sexta-feira, 1 de abril de 2022

 

SINGELA E ENCANTADORA MOÇA

Tomislav R. Femenick – Auditor Contábil

 

Cidade de São Paulo, uma sexta-feira qualquer, de um ano da primeira metade da década de 1980. Lá de cima – da janela de uma das salas da empresa de auditoria da qual era diretor – eu via o vai-e-vem e as paradas dos carros na Av. Paulista, naquela hora já congestionada. Estava tirando os “papéis de trabalho” de minha pasta, de um serviço que estivera fazendo em um cliente, quando o telefone tocou. Pela tocata, notei que era uma chamada interna. Era o sócio principal do escritório (estranho, não era a secretária), pedindo que eu largasse tudo e fosse até sua sala. 

Lá chegando, fui informado que um dos nossos maiores clientes nos tinha convidado para uma reunião urgente, às 19,30 horas daquele mesmo dia, em sua sede. Perguntei do que se tratava, pois, uma reunião àquela hora, num final de semana, era algo inusitado. Ele também não sabia. Disse apenas que profissionais de outras áreas também tinham sido convocados.

Ao chegarmos, fomos encaminhados à sala de reunião e lá nos deparamos com advogados, consultores financeiros, gerentes de departamentos e alguns familiares dos sócios: dois cunhados e dois irmãos. Em uma mesa havia whisky, gelo e alguns sanduíches. Instantes depois entrou o diretor-presidente. Cumprimentou todo mundo, pediu desculpas pelo importuno, ressaltou a importância do segredo para o fato que ele iria relatar e passou a explicar a situação.

Contou o seguinte: havia cerca de um mês, ele estava no Rio de Janeiro a negócio, hospedado em um determinado hotel e foi até o bar, tomar uns drinques antes do jantar. Lá encontrou uma moça, com quem começou a conversar. No dia seguinte, o encontro se repetiu e terminou acontecendo uma cena de amor. Ela se dizia comerciante em Goiana, casada, e se mostrava preocupada com aquela situação. No terceiro dia, ela apareceu sem o relógio e disse que o tinha quebrado ao descer de um táxi. Querendo ser simpático, o “amado amante” gentilmente se ofereceu para comprar um novo, ali mesmo na joalheria que existia no hotel. Comprou e deu a Nota Fiscal (que estava em seu nome) àquela singela e encantadora moça.

Todos nós entendemos o caso, mas não sabíamos por que estávamos naquela reunião e o que nós tínhamos a ver com isso aquilo tudo. Aí veio a explicação: “aquela singela e encantadora moça” estava exigindo dez mil dólares para não relevar tudo à sua esposa, exibindo o presente, a nota fiscal e a nota do cartão de crédito, que tinham ficado com ela, para fazer valer a garantia do relógio, se necessário fosse. O prazo de quinze dias, para o pagamento, se espirar-se-ia logo. Ele já tinha contratado um detetive particular para investigá-la, porém deu em nada. Era uma perfeita desconhecida.

Por outro lado, a sua esposa era bem conhecida pelos espasmos de violência, quando contrariada. Todo mundo sabia pelos menos três casos: enfrentou a diretoria de um colégio famoso, quando um dos seus filhos foi suspenso por indisciplina; discutiu no meio da rua, quando foi multada por um guarda de trânsito, e brigou com uma vizinha, até forçá-la a vender seu imóvel, para ali alojar sua irmã.

Ele nos deu meia hora para pensar na situação e sugerir o que fazer. Não foi preciso nem um minuto. Por unanimidade, sugerimos pagar a chantagem, desde que fosse no escritório de um dos advogados e gravando tudo, para que a vigarice não se reprisasse e, também, para que ele não repetisse a traição, com quem quer que fosse. Todos os profissionais presentes foram autorizados a cobrar as horas gastas na “consultoria”. Ninguém cobrou.

Passados alguns anos, de forma imprevista, encontrei-me com o já ex-cliente. Conversa para lá e para cá, perguntei como tinha terminado seu “affaire”. Respondeu-me rápido: “Minha ex-mulher traiu-me com o meu advogado, tive que sair de casa, a firma foi cindida, fiquei com a parte menor, e meus filhos acham que eu sou o culpado de tudo”.

