Do caviar
para a quiabada
BERILO DE CASTRO
Abrindo a minha
página de e-mails, deparo-me com a boa crônica (como sempre) do jornalista,
cronista Tomislav Femenick, intitulada de
“Royal Salute, Caviar e Faisão”. A narrativa me fez lembrar de raspão de um
episódio que aconteceu comigo no início da década de 1970.
Quando
terminei o curso médico em 1969, fui fazer pós-graduação na cidade Santa
Brasileira (das igrejas
e dos seus terreiros de candomblés), Salvador/Bahia. Passei a residir no 5º andar do Hospital
Universitário Professor Edgar Santos,
no bairro do Canela, centro.
Residência médica super
aproveitável, bons ensinamentos e boas amizades.
Durante o período conheci pessoas simples, funcionários
do Hospital, com as quais fiz boas e sinceras
amizades e nunca
me neguei a atendê-los quando
necessitavam dos meus serviços.
Certo
momento, devido a esses pequenos e cordiais
atendimentos, fui convidado para um aniversário ou uma festinha
na casa de uma funcionária do serviço de RX.
Cheguei na hora combinada, irradiando alegria, por saber que estava sendo carinhosamente bem recebido por um pessoal simples e de amizade sincera.
Bom papo,
conversa animada, foram
servidas umas meladinhas, bebida semelhante à nossa caipirinha, só que o baiano
usa mel de abelha e faz a mistura girando com uns pauzinhos. Depois de algumas horas foi servido o jantar. O prato
principal e único
foi uma grande
quiabada (prato predileto e muito especial
da gastronomia baiana).
O bendito foi posto na mesa central;
cheirava mais do que
filho de barbeiro e babava mais do que epilético em forte crise de convulsão. O detalhe maior vem
agora: não gosto, nem como quiabo, nem amarrado, nem sobre torturas
fleuriana; ojerizo o babado do quiabo, o seu cheiro e o seu
gosto me fazem arrepiar e nausear.
A atenção
da anfitriã estava
sempre voltada para o
doutor, que aceitou o convite e estava alí presente para saborear o delicioso prato baiano.
Fui o primeiro a ser servido
com muita gentileza e carinho pela própria aniversariante. Fez aquele prato digno da
fome de um trabalhador servente de construção,
depois de tomar como aperitivo uma
“senhora” lapada de 51.
A
quiabada se espraiava até as beiradas do meu prato; recebi agradecido e comecei a imaginar o que fazer.
Comecei a suar frio, empurrando, lentamente, a vara e a remo a danada
de garganta abaixo,
ao mesmo tempo
enguiando a baba do quiabo.
Quando menos espero,
a amiga olha para o meu prato e diz: o doutor está adorando, espere aí que vou trazer mais um pouquinho!
E voltou a aumentar o volume da quiabada no meu prato. Senti uma pontada no peito e uma vontade de sair
correndo de porta afora a mil por
minuto.
Com uma jogada de mestre e de mágico
do Circo Nerino, fui me
deslocando de fininho com o prato na mão; aproveitei
um cantinho de parede e deixei a danada da quiabada, com saudade maiúscula da gostosa galinha torrada dos
domingos que minha mãe Alice
preparava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário