A respeito dos
vocábulos política e político
Padre João Medeiros
Filho
Quando residia no Rio de Janeiro, vez por outra,
encontrava no escritório da Editora Vozes o professor Junito de Souza Brandão.
Foi um dos brasileiros mais versados em língua e literatura helênicas. Autor de
uma obra notável sobre a mitologia grega. Transitava facilmente da semântica e
etimologia do idioma de Aristóteles à filosofia pré-socrática. Discorria sobre
a tragédia, a comédia e os arquétipos, objeto de estudos e pesquisas de
psicanalistas e psicólogos. Com frequência, era convidado para ministrar cursos
e palestras na Sociedade Junguiana do Rio de Janeiro.
A origem de nossos vocábulos era uma de suas paixões e
preocupações. Discordava da definição de certos autores a respeito da palavra
política. Insistia peremptoriamente ser ela derivada de “polis” – que significa
cidade, em grego – e trata-se da arte correta da convivência social. Sua
consequência é a Ética. Todo político deve ser um autêntico cidadão. Necessita
estar familiarizado com os assuntos citadinos: linguagem, direitos, deveres, objetivos,
problemas, possibilidades etc. Argumentava o professor Junito: “político, na
sua essência, é alguém voltado para a cidade e não para um partido, que é
apenas (etimológica e ontologicamente) parte.” A “polis” originária era
configurada em oposição ao campo. O rurícola, por viver em grupos restritos e
geralmente familiares, carece de uma visão mais ampla e diferenciada da vida em
sociedade.
Segundo etimólogos, o adjetivo polido e o verbo polir
derivam da mesma raiz “polis”. Portanto, o político deve ser detentor de polidez,
educado, fino, urbano em palavras e atos. O que se nota muitas vezes é o contrário.
Muitos deles são agressivos e radicais. Frequentemente, são aplaudidos, quando
desfiam impropérios, atacam a honra alheia e procuram destruir a reputação dos
outros. Não basta discordar, há que aniquilar o oponente, não importando os
meios e métodos. De elegante o político passou a ser sinônimo de empedernido,
obtuso ou recalcitrante. No entanto, deveria primar sempre pela urbanidade, sendo
capaz de escutar, dialogar e buscar soluções em conjunto. Querer respostas para
problemas sociais isoladamente, partindo apenas de um grupo (sem consenso), revela
síndrome do autoritarismo e corrói as bases da democracia.
Segundo o professor Brandão, a “polis” opunha-se à
cidadela (muralhas etc.), onde seus ocupantes encastelados permaneciam
alienados sobre os verdadeiros assuntos e problemas urbanos, pois estavam totalmente
focados na defesa contra ameaças de invasão. Em latim, existe o termo
“civitas”, correspondente à palavra grega. Era o local dos civis (em oposição
aos ocupantes das fortalezas), marcados pela civilidade. A verdadeira cidadania
implica em conhecimento e vivência de atos civilizados. Mas, nem sempre
acontece assim. Os políticos, por excelência, devem ser citadinos na mais
genuína acepção do termo. Entretanto, desconhecem, não raro, as regras mais
comezinhas do conviver, sentindo-se senhores (ou donos) e não participantes da
vida social ou comunitária. A “polis” e a “civitas” nasceram como alternativa
às cortes. Infelizmente, hoje, certos detentores de mandatos vivem como se
nobres medievais fossem, tratando os concidadãos como seus vassalos. Há décadas,
houve quem definisse o senado brasileiro como sendo o céu, em razão dos
privilégios. Isto opõe-se ao Evangelho: “Vim
para servir.” (Mc 10, 45). O professor Junito denomina tais pessoas
sectários ou partidaristas.
Talvez, a leitura de Santo Agostinho nos ajude a entender
melhor a realidade. Para ele, “a cidade é a reunião dos homens em comunhão
de pensamentos e planos, unidos em
função do bem-comum, dos anseios e objetivos humanos.” É importante sempre
ter em mente o que proclama o salmista: “Se o Senhor não guardar a cidade,
debalde vigiam as sentinelas.” (Sl 127, 1). Aliada à política deve vir a
economia. Esta provém do termo grego “óikos+nómos”, que significa gerir uma
casa. Isso confunde alguns que devem cuidar da cidade. A tentação de
individualizar “casa” permeia o pensamento de muitos ocupantes de cargos
públicos. Esquecem que “a nação ou província é a casa comum”, na
expressão do Papa Francisco. Muitos exercem a política, pensando em administrar
“a sua casa” (constituída apenas dos interesses pessoais, dos amigos e
partidos, incluindo a sua ideologia). Convém lembrar as palavras do apóstolo
Paulo: “Há uma diversidade de dons. Há diferentes atividades, mas tudo é
dado para o bem de todos.” (1Cor 12, 4-7).
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