 

Tribuna do Norte. Natal, 1º abr. 2022.

 


quinta-feira, 31 de março de 2022

 

Do caviar para a quiabada

BERILO DE CASTRO

Abrindo a minha página de e-mails, deparo-me com a boa crônica (como sempre) do jornalista, cronista Tomislav Femenick, intitulada de “Royal Salute, Caviar e Faisão”. A narrativa me fez lembrar de raspão de um episódio que aconteceu comigo no início da década de 1970.

Quando terminei o curso médico em 1969, fui fazer pós-graduação na cidade Santa Brasileira (das igrejas e dos seus terreiros de candomblés), Salvador/Bahia. Passei a residir no 5º andar do Hospital Universitário Professor Edgar Santos, no bairro do Canela, centro. Residência médica super aproveitável, bons ensinamentos e boas amizades.

Durante o período conheci pessoas simples, funcionários do Hospital, com as quais fiz boas e sinceras amizades e nunca me neguei a atendê-los quando necessitavam dos meus serviços.

Certo momento, devido a esses pequenos e cordiais atendimentos, fui convidado para um aniversário ou uma festinha na casa de uma funcionária do serviço de RX. Cheguei na hora combinada, irradiando alegria, por saber que estava sendo carinhosamente bem recebido por um pessoal simples e de amizade sincera.

Bom papo, conversa animada, foram servidas umas meladinhas, bebida semelhante à nossa caipirinha, que o baiano usa mel de abelha e faz a mistura girando com uns pauzinhos. Depois de algumas horas foi servido o jantar. O prato principal e único foi uma grande quiabada (prato predileto e muito especial da gastronomia baiana). O bendito foi posto na mesa central; cheirava mais do que


filho de barbeiro e babava mais do que epilético em forte crise de convulsão. O detalhe maior vem agora: não gosto, nem como quiabo, nem amarrado, nem sobre torturas fleuriana; ojerizo o babado do quiabo, o seu cheiro e o seu gosto me fazem arrepiar e nausear.

A atenção da anfitriã estava sempre voltada para o doutor, que aceitou o convite e estava alí presente para saborear o delicioso prato baiano.

Fui o primeiro a ser servido com muita gentileza e carinho pela própria aniversariante. Fez aquele prato digno  da fome de um trabalhador servente de construção, depois de tomar como aperitivo uma “senhora” lapada de 51.

A quiabada se espraiava até as beiradas do meu prato; recebi agradecido e comecei a imaginar o que fazer. Comecei a suar frio, empurrando, lentamente, a vara e a remo a danada de garganta abaixo, ao mesmo tempo enguiando a baba do quiabo. Quando menos espero, a amiga olha para o meu prato e diz: o doutor está adorando, espere aí que vou trazer mais um pouquinho! E voltou a aumentar o volume da quiabada no meu prato. Senti uma pontada no peito e uma vontade de sair correndo de porta afora a mil por minuto.

Com uma jogada de mestre e de mágico do Circo Nerino, fui me deslocando de fininho com o prato na mão; aproveitei um cantinho de parede e deixei a danada da quiabada, com saudade maiúscula da gostosa galinha torrada dos domingos que minha mãe Alice preparava.

 

A respeito dos vocábulos política e político

Padre João Medeiros Filho

Quando residia no Rio de Janeiro, vez por outra, encontrava no escritório da Editora Vozes o professor Junito de Souza Brandão. Foi um dos brasileiros mais versados em língua e literatura helênicas. Autor de uma obra notável sobre a mitologia grega. Transitava facilmente da semântica e etimologia do idioma de Aristóteles à filosofia pré-socrática. Discorria sobre a tragédia, a comédia e os arquétipos, objeto de estudos e pesquisas de psicanalistas e psicólogos. Com frequência, era convidado para ministrar cursos e palestras na Sociedade Junguiana do Rio de Janeiro.

A origem de nossos vocábulos era uma de suas paixões e preocupações. Discordava da definição de certos autores a respeito da palavra política. Insistia peremptoriamente ser ela derivada de “polis” – que significa cidade, em grego – e trata-se da arte correta da convivência social. Sua consequência é a Ética. Todo político deve ser um autêntico cidadão. Necessita estar familiarizado com os assuntos citadinos: linguagem, direitos, deveres, objetivos, problemas, possibilidades etc. Argumentava o professor Junito: “político, na sua essência, é alguém voltado para a cidade e não para um partido, que é apenas (etimológica e ontologicamente) parte.” A “polis” originária era configurada em oposição ao campo. O rurícola, por viver em grupos restritos e geralmente familiares, carece de uma visão mais ampla e diferenciada da vida em sociedade.

