terça-feira, 13 de abril de 2021

 

Já para casa!
  1. Relembro: Machado de Assis (1839-1908) é o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, “O Bruxo do Cosme Velho”, esse mulato carioca, escreveu em quase todos os gêneros literários. Poesia, teatro, crônica, crítica literária, jornalismo e por aí vai, mas foi sobretudo no conto/novela e no romance que ele produziu obras-primas da literatura universal. A lista é enorme. A tríade de romances “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Quincas Borba” (1891) e “Dom Casmurro” (1899) está no pináculo da sua obra. As “Memórias”, na minha opinião, meia polegada acima. Questão de gosto, já digo, para evitar as polêmicas em que venho me metendo por estes dias.
    Mas, hoje, deixemos de lado os romances de Machado e nos concentremos no que seja talvez o seu mais famoso conto – que, na verdade, pela sua extensão e estrutura, está muito mais para uma novela –, “O Alienista”, de 1882.
    O protagonista do furdunço é o médico psiquiatra Simão Bacamarte (cujo nome é uma alusão à arma de fogo de antanho), renomado lá pelas bandas de Portugal e Espanha, que decide aplicar suas teorias na sua cidade natal, a pequena Itaguaí. São estudos sobre a loucura, suas classificações e seus níveis. Ele funda na cidade a Casa Verde, o seu manicômio. E vai enchendo-o de “loucos” de todo tipo, os vaidosos, os supersticiosos, os bajuladores, os indecisos e por aí vai. Parece aquele meme atribuído a Ariano Suassuna (1927-2014): “É tudo doido, homi!”. O alienista Bacamarte é celebrado. Um herói. Um mito. Mas, com o tempo, revoltas acontecem. Os Canjicas – os lúcidos ou loucos que se opõem ao alienista –, liderados pelo barbeiro Porfírio, fazem um levante. São vitoriosos. Mas Porfírio se alia a Bacamarte. O conselho local é substituído. Ocorre uma intervenção militar. Bacamarte volta ao poder. O critério da loucura muda. Os bons e os sãos são agora os “loucos”. Bacamarte, dentro da sua “ciência” própria, considera-se o único são da cidade. E interna-se sozinho no seu hospício. Morre anos depois, considerado o único louco/são da estória. E é enterrado em glória.
    Parte da coleção “Papéis Avulsos” (1892), “O Alienista” é uma obra-prima. Foi adaptado para o cinema e para a televisão. Foi reescrito pelas gerações futuras. E foi traduzido para outras línguas. Aliás, “O Alienista” é muitas vezes comparado a “The System of Doctor Tarr and Professor Fether” (1845), conto de humor negro de Edgar Allan Poe (1809-1849), sobre um hospício administrado pelos próprios internos, que, por sua vez, é às vezes interpretado como uma sátira política sobre a insensatez da democracia americana de então. “O Alienista” é uma brilhantura do nosso Bruxo, que, de louco, tinha muito pouco.
    Bom, e como podemos interpretar/atualizar “O Alienista” para os dias de hoje, com essa tragédia/loucura pandêmica sem precedentes que assola o nosso país?
    Como podemos enxergar “O Alienista” num mundo em que todos os cientistas (epidemiologistas, geneticistas, estatísticos, matemáticos, sociólogos, juristas, economistas e por aí vai) pregam num só sentido? Num mundo onde as autoridades sanitárias da OMS, OPAS, CDC, FDA, os governos da Alemanha, França, Reino Unido, EUA, Japão, Chile etc. pregam a mesma coisa? E esse sentido é: vacinar, usar máscara, fazer o isolamento social necessário, testar as pessoas, melhorar o serviço de saúde já colapsado, disponibilizar programas para as empresas sobreviverem e, muitíssimo importante, criar uma rede de auxílio econômico e social para os mais vulneráveis. Porque só assim evitaremos as mortes aos milhares. Porque só assim sairemos da pandemia. E também porque não há economia viável com a pandemia.
    E, em especial, onde e como podemos ver “O Alienista” num país, o nosso sofrido Brasil, em que um, ou uns poucos, pregam quase exatamente o contrário?
    Quem seria o Bacamarte de hoje, cujo apelido “armamentista”, quero acreditar, é mera coincidência, embora Machado fosse tido como “O Bruxo”? Minha pergunta direta é: quem vocês mandariam já para a Casa Verde?
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

