SINGELA E ENCANTADORA MOÇA
Tomislav R.
Femenick – Auditor Contábil
Cidade de São
Paulo, uma sexta-feira qualquer, de um ano da primeira metade da década de 1980.
Lá de cima – da janela de uma das salas da empresa de auditoria da qual era
diretor – eu via o vai-e-vem e as paradas dos carros na Av. Paulista, naquela
hora já congestionada. Estava tirando os “papéis de trabalho” de minha pasta,
de um serviço que estivera fazendo em um cliente, quando o telefone tocou. Pela
tocata, notei que era uma chamada interna. Era o sócio principal do escritório
(estranho, não era a secretária), pedindo que eu largasse tudo e fosse até sua
sala.
Lá chegando, fui
informado que um dos nossos maiores clientes nos tinha convidado para uma
reunião urgente, às 19,30 horas daquele mesmo dia, em sua sede. Perguntei do
que se tratava, pois, uma reunião àquela hora, num final de semana, era algo
inusitado. Ele também não sabia. Disse apenas que profissionais de outras áreas
também tinham sido convocados.
Ao chegarmos,
fomos encaminhados à sala de reunião e lá nos deparamos com advogados,
consultores financeiros, gerentes de departamentos e alguns familiares dos
sócios: dois cunhados e dois irmãos. Em uma mesa havia whisky, gelo e alguns
sanduíches. Instantes depois entrou o diretor-presidente. Cumprimentou todo
mundo, pediu desculpas pelo importuno, ressaltou a importância do segredo para
o fato que ele iria relatar e passou a explicar a situação.
Contou
o seguinte: havia cerca de um mês, ele estava no Rio de Janeiro a negócio,
hospedado em um determinado hotel e foi até o bar, tomar uns drinques antes do
jantar. Lá encontrou uma moça, com quem começou a conversar. No dia seguinte, o
encontro se repetiu e terminou acontecendo uma cena de amor. Ela se dizia
comerciante em Goiana, casada, e se mostrava preocupada com aquela situação. No
terceiro dia, ela apareceu sem o relógio e disse que o tinha quebrado ao descer
de um táxi. Querendo ser simpático, o “amado amante” gentilmente se ofereceu
para comprar um novo, ali mesmo na joalheria que existia no hotel. Comprou e
deu a Nota Fiscal (que estava em seu nome) àquela singela e encantadora moça.
Todos
nós entendemos o caso, mas não sabíamos por que estávamos naquela reunião e o
que nós tínhamos a ver com isso aquilo tudo. Aí veio a explicação: “aquela
singela e encantadora moça” estava exigindo dez mil dólares para não relevar
tudo à sua esposa, exibindo o presente, a nota fiscal e a nota do cartão de
crédito, que tinham ficado com ela, para fazer valer a garantia do relógio, se
necessário fosse. O prazo de quinze dias, para o pagamento, se espirar-se-ia
logo. Ele já tinha contratado um detetive particular para investigá-la, porém
deu em nada. Era uma perfeita desconhecida.
Por
outro lado, a sua esposa era bem conhecida pelos espasmos de violência, quando
contrariada. Todo mundo sabia pelos menos três casos: enfrentou a diretoria de
um colégio famoso, quando um dos seus filhos foi suspenso por indisciplina;
discutiu no meio da rua, quando foi multada por um guarda de trânsito, e brigou
com uma vizinha, até forçá-la a vender seu imóvel, para ali alojar sua irmã.
Ele
nos deu meia hora para pensar na situação e sugerir o que fazer. Não foi
preciso nem um minuto. Por unanimidade, sugerimos pagar a chantagem, desde que
fosse no escritório de um dos advogados e gravando tudo, para que a vigarice
não se reprisasse e, também, para que ele não repetisse a traição, com quem
quer que fosse. Todos os profissionais presentes foram autorizados a cobrar as
horas gastas na “consultoria”. Ninguém cobrou.
Passados
alguns anos, de forma imprevista, encontrei-me com o já ex-cliente. Conversa
para lá e para cá, perguntei como tinha terminado seu “affaire”. Respondeu-me
rápido: “Minha ex-mulher traiu-me com o meu advogado, tive que sair de casa, a
firma foi cindida, fiquei com a parte menor, e meus filhos acham que eu sou o
culpado de tudo”.
Tribuna do Norte. Natal, 1º abr. 2022.
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