Segundo etimólogos, o adjetivo polido e o verbo polir derivam da mesma raiz “polis”. Portanto, o político deve ser detentor de polidez, educado, fino, urbano em palavras e atos. O que se nota muitas vezes é o contrário. Muitos deles são agressivos e radicais. Frequentemente, são aplaudidos, quando desfiam impropérios, atacam a honra alheia e procuram destruir a reputação dos outros. Não basta discordar, há que aniquilar o oponente, não importando os meios e métodos. De elegante o político passou a ser sinônimo de empedernido, obtuso ou recalcitrante. No entanto, deveria primar sempre pela urbanidade, sendo capaz de escutar, dialogar e buscar soluções em conjunto. Querer respostas para problemas sociais isoladamente, partindo apenas de um grupo (sem consenso), revela síndrome do autoritarismo e corrói as bases da democracia.

Segundo o professor Brandão, a “polis” opunha-se à cidadela (muralhas etc.), onde seus ocupantes encastelados permaneciam alienados sobre os verdadeiros assuntos e problemas urbanos, pois estavam totalmente focados na defesa contra ameaças de invasão. Em latim, existe o termo “civitas”, correspondente à palavra grega. Era o local dos civis (em oposição aos ocupantes das fortalezas), marcados pela civilidade. A verdadeira cidadania implica em conhecimento e vivência de atos civilizados. Mas, nem sempre acontece assim. Os políticos, por excelência, devem ser citadinos na mais genuína acepção do termo. Entretanto, desconhecem, não raro, as regras mais comezinhas do conviver, sentindo-se senhores (ou donos) e não participantes da vida social ou comunitária. A “polis” e a “civitas” nasceram como alternativa às cortes. Infelizmente, hoje, certos detentores de mandatos vivem como se nobres medievais fossem, tratando os concidadãos como seus vassalos. Há décadas, houve quem definisse o senado brasileiro como sendo o céu, em razão dos privilégios. Isto opõe-se ao Evangelho: “Vim para servir.” (Mc 10, 45). O professor Junito denomina tais pessoas sectários ou partidaristas.

Talvez, a leitura de Santo Agostinho nos ajude a entender melhor a realidade. Para ele, “a cidade é a reunião dos homens em comunhão de pensamentos e planos, unidos em função do bem-comum, dos anseios e objetivos humanos.” É importante sempre ter em mente o que proclama o salmista: “Se o Senhor não guardar a cidade, debalde vigiam as sentinelas.” (Sl 127, 1). Aliada à política deve vir a economia. Esta provém do termo grego “óikos+nómos”, que significa gerir uma casa. Isso confunde alguns que devem cuidar da cidade. A tentação de individualizar “casa” permeia o pensamento de muitos ocupantes de cargos públicos. Esquecem que “a nação ou província é a casa comum”, na expressão do Papa Francisco. Muitos exercem a política, pensando em administrar “a sua casa” (constituída apenas dos interesses pessoais, dos amigos e partidos, incluindo a sua ideologia). Convém lembrar as palavras do apóstolo Paulo: “Há uma diversidade de dons. Há diferentes atividades, mas tudo é dado para o bem de todos.” (1Cor 12, 4-7).

 

TAMBORES DE GUERRA E DE PAZ

 

Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com

 

Macaíba precisa ser considerada acima dos nomes que postulam a prefeitura e dos partidos. Acompanho, preocupado, a luta sucessória. Já se perdeu muito tempo com divergências e querelas paroquiais. Elas não levam a nada. Apenas alimentam vaidades. O município está empobrecido. A população deve cobrar dos seus agentes políticos propostas concretas e não promessas que resolvam problemas pontuais tais como: o das enchentes, o da saúde pública (Hospital Alfredo Mesquita), empregos, segurança, tráfico de rogas, educação, melhoria de vida das comunidades suburbanas e interioranas, além de outras ações voltadas para a cidadania.