 

SENTIMENTO TELÚRICO

 

Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

Certa vez, uma conversa num encontro social motivou  tema interessante ainda não suficientemente estudado. Quais os estados brasileiros bairristas, dotados de forte sentimento de teluricidade? No nordeste, à primeira vista, a Bahia, o Ceará e Pernambuco assumem e assomam o patamar dos notáveis. Pernambuco, por exemplo, existe o “senso de pernambucanidade”, permanente disposição afetiva e “patriótica” em defesa das coisas da terra, com tal entusiasmo e emoção que até parece religiosidade. Assim também se diz do bahiano e cearense que exageram seus intrínsecos valores de ordem intelectual, espiritual, consuetudinários e econômicos a extremos, ao ponto de menosprezar e hostilizar tudo que se refira as demais unidade federativas.

 

O médico e articulista Elmano Marques suscitou o assunto com relação as regiões e municípios do Rio Grande do Norte. Existe aqui comportamento bairrista e onde? De antemão, estabeleceu-se a premissa do potiguar não ser um telúrico como o gaúcho. Poderia sê-lo, posto que, motivações religiosas, culturais, históricas, econômicas, além de belezas naturais sem fim, constituírem o seu rico patrimônio universal de orgulho e auto-estima. Mas, quais os “bolsões” de bairrismo acendrado existentes? Natal primeiramente, assume essa identidade de cidadela querida e resguardada pelos seus habitantes? Pouco provável porque as opiniões são díspares. Que causas inibem a maioria dos natalenses em manifestar seu sentimento pela capital como fazem os cearenses, pernambucanos e bahianos? O problema é que quando assim procedem, se mostram tímidos, sob tensão de notório complexo de inferioridade. Bem, o que afirmo é uma impressão. Pode ser que outros não enxerguem assim.

 

Todavia, a razão de trazer à baila a discussão desse assunto é para suscitar entre os sociólogos, professores e pesquisadores sociais a elaboração de um trabalho ou de uma tese. Por que Mossoró é tida e havida como cidade bairrista? Que sentimentos alimentam o seu povo para assim se conduzirem? Emulação com Natal? Perscrutar a psique social é uma tarefa para os cientistas dessa área. A antropologia cultural, por outro lado, irá apreciar as características inerentes a cada homem no que tange aos costumes e as crenças, de par com outras ciências, a fim de determinar a teluricidade comportamental dos naturais de cada município ou região. Trata-se de apaixonante assunto que acredito interessar a todos os interioranos do Rio Grande do Norte. Macaíba, Parnamirim, Ceará-Mirim, São Gonçalo, que integram a região metropolitana preservam algum bairrismo? Ou a proximidade com a capital é motivo de dispersão ou de falência sentimental? O que dizer do Seridó, região mais hermética e de características sociais atípicas? E como a abordagem é perfunctória e indagativa, que outros ingredientes como o clima e o solo influem na formação do sentimento telúrico? Ficam as indagações para os estudiosos.

 

(*) Escritor

 

 

 

 

domingo, 11 de abril de 2021

 

·         Tempos polêmicos e doentios

Padre João Medeiros Filho

O Brasil contamina-se cada vez mais com polêmicas e radicalismos, acarretando desgaste emocional e desperdício de energias nos indivíduos. Desprezam-se oportunidades ricas de diálogos sensatos, capazes de ajudar na solução de vários problemas. A dificuldade em debater, de forma construtiva, tem revelado despreparo com o exercício das responsabilidades civis, profissionais e até religiosas. Isso não é novo. Na época de Jesus Cristo, seus concidadãos viviam psicologicamente armados. A animosidade reinava entre as províncias da Samaria e Judeia (cf. Lc 9, 52-53 e Jo 4, 9). As constantes diatribes com escribas, fariseus, saduceus e outras correntes eram análogas aos atuais embates ideológicos. Os evangelhos contêm várias alusões a esse tipo de comportamento. 

