CINE-TEATRO
INDEPENDÊNCIA
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Há mais de sessenta anos passados, surgiu o Cine-Teatro Independência em
Macaíba, situado à rua Dr. Pedro Velho. Sua fachada era típica dos cinemas
interioranos. Uma bilheteria, uma entrada central para os assistentes rotulados
de primeira classe, e um portão de ferro lateral para os frequentadores da
segunda classe, que sentavam em bancos, sem encosto, perto da tela cujo
ingresso custava quinhentos reis. Era o local da plebe rude, de onde explodiam
peidos e bufas monumentais.
A exibição quase sempre era interrompida para uma fiscalização sanitária. Às
vezes, um líquido quente e mal cheiroso descia pelo declive do chão para regar
os pés de algum desprevenido, aqui e acolá. Palavrões e ameaças competiam com o
roteiro do filme, ao vivo. A sessão única começava às 20 horas. Antes, um
alto-falante fincado na janela externa superior do prédio desfilava
samba-canções e boleros de Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Chico Alves,
Linda e Durcinha Batista, chamando os aficionados da chamada sétima arte.
Lembro-me que, certa vez, a imensa boca de som quadrada, de madeira, despencou
lá de cima, caindo na cabeça de “Abafado”, apelido de um funcionário do cinema
que mostrou, com o acidente, a sua predestinação física. Antes do filme, era
comum o fervilhar na calçada de vendedores de pitomba, rolete de cana, laranja
e os famosos confeiteiros: drops, buzy, cigarros e chicletes que terminavam
grudados na cabeça dos meninos. De repente, oito da noite. As luzes do salão se
apagam. Três batidas sonorizadas e compassadas, acompanhadas de gritos
histéricos da platéia, indicavam o início da sessão. Vem, primeiramente, o
chamado “complemento” ou um desenho animado. Era o “jornal movietone” com
notícias estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, narradas em
português, focalizando a guerra na Coréia ou atrocidades do nazismo. Com o
tempo veio o canal de notícias brasileiro que sempre terminava mostrando um
clássico do campeonato carioca. Os assobios se intensificavam com a exibição
exaustiva de propagandas de outros filmes. Aí uma voz anônima e entendida
surgia do fundo do cinema: “O filme vai ser curto”, “Vi-se”, “Roubaram a
fita!”. Após o filme, começa a série e, mais um capítulo eletrizante para a
sofreguidão dos admiradores.
Da minha infância esse foi um mundo mágico, encantado, desaparecido. Relembro
tudo e todos. O velho prédio, que depois ainda nele funcionou o Cine Universal,
foi se desfigurando aos poucos: supermercado, loja de automóvel, Igreja Deus É
Amor, etc. Daquele tempo mítico, restou Manoel Corcino, seu antigo proprietário
que quando passa na rua, tal como a canção de Noel Rosa, faz “reclame” do
saudoso cine.
* escritor