Macaíba atravessa uma quadra atípica e grave de sua vida. Ela precisa de uma liderança que possa reordenar e comandar as ações políticas, governamentais em favor da população. Saí dessa atividade mas não deixo de me afligir como cidadão, eleitor, ex-prefeito, ex-deputado e filho de Macaíba. Onde estão os que arrecadaram votos na última eleição para senador, deputado federal e estadual que não cobram da governadora e do presidente a solução dos problemas? Por que os outros municípios da Grande Natal são atendidos e Macaíba não?

Tempos atrás, encontrei-me casualmente com a governadora e conversamos sobre Macaíba. Abordamos assuntos de natureza administrativa porque me são pertinentes e não os de características eleitorais. Visualizei para a chefe do executivo todas as carências que citei no início. Mas, reconheço que a tarefa não me cabe mais. Entendi que o apreço da governadora se constituiu numa deferência especial em função do meu passado político e por assimilar que o momento exige a participação e o somatório de todos que têm uma parcela de responsabilidade nos destinos de Macaíba.

Escrevo para pedir um momento de reflexão aos meus conterrâneos. E, por extensão, à classe política da terra de antepassados tão notáveis que não precisam ser mencionados. A defasagem no seu crescimento econômico é tão acentuada que qualquer administração convencional não recupera o tempo perdido. As ações governamentais, por isso, devem ser urgentes e estruturais. Nenhum município pode prescindir do apoio do governo do estado e nem este da presidência da república. Não temos recursos extras que possam ativar o desenvolvimento municipal. Daí ser preciso, inadiável, um pacto pelo desenvolvimento de todas as forças políticas e das classes produtoras, além de segmentos da cultura, da educação, da juventude, dos profissionais liberais pela salvação de Macaíba que dorme e geme num berço esplêndido. Comecem a bater os tambores do diálogo e da paz.

 

(*) Artigo Publicado no livro “INQUIETUDES” - 2004

 Clarice Lispector e Natal/RN (2) Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN No dia 29 de julho de 1944, Clarice Lispector deixou Natal, em voo para Lisboa. Foi uma viagem longa, com escalas na Libéria, no Congo e Dacar, só chegando a Lisboa em 02 de agosto. Em Lisboa, onde permaneceu por nove dias, manteve contato com escritores portugueses, entre os quais João Gaspar Simões e a poeta Natércia Freire. Seguiu em voo para Nápoles, com escalas e pernoites em Casablanca, no Marrocos, e em Argel, enfim, de Natal para Nápoles foram cerca de 25 dias de viagem. Em setembro de 1944, de Nápoles, Clarice escreveu para Lúcio Cardoso, e voltou ao tom depreciativo sobre a nossa querida cidade de Natal. Parece até que Clarice ficou de mau humor, desde que o marido Maury embarcou em Natal, a caminho de Nápoles. Vejamos o que ela escreveu em carta para as irmãs Elisa e Tânia, de Lisboa, a 7 de agosto de 1944: “Cheguei finalmente a Lisboa. Não me agradou. Eu pensava encontrar coisa diferente. O Rio é milhões de vezes mais bonito e mais cidade. Os portugueses são paus. As portuguesas não se vestem bem, têm todas (...) e rosto meio duro. Estou chateada aqui”. Mais adiante, ela revela seu cansaço e seu estado de humor: “gostaria de estar aí com vocês ou com o Maury. O mundo todo é ligeiramente chato, parece”. A cidade de Natal aparece poucas vezes e de forma pontual, na obra de Clarice Lispector. Na sua passagem por aqui, se ela tivesse mantido contato com escritores potiguares, a exemplo de Palmyra Wanderley e de Câmara Cascudo, talvez a cidade de Natal tivesse recebido diferente atenção e respeito. Trago hoje um belo depoimento de uma colega médica, confreira da Academia de Medicina do RN, Emília Trigueiro. Em 1976/77, Emília, já aluna do curso médico, gostava de passar férias no Rio de Janeiro, em casa de parentes, os quais residiam no Leme, na rua Gustavo Sampaio, 88, no mesmo prédio onde morava Clarice Lispector. Segue o resumo do belo texto que Emília me enviou, após a leitura de crônicas minhas sobre C. Lispector: “Eis um depoimento que ficou guardado na minha memória, ao longo desses anos, e que agora aflorou com os seus escritos. Era pelos idos de 1976/77. No elevador, encontrei uma mulher esbelta e alta, toda vestida de preto, boca de um batom escarlate, olhar fuzilante e inquisidor. Nesta primeira vez ousei dirigir um bom dia tímido. Confesso que inicialmente tive receio, senão mesmo medo de a incomodar, e me veio dúvidas de entrar ou não no elevador naquele momento, mas o fiz. Éramos apenas as duas. Permaneci quieta, mas sentindo-me observada. Esse foi o primeiro de outros encontros fortuitos no elevador. Aquele sentimento de receio e medo foi logo substituído pelo de admiração. E de honra por estar ao lado da grande Clarice Lispector, ainda que por poucos minutos, na celeridade de uma subida ou descida de elevador. Fosse hoje, arriscaria um pequeno diálogo, e teria bem mais para contar”. Texto publicado na Tribuna do

