o ter e o prazer poderão nos tornar alienados e presunçosos. Mas, Cristo vencendo o demônio, assegura-nos que Ele veio aniquilar a indiferença, a injustiça e a violência. Cada um conhece o seu deserto e as suas seduções. O Mestre ensina-nos como superar tudo. “Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33), assevera-nos o Salvador.

 O significado bíblico-espiritual das cinzas Padre João Medeiros Filho A imposição de cinzas remonta ao Antigo Testamento. Delas se cobriu Mardoqueu e se vestiu com panos de saco, ao saber do decreto do Rei Assuero, condenando à morte os judeus residentes na Pérsia (Est 4,1). E Jó declara a sua contrição assim: “Arrependo-me no pó e nas cinzas” (Jó 42, 6). Daniel, ao profetizar a tomada de Jerusalém pelos babilônios, escreveu: “Voltei o olhar para Deus, procurando fazer preces e súplicas com jejuns, vestido de tecido rústico e coberto de cinzas” (Dn 9, 3). Após a pregação de Jonas, “o povo de Nínive se vestiu de roupas grosseiras, impondo-se cinzas. O rei levantou-se do trono e sentou-se sobre elas” (Jn 3, 5-6). Tais exemplos demonstram essa prática religiosa, como símbolo de dor, compunção, penitência e conversão. Cristo aludiu a esse costume, dirigindo-se aos habitantes de Corazim e Betsaida. Eles não se arrependeram de seus pecados, apesar de terem presenciado milagres e ouvido a Boa Nova. “Se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado arrependimento, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas” (Mt 11, 21), advertiu Jesus. A Igreja, desde seus primórdios, celebrou este ritual com um simbolismo análogo. O teólogo Tertuliano aconselhava o pecador a “vestir-se com tecido de estopa e cobrir-se de borralho.” O historiador descreve o bispo Natálio apresentando-se com esses trajes ao Papa Zeferino para suplicar-lhe o perdão. No cristianismo medieval, quando o penitente saía do confessionário, o sacerdote impunha-lhe cinzas para lembrar-lhe que o “velho homem” tinha sido destruído, dando lugar ao “novo homem”, segundo a expressão do apóstolo Paulo (Ef 4, 24). Por volta do século VIII, as pessoas que estavam prestes a morrer, eram deitadas no chão sobre um tecido rude e nelas se jogava pó. O sacerdote, aspergindo-as com água benta, dizia: “Lembra-te, ó criatura, que és pó e a ele hás de voltar” (cf. Gn 3, 19). Este rito foi tomando uma nova dimensão espiritual e passou a significar morte ao pecado em seus diversos aspectos: mentira, orgulho, injustiça, inveja, ódio, violência etc. Com o passar dos anos, tal hábito foi associado ao tempo quaresmal. Neste, somos convidados a sepultar o velho homem existente em cada um de nós para ressuscitar com Cristo, na Páscoa. As cinzas utilizadas na quarta-feira são obtidas com a queima das sobras de palmas bentas no Domingo de Ramos do ano anterior. O sacerdote as abençoa e impõe sobre os fiéis, dizendo: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar” (Gn 3, 19), ou então: “Converte-te e crê no Evangelho” (cf. Mc 1, 15). Essa cerimônia é um convite à preparação para a Páscoa pela vivência da Quaresma, tempo privilegiado para uma revisão de tudo o que impede nossa caminhada de fé e amor. A participação no ritual do início quaresmal expressa duas realidades fundamentais: a consciência de nossa efemeridade e a fé em nossa ressurreição. Cristo ressurgiu dos mortos, prometendo-nos também que ressurgiremos. É conhecida na mitologia grega a força de Fênix, que renasce das cinzas. Estas simbolizam mudança radical, na medida em que representam destruição. Lembra-nos que delas poderemos brotar, como criaturas renovadas pela graça inefável de Deus. Por essa razão, somos chamados a nos converter ao Evangelho de Cristo, libertando-nos da arrogância, do egoísmo, da vaidade; enfim, de tudo o que nos afasta do Divino. A palavra marcante com que se abre a celebração quaresmal – iniciada na quartafeira, após o carnaval – é conversão. Este termo de origem hebraica, indica mudança interior, dir-se-ia, transformação espiritual. Isto Cristo veio trazer com sua mensagem. Ele indicou ao ser humano um novo caminho e modo de ser e viver. O apóstolo Paulo, de forma inspirada, chama-O de “novo Adão”, uma nova humanidade (cf. Rm 5, 12-21). Com a Quaresma iniciase a Campanha da Fraternidade. Neste ano, versa sobre a “Fraternidade e amizade social”. Que as cinzas impostas sobre nossas cabeças marquem o fim de nossos preconceitos, egoísmo, violência, indiferença e tudo o que atenta contra a amizade e os laços de Deus nos corações dos homens. Afirmou o Mestre: “Todos vós sois irmãos” (Mt 23, 8).

 HOMENAGEM AO AMIGO LAURO BEZERRA




Faleceu, na madrugada desta sexta-feira (16), no Hospital São Lucas, em Natal, o professor universitário aposentado, médico e ex-deputado estadual Lauro Bezerra, aos 90 anos.
Vim conhecer melhor Lauro Gonçalves Bezerra, filho do ex-deputado João Bianor Bezerra, colega do meu pai, na antiga Assembleia Legislativa, a partir dos anos noventa quando juntos servíamos a mesma instituição, por outorga popular. Lauro combatente, atento, ágil e altivo, honrou o Poder Legislativo do Estado através do seu comportamento íntegro e irrepreensível. Presidiu como vice-presidente, inúmeras vezes, as sessões plenárias e a própria Casa. Como debatedor dos problemas da saúde demonstrou a experiência adquirida como secretário de saúde estadual, pró-reitor da UFRN, além de larga visão administrativa quando passou por postos diversos da vida pública. Na família Bezerra, da qual foi um dos expoentes, pontificaram ainda os saudosos “majó” Theodorico Bezerra (tio) e Aluízio Bezerra (irmão), Fernando Bezerra (irmão), Kleber Bezerra (primo), entre outros memoráveis nomes que se destacaram desde Santa Cruz, a Escola de Sagres, e se estenderam por todo o sertão do Trairí.
O ex-deputado Lauro Bezerra deixa viúva, Dona Luzi, com quem teve três filhos: Bianor, Solange e Suzana.