sexta-feira, 17 de julho de 2020



CINE-TEATRO INDEPENDÊNCIA

Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com

Há mais de sessenta anos passados, surgiu o Cine-Teatro Independência em Macaíba, situado à rua Dr. Pedro Velho. Sua fachada era típica dos cinemas interioranos. Uma bilheteria, uma entrada central para os assistentes rotulados de primeira classe, e um portão de ferro lateral para os frequentadores da segunda classe, que sentavam em bancos, sem encosto, perto da tela cujo ingresso custava quinhentos reis. Era o local da plebe rude, de onde explodiam peidos e bufas monumentais.

A exibição quase sempre era interrompida para uma fiscalização sanitária. Às vezes, um líquido quente e mal cheiroso descia pelo declive do chão para regar os pés de algum desprevenido, aqui e acolá. Palavrões e ameaças competiam com o roteiro do filme, ao vivo. A sessão única começava às 20 horas. Antes, um alto-falante fincado na janela externa superior do prédio desfilava samba-canções e boleros de Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Chico Alves, Linda e Durcinha Batista, chamando os aficionados da chamada sétima arte.

Lembro-me que, certa vez, a imensa boca de som quadrada, de madeira, despencou lá de cima, caindo na cabeça de “Abafado”, apelido de um funcionário do cinema que mostrou, com o acidente, a sua predestinação física. Antes do filme, era comum o fervilhar na calçada de vendedores de pitomba, rolete de cana, laranja e os famosos confeiteiros: drops, buzy, cigarros e chicletes que terminavam grudados na cabeça dos meninos. De repente, oito da noite. As luzes do salão se apagam. Três batidas sonorizadas e compassadas, acompanhadas de gritos histéricos da platéia, indicavam o início da sessão. Vem, primeiramente, o chamado “complemento” ou um desenho animado. Era o “jornal movietone” com notícias estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, narradas em português, focalizando a guerra na Coréia ou atrocidades do nazismo. Com o tempo veio o canal de notícias brasileiro que sempre terminava mostrando um clássico do campeonato carioca. Os assobios se intensificavam com a exibição exaustiva de propagandas de outros filmes. Aí uma voz anônima e entendida surgia do fundo do cinema: “O filme vai ser curto”, “Vi-se”, “Roubaram a fita!”. Após o filme, começa a série e, mais um capítulo eletrizante para a sofreguidão dos admiradores. 

Da minha infância esse foi um mundo mágico, encantado, desaparecido. Relembro tudo e todos. O velho prédio, que depois ainda nele funcionou o Cine Universal, foi se desfigurando aos poucos: supermercado, loja de automóvel, Igreja Deus É Amor, etc. Daquele tempo mítico, restou Manoel Corcino, seu antigo proprietário que quando passa na rua, tal como a canção de Noel Rosa, faz “reclame” do saudoso cine.


* escritor

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