 

AMIGOS FAZEM FALTA

Tomislav R. Femenick – Jornalista

 

Quando eu era repórter do Jornal de Alagoas, Maceió era uma cidade pequena, com algo em torno de cem mil habitantes. Poucas eram as notícias que não se originavam na própria província. Como eu morava perto do Hotel Atlântico, criei o hábito de passar por lá para saber dos hóspedes do que era, então, um dos melhores hotéis da terra dos marechais.

Um dia, vendo o livro de registro, deparei-me com um nome, José Pancetti.

– Seu Miranda, qual o quarto desse hóspede? - Perguntei.

– Ah! É um pintor de paredes. Está no porão – Foi a resposta.

Só que Pancetti era um dos maiores artistas plásticos do Brasil. Fiz uma entrevista com ele e me transformei no descobridor de Pancetti, em Alagoas. Esse foi o início do meu convívio com os artistas da pintura. Depois estreitei meu relacionamento com Pierre Chalita, Maria Tereza e outros “pratas” alagoanos. De lá para cá sempre procurei cultivar o convívio com esses seres tocados pelo dom de captar instantes de vida ou dos outros seres, dando-lhes realce e cor com uma simples pincelada. Até Goreth, minha mulher, era pintora.

Mas, voltemos à história. Retornando para o Rio Grande do Norte, fui morar na minha cidade, Mossoró. Entretanto sempre vinha a Natal, onde conheci e fiz amizade com Newton Navarro. Em uma manhã de um dia de outubro de um ano que já vai longe, 1961, estávamos eu e Newton tomando uns chopes na Confeitaria Cirne, ali na João Pessoa, no Grande Ponto, o ponto onde tudo acontecia ou onde tudo era comentado em Natal, quando ele me apresentou a duas figuras que, como ele, pontificam na história da cultura do Rio Grande do Norte: Veríssimo de Melo e Dorian Gray Caldas. Com aquela sua peculiar capacidade de descrever as coisas com um simples rompente verbal, Newton foi sintético no descrever dos personagens:

– Dorian pinta com cores encantadas que eu gostaria de copiar. Veríssimo escreve com saberes que eu gostaria de saber dizer.

Como é próprio a uma mesa de bar, a conversa fluiu fácil e solta. Navarro queria que eu, um jovem repórter, escrevesse um romance, tendo como pano de fundo as salinas de minha terra. Dorian disse que faria as ilustrações, pois um livro desses haveria de ter muitas imagens fortes. Por sua vez, Vivi, antecipadamente, comprometeu-se a escrever o prefácio de um livro que não existia, dizendo, mais ou menos, que começaria assim: “A força dos homens sempre está na sua disposição de luta, ainda mais quando...

O livro nunca foi escrito, o prédio da Confeitaria Cirne hoje é ocupado por uma loja, Newton virou nome de ponte e, como ele, Veríssimo e Dorian não estão mais entre nós. Deles tenho a lembrança, a saudade e os seus livros autografados que ganhei naquele dia; “O solitário vento de verão” e “Cantadores de viola”. Quando vejo as obras de Dorian sempre me curvo perante aquelas cores de que Navarro falava. Cores vivas ou pastéis, mas que expressam um estado de sentimento; que fazem a interface entre o artista e o público. Cores do Nordeste, cores do Rio Grande do Norte. Cores de Dorian Gray Caldas. Seu vermelho ocre, seu verde cambiante, seu amarelo entremeado de uma variedade quase infinita de tons laranja e avermelhados e seu azul, vezes fulgente e outras quase mórbido, constroem um mundo de uma beleza que é só dele, o artista que extravasa talento, que disciplina a técnica para que ela não iniba a sensibilidade de quem, além de pintor, era escultor, tapeceiro, escritor, poeta, imortal e meu amigo por quase meio século.