Verifica-se um descompasso entre as possibilidades científicas ou tecnológicas do Brasil contemporâneo e as contradições da sociedade. Esta se enfraquece, ainda mais, com lutas fratricidas, impactando sobre o exercício das diferentes atividades. Disso resulta a fragilização crescente das instituições. Na ausência de equilíbrio ético, psicológico, político e social, falta clareza às pessoas. Assim, prevalecem conveniências e acordos condenáveis, dificultando soluções adequadas. Nesse contexto, a capacidade de diálogo se debilita, travando a percepção da verdade e o exercício da justiça e solidariedade. Discernimento e consenso estão praticamente ausentes da convivência hodierna. O outro passa a ser inimigo, lembrando o pensamento de Sartre: “O inferno são os outros”. 

Atualmente, o país e os cidadãos vêm se nutrindo patologicamente de polêmicas. “Não se informa mais com objetividade e razoabilidade. Decide-se jogar mais lenha na fogueira”, advertiu o Papa Francisco, em uma de suas recentes audiências públicas. Hoje, as pessoas revelam-se incapazes de escutar e aceitar críticas que possam contribuir para a construção de dinâmicas renovadoras dos diferentes contextos. “Foi-se o contraditório, reina o ditatório”, desabafou o jurista Afonso Arinos, da tribuna do Senado, na década de 1970. Desprovidos de humildade, tangidos pela vaidade e empáfia, muitos se arrogam melhores do que realmente são.  

Nos dias atuais, julga-se açodadamente. Há pressa na emissão de juízos. Desconsideram-se as ponderações necessárias para interpretar adequadamente falas e fatos. Geralmente, não se analisa o porquê das coisas. As sentenças são quase imediatas, impulsionadas por ódio, preconceitos ou interesses duvidosos. Por isso, opiniões e pareceres distanciam-se da realidade e prejudicam inúmeros processos importantes. Daí, surgem obscurantismos e polarizações. Deste modo, as instituições vão definhando. E, consequentemente, os acontecimentos são banalizados na velocidade da mídia, sem análise responsável dos conteúdos e seus alcances. Valoriza-se mais o frenesi abusivo e alienante das redes sociais, ameaçando a saúde mental dos indivíduos e da nação.

Entre as consequências desse cenário estão a ausência de habilidade para se relacionar e a crescente violência. O lar está deixando de ser local de diálogo, tornando-se reduto de conflitos. “Muitas famílias reduzem-se a meros pensionatos”, como afirmava Dom Nivaldo Monte. Isso concorre para o adoecimento do país, somado à pandemia, que também se tornou escudo ou álibi para inépcia, ausência de honestidade e seriedade em muitos. Em artigo anterior, afirmamos que as imunizações são urgentes, não apenas para vencer o Sars-CoV-2, mas também para superar outras enfermidades, que podem levar ao colapso nacional, inclusive pessoas capitularem da vida.

A desorientação generalizada é sinal de que a estrutura da nação está abalada. É preciso fortalecer a dinâmica da fé. Jesus tranquilizou o leproso: “A tua fé te salvou” (Lc 17, 19). A recuperação do Brasil clama igualmente por uma solidez espiritual e mística. Diante da crescente morbidade das pessoas e instituições, urge buscar o remédio da espiritualidade. Evidentemente, não se deve abrir mão de outros remédios, mas a verdadeira religiosidade integra a terapêutica capaz de restabelecer a dimensão mais essencial do ser humano. Ela colabora para que o sentido da vida seja percebido. Igrejas e religiões precisam desenvolver dinâmicas e vivências que ajudem o país a recompor sua interioridade, superar situações depauperantes e intransigências que dissipam a paz. Torna-se imprescindível abandonar o hábito de sofismas e disputas cegas ou deletérias. É preciso insistir nas palavras do Mestre à samaritana: “Ah, se conhecesses o dom de Deus!” (Jo 4, 10).

 

Enviado do Yahoo Mail no Android

Nestes tempos em que as pessoas forjam comentários no whatsapp com coloração política disfarçada, vemos um artigo, magistralmente escrito pelo Padre João Medeiros, que preenche, com sabedoria, todos os espaços. Todos leiam e aprendam a se comportar.