quinta-feira, 31 de março de 2022

 

A respeito dos vocábulos política e político

Padre João Medeiros Filho

Quando residia no Rio de Janeiro, vez por outra, encontrava no escritório da Editora Vozes o professor Junito de Souza Brandão. Foi um dos brasileiros mais versados em língua e literatura helênicas. Autor de uma obra notável sobre a mitologia grega. Transitava facilmente da semântica e etimologia do idioma de Aristóteles à filosofia pré-socrática. Discorria sobre a tragédia, a comédia e os arquétipos, objeto de estudos e pesquisas de psicanalistas e psicólogos. Com frequência, era convidado para ministrar cursos e palestras na Sociedade Junguiana do Rio de Janeiro.

A origem de nossos vocábulos era uma de suas paixões e preocupações. Discordava da definição de certos autores a respeito da palavra política. Insistia peremptoriamente ser ela derivada de “polis” – que significa cidade, em grego – e trata-se da arte correta da convivência social. Sua consequência é a Ética. Todo político deve ser um autêntico cidadão. Necessita estar familiarizado com os assuntos citadinos: linguagem, direitos, deveres, objetivos, problemas, possibilidades etc. Argumentava o professor Junito: “político, na sua essência, é alguém voltado para a cidade e não para um partido, que é apenas (etimológica e ontologicamente) parte.” A “polis” originária era configurada em oposição ao campo. O rurícola, por viver em grupos restritos e geralmente familiares, carece de uma visão mais ampla e diferenciada da vida em sociedade.

Segundo etimólogos, o adjetivo polido e o verbo polir derivam da mesma raiz “polis”. Portanto, o político deve ser detentor de polidez, educado, fino, urbano em palavras e atos. O que se nota muitas vezes é o contrário. Muitos deles são agressivos e radicais. Frequentemente, são aplaudidos, quando desfiam impropérios, atacam a honra alheia e procuram destruir a reputação dos outros. Não basta discordar, há que aniquilar o oponente, não importando os meios e métodos. De elegante o político passou a ser sinônimo de empedernido, obtuso ou recalcitrante. No entanto, deveria primar sempre pela urbanidade, sendo capaz de escutar, dialogar e buscar soluções em conjunto. Querer respostas para problemas sociais isoladamente, partindo apenas de um grupo (sem consenso), revela síndrome do autoritarismo e corrói as bases da democracia.

Segundo o professor Brandão, a “polis” opunha-se à cidadela (muralhas etc.), onde seus ocupantes encastelados permaneciam alienados sobre os verdadeiros assuntos e problemas urbanos, pois estavam totalmente focados na defesa contra ameaças de invasão. Em latim, existe o termo “civitas”, correspondente à palavra grega. Era o local dos civis (em oposição aos ocupantes das fortalezas), marcados pela civilidade. A verdadeira cidadania implica em conhecimento e vivência de atos civilizados. Mas, nem sempre acontece assim. Os políticos, por excelência, devem ser citadinos na mais genuína acepção do termo. Entretanto, desconhecem, não raro, as regras mais comezinhas do conviver, sentindo-se senhores (ou donos) e não participantes da vida social ou comunitária. A “polis” e a “civitas” nasceram como alternativa às cortes. Infelizmente, hoje, certos detentores de mandatos vivem como se nobres medievais fossem, tratando os concidadãos como seus vassalos. Há décadas, houve quem definisse o senado brasileiro como sendo o céu, em razão dos privilégios. Isto opõe-se ao Evangelho: “Vim para servir.” (Mc 10, 45). O professor Junito denomina tais pessoas sectários ou partidaristas.

Talvez, a leitura de Santo Agostinho nos ajude a entender melhor a realidade. Para ele, “a cidade é a reunião dos homens em comunhão de pensamentos e planos, unidos em função do bem-comum, dos anseios e objetivos humanos.” É importante sempre ter em mente o que proclama o salmista: “Se o Senhor não guardar a cidade, debalde vigiam as sentinelas.” (Sl 127, 1). Aliada à política deve vir a economia. Esta provém do termo grego “óikos+nómos”, que significa gerir uma casa. Isso confunde alguns que devem cuidar da cidade. A tentação de individualizar “casa” permeia o pensamento de muitos ocupantes de cargos públicos. Esquecem que “a nação ou província é a casa comum”, na expressão do Papa Francisco. Muitos exercem a política, pensando em administrar “a sua casa” (constituída apenas dos interesses pessoais, dos amigos e partidos, incluindo a sua ideologia). Convém lembrar as palavras do apóstolo Paulo: “Há uma diversidade de dons. Há diferentes atividades, mas tudo é dado para o bem de todos.” (1Cor 12, 4-7).

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