Todos já partiram para o campo dos lírios do Senhor; somente eu ainda estou por aqui. Como era bom ter amigos desse naipe.

Tribuna do Norte. Natal, 25 mar. 2022

 



THEREZINHA ROSSO GOMES

TRÊS ANOS DE SAUDADE

            É um dito popular – Nunca morre quem é lembrado. Isso se confirma com a pranteada criatura de Deus, que virou estrela em 31 de março 2019.

            Somente quem vive essa passagem tem a dimensão da importância das pessoas que convivem no seio da família – o sorriso permanente, o humor, a gentileza, a bondade, a referência, a harmonia, a companhia, a cumplicidade, o amor – e se mais mundo houvera lá chegara.

            Tivestes da flor o melhor perfume

 Hoje ausente do meu jardim

            Esperança que em qualquer instante

 Retornes sorrindo para mim.

        Enviada a este mundo numa missão  

Zodíaco do destino meu       

           Iluminando sempre meu caminho            

Nas noites de infinito breu.

          Haverás de ser sempre a estrela guia

              Até que em breve termine o nosso adeus.

            Não sou poeta e somente a força do amor é capaz de, num imenso esforço, tentar enviar para ti, em versos, toda a saudade, toda a lembrança, toda a tristeza que sinto por não estás aqui.

UM BEIJO DAQUELE QUE A AMOU INCONDICIONALMENTE POR 71 ANOS, MAS CONTINUA NO MUNDO DA ESPIRITUALIDADE, SEU PRETO, CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES.

                

quarta-feira, 30 de março de 2022

 

Novas Cartas de Cotovelo – OUTONO de 2022-11

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

 

                Terminou o verão com grandes águas de março. O dia de São José apontou a possibilidade de um bom inverno, o que parece se concretizar com sucessivas e constantes chuvas que estão caindo, em volume considerável. É mais do que o tempo para a revisão de telhados, tirando goteiras e outras mazelas comuns no inverno que se aproxima.

         Na minha morada de Cotovelo tudo vai muito bem, não fosse o lamaceiro da rua, por minha culpa, que em frente a casa coloquei uma carrada de barro, de difícil absorção das águas da chuva.

         Infelizmente, o mesmo não acontece com a minha outra morada de Natal, no Barro Vermelho, cujo nome corresponde ao fato do seu solo e empoçamento das águas pluviais, quase impermeabilizando o solo e exigindo a colocação de drenos de esgotamento para não acontecer alagamentos na casa, construída em terreno com declive.

         A propósito, a Prefeitura de Natal fez uma vistoria do imóvel e me obrigou a assinar um TAC para que eu fechasse as saídas dessas águas para a rua, visando o seu aproveitamento no lençol freático. Logo nas primeiras chuvas fui forçado a desobstruir esses drenos, pois a dificuldade de absorção do terreno de barro criou um excesso que ameaçou o apavorante alagamento, como já ocorrera num passado remoto, eis que a construção data do ano de 1966, antes de existir a tal lei invocada para as posturas de construção, a qual, em meu sentir não pode ter efeito ex-tunc, pois assim, todas as casas antigas, inclusive os prédios históricos como o Palácio da Cultura, Quarteis militares, Igrejas e a própria sede da Prefeitura teriam de ser readaptados às novas regras, o que não aconteceu. Sobrou prá mim???

         Certamente o entendimento da Prefeitura merece ser revisado, pois nenhum sumidouro terá a capacidade de resolver o problema, pelo motivo declinado – a qualidade do solo.

         É princípio fundamental do Direito, que a lei não pode retroagir para prejudicar. Vamos tentar uma solução racional pela via administrativa ou temos que judicializar a questão, tirando o sossego de um ancião de 83 anos, com 53 anos de residência no mesmo imóvel.