quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

 O vaivém da Covid-19 

Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 


Podemos confiar que a variante ômicron é o arauto do fim da pandemia da Covid-19? Já ouvi essa opinião de leigos e de profissionais da área da saúde, inclusive de médicos. No entanto, é voz geral de que essa hipótese se deve ao alto índice do uso das vacinas. Pressupõe-se, portanto, que as benesses ficariam restritas aos países que conseguiram vacinar grande parte da população, ou seja, mais uma vez, as regiões mais pobres do planeta seriam as maiores vítimas. Um dos diretores da OMS Hans Kluge declarou que a variante ômicron estaria trazendo uma trégua, que pode resultar em uma paz duradoura na pandemia. Por outro lado, recomendou cautela no tocante à Covid-19, tanto na visão individual quanto na epidemiológica, pois esse coronavírus é capaz de surpreender a qualquer hora e em qualquer lugar.Sabe-se que a variante ômicron, apesar de ser muito mais transmissível do que as anteriores, causa formas clínicas mais leves da doença. Mesmo assim, vejamos o que disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus: “Mais transmissão significa mais mortes. Não estamos pedindo um retorno a lockdowns, mas que protejam seu povo usando todos os recursos disponíveis, não só vacinas”. Do ponto de vista epidemiológico, a ômicron nada tem de leve. É bastante olhar o caso do Brasil, onde a média móvel de mortes voltou ao nível da fase mais grave da doença, ao chegar a mais 1.000 óbitos diários. No âmbito mundial, ainda é mais assustador, pois chegamos a mais de 2 milhões de novos casos em apenas 24 horas. Nunca é demais insistir que os coronavírus não conferem a chamada imunidade natural. Há enorme variação entre a imunidade causada pela infecção de diferentes vírus. Tinha eu a idade de dois anos, quando passei por uma prova de fogo, pois quase que o sarampo me tirou a vida, mas fiquei livre dessa doença. Porém, quase todas as pessoas de mais idade, ao longo do tempo, já passaram por surtos de gripe, porquanto o vírus causador da influenza sofre mutações frequentes, o que exige vacinação frequente, no caso, anual. O Sars-Cov-2 não chega a ser tão mutante quanto o vírus da gripe, mas também não é estável, a ponto de conferir imunidade após uma infecção, como defendem alguns incautos. Enfim, temos de nos render à ciência, que descobriu vários tipos de vacina contra a Covid-19 em tempo recorde, e deverá prover avanços nessa área, a fim de chegar ao controle da primeira pandemia do século 21. Em recente crônica na Folha, o médico Raul Cutait, professor da USP, defensor da medicina científica, expressou seu ponto de vista no tocante às políticas públicas: “Creio ser dogmático o compromisso com as melhores práticas médicas, definidas pela boa ciência. Caso contrário, nossa população fica exposta a riscos de vida e de sofrimento, com dispêndio desnecessário dos já limitados recursos voltados para a saúde”. Texto publicado na Tribuna do Norte.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

 

ENCONTRO INESPERADO

 

Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com

 

Ela ainda guardava uma beleza aflita que não morre. De tudo quanto se esquece não pude esquecer o amor adolescente que havíamos vivido. Os seus braços ainda faziam lembrar meus cansaços e desatinos. Aquela mulher na fila comum do supermercado parecia que estava no estaleiro do tempo, estacionada nos 50 anos como se tivesse dissolvido a amargura das coisas. Os óculos escuros escondiam profundezas abissais de prazeres irrevelados e naufrágios conjugais. Ali estava plantada como uma árvore morta com raízes na minha alma. Ela que se tornara ausência em mim desde algum tempo, numa tarde morta de setembro. Não pude conter o ciúme retrospectivo. Apossou-se de mim, não mais que de repente, a fria solidão dos despossuídos.  A poeira do tempo começara a lacrimejaros olhos de perdidas lembranças. Onde, aquele corpo juvenil de dançarina de mambo, rosto de Silvana Mangano e quadris de Ninon Servilha? O bongô oculto da orquestra invisível de Perez Prado cometia o milagre de resplandecer ali, as suas formas em movimento, à luz do ocaso. Ah! Tanta imaginação fugidia e ela nem olhava prá mim! Não. Ela não me vira. Com certeza. Não seria tão fingida. Outra surpresa me estava reservada.

Como se tivesse saído da multidão dos seus personagens, um jovem alto, louro, enlaçou-a num abraço afetuoso e mágico, fazendo descer pelo declive sonhos e ilusões de tudo o que já fomos. Valeria a pena dizer o nome de quem amei? Ou repetir a estrofe “de quem eu gosto, nunca falo”?

Conhecia-a na noite perdida da memória do Pax Clube de minha terra. Era a garota do baile. Isso é tudo como identidade e currículo.

Sai quando ela cruzou a porta e se enfiou no carro com o jovem marido. Um riso antigo ainda pude colher, de soslaio, da boca sensual e conhecida. O sol e o ruído, lá fora, despertavam-me para a realidade. Tudo acontecia rápido e me impelia prosseguir na sobrevida da lembrança que o tempo não desfez. Procurei o meu carro no estacionamento solfejando o samba “Recado” que junto cantávamos procurando inventar o nosso mundo. “Você errou quando olhou pra mim. Uma esperança fez nascer em mim. Depois levou pra tão longe de nós, o seu olhar no meu, a sua voz”... Brumas, nada mais...

 

(*) Escritor

 

domingo, 13 de fevereiro de 2022

 



Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-06

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

UM DOMINGO DE PAZ E SOL

        Depois de uma sexta-feira diferenciada, que trovejou e alagou o primeiro andar da minha casa, com uma chuva diferente, o que nunca havia acontecido desde que a construí, Cotovelo (há mais de 30 anos), tudo volta à sua normalidade, permitindo retomada das atividades quase 100%, embora registrando alguns pequenos danos em ruas sem calçamento, um início de incêndio numa mercearia em frente ao Posto de Gasolina que, segundo comentam, teria sido o resultado de um raio.

        No sábado fui ao vale do Pium (já no território de Nísia Floresta), com Carlinhos para abastecimento da casa com frutas e legumes – tudo legal.

        Eis que chega o domingo e com ele a Paz e a claridade do Deus Sol, em toda a sua exuberância. Levantei-me cedo e deixei Carlos Neto hibernando no ar condicionado.

        Na varanda da casa tive a oportunidade de assistir a Missa na Igreja de Santa Luzia, celebrada pelo Padre Sidney, transmitida pela rádio web Mar e Campo, do nosso estimado amigo Octávio Lamartine. Em seguida, ainda emocionado com as mensagens recebidas fiz minhas comunicações, por celular, com o filho e filhas que momentaneamente não estão nesta querida praia, e o fiz com muita emoção, porque a religião nos oferece milagres espirituais.

        Um café farto feito por Carlinhos e Valéria, sem faltarem as costumeiras vitaminas de mamão com abacate, leite vegetal e fibras, depois um cafezinho feito na hora com fruta-pão e com o olhar pidão de Luma (nossa bulldog francês).

        Dando continuidade às minhas meditações, vislumbrei a minha mesa santuário, com os Santos da devoção da minha sempre saudosa Therezinha, cujo retrato ornamenta esse recanto sagrado, que tem em destaque uma pintura de Jesus orando e outra do Padre Pio e, em minha cadeira de balanço herdada da saudosa companheira, dei uma vista ao pequeno jardim e logo me deparo com o fiel beija-flor, cuja descendência há mais de 30 anos faz parte da geografia emocional do lugar e as cadeiras desarrumadamente dispostas, juntamente com as redes enroladas nos armadores, algumas bolas dispersas pelo chão e o sentir da brisa que nos premia neste recanto da casa. Em seguida fui beijar o mar, que estava com sargaço – coisas da fase da lua.

        Lembrei-me, então, daquela conhecida música – “Minha casa é tão bonita, que dá gosto a gente ver, tem varanda, tem jardim... minha casa que tem tudo, tanta coisa de valor, minha casa não tem nada [vivo só sem meu amor]”. Fiz adaptações à letra original de Minha Casa, de Joubert de Carvalho.

        Mas, domingo é dia de alegria – VIVA A VIDA.

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