"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (IX) - Dra. Lúcia Capanema
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3.2 Greves e Paralisações
Em pouco tempo, como era de se esperar, mobilizações, paralisações e greves começaram a eclodir nas obras dos estádios e outras obras de infraestrutura. Até abril de 2012, foram registadas cerca de 18 paralisações em oito dos 12 estádios que serã o usados para a Copa: Belo Horizonte, Brasí lia, Cuiabá , Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro. Em Salvador, houve ameaça de paralisação nas obras do estádio Fonte Nova.
TABELA – AS GREVES NOS ESTÁDIOS DA COPA
Estádio Dias parados Construtoras responsáveis
Arena Amazonas/AM 1 Andrade Gutierrez
Arena das Dunas/RN 13 (em greve no dia 13/4/12) OAS
Arena Fonte Nova/BA 4 (em greve no dia 13/4/12)) Odebrecht e OAS
Arena Pernambuco/PE 17 Odebrecht
Castelão/CE 13 (em greve no dia 13/4/12)) Consórcio Galvão, Serveng e BWA
Estádio Nacional/DF 10 Andrade Gutierrez e Via Engenharia
Maracanã/RJ 24 Odebrecht, Andrade Gutierrez e Delta
Mineirão/MG 10 Construcap, Egesa e Hap
Total 92
Em todos os movimentos, a pauta de reivindicações incluía pelo menos alguns dos seguintes aspectos: aumento salarial, melhoria nas condições de trabalho (em especial no que se refere às condições de segurança, salubridade e alimentação), aumento do pagamento para horas extras, fi m do acúmulo de tarefas e de jornadas de trabalho desumanamente prolongadas, assim como concessão de benefícios – plano de saúde, auxílio alimentação, garantia de transporte, entre outros(22).
A imprensa tem repercutido, em diferentes estados, as denúncias de trabalhadores de que estão sendo sobrecarregados e super-explorados em função de cronogramas apertados e irreais, e de supostos atrasos nas obras. Também recorrente tem sido a manifestação de indignação com o pagamento de salários abaixo da média justamente nas obras--vitrines da Copa – os estádios –, obras que envolvem orçamentos fartos e, na maioria das vezes, pouco controlados(23).
22 Ver anexo ‘Greves em obras dos estádios para a Copa de 2014’.
23 Idem.
Casos de repressão e intimidação aos movimentos grevistas foram registrados.
Em dois estados – Pernambuco e Rio de Janeiro – e no Distrito Federal, as empresas recorreram à Justiça em tentativas de criminalizar a atuação dos sindicatos. Em pelo menos dois casos – Brasília e Pernambuco –, demissões arbitrárias e ilegais de funcionários ligados aos sindicatos grevistas foram denunciadas. Em Pernambuco, trabalhadores denunciaram a atuação truculenta e parcial das forças policiais, que tentaram inviabilizar as mobilizações sindicais(24).
Nas obras da Arena de Manaus, também, o Ministério Público do Trabalho investiga neste momento denúncia de mais de 500 trabalhadores sobre assédio moral.
Em Porto Alegre, houve paralisação na Arena do Grêmio. Embora não estejam previstos jogos da Copa nesse estádio, merece aqui destaque em virtude da morte por atropelamento de um operário, contratado pela empresa OAS. Em meio aos protestos, começou um incêndio no alojamento dos operários, a cerca de 200 metros do local do acidente(25).
As obras em Porto Alegre chegaram a ser interditadas pelo Ministério do Trabalho devido às condições insalubres.
Embora tenha ido visitar as obras do Mineirão, durante a greve dos operários, em 16 de setembro de 2011, a presidente Dilma Roussef não se encontrou com os trabalhadores, nem se pronunciou sobre o assunto. O então ministro dos Esportes, Orlando Silva, por sua vez, informou que as greves não atrasariam as obras e declarou – por ironia ou deboche? – contar com o “patriotismo dos operários”(26).
Esta pauta foi protocolada junto à Secretaria Geral da Presidência da República, ao Ministério do Trabalho e Emprego, à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a todos os sindicatos patronais envolvidos nas obras de megaeventos. Com isso, pretende-se estabelecer um mecanismo de negociação com todas as empresas envolvidas no processo de obras de infraestrutura vinculadas à Copa. Caso as empresas e os órgãos competentes rejeitem as reivindicações dos trabalhadores, os sindicatos não descartam a possibilidade de uma greve unifi cada no setor no início de 201227.
24 Idem.
25 “Após morte de funcionário, alojamento de trabalhadores da Arena do Grêmio é incendiado”. Radio
Guaíba.
26 “O que nós não podemos perder é o canal de diálogo e o prazo de execução das obras. Tenho certeza
que o mesmo trabalhador que faz a greve tem interesse em entregar as obras no prazo devido, porque
27 Declaração de São Paulo, 18 de novembro de 2011. http://www.bwint.org
AS EMPREITEIRAS E OS FINANCIAMENTOS DE CAMPANHAS ELEITORAIS
Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão Engenharia.
Juntas, as sete maiores empreiteiras do Brasil somaram em 2010 uma receita bruta de R$ 28,5 bilhões. As grandes empresas de construção são provavelmente as maiores fi nanciadoras de campanhas eleitorais milionárias no Brasil. As sete maiores estão atuantes na construção de estádios para a Copa de 2014, em obras fi nanciadas por dinheiro público.
Em março de 2011, professores das universidades de Boston e da Califórnia, nos EUA, publicaram tudo “O espólio da vitória: doações de campanha e contratos públicos no Brasil”29, revelando que a doação para campanhas políticas era um bom negócio: para cada real doado a políticos do partido do Governo (PT) em 2006, as empreiteiras receberam 8,5 vezes o valor na forma de contratos de obras escolhidas por políticos do mesmo partido e incluídas nos orçamentos federal e estadual, ao longo dos 33 meses que se seguiram às eleições30.
O poder político-econômico das empreiteiras é, de fato, sensível em decisões estratégicas para o país. Jamais se poderá saber, no entanto, se, em que medida, as doações feitas pelas empreiteiras Odebrecht e Mendes Júnior para as campanhas a deputado federal de Aldo Rebelo infl uenciaram em sua indicação ao Ministério dos Esportes, nem se sua atuação como ministro será infl uenciada por este fato. As duas empresas doaram ofi cialmente um total de R$ 140 mil a suas campanhas de 2006 e 2010, e as duas participam de obras de estádios da Copa que têm orçamento total de R$ 3,27 bilhões, sendo R$ 1,92 bilhão provenientes do BNDES. O Ministro Aldo Rebelo declarou ainda ter recebido R$ 155 mil de três empresas patrocinadoras da Confederação Brasileira de Futebol (CBF): o banco Itaú Unibanco, a Fratelli Vita Bebidas e a Companhia Brasileira de Distribuição, que controla o Grupo Pão de Açúcar(31).
30 “Empreiteiras recebem R$ 8,5 por cada real doado a campanha de políticos”, 7 de maio de 2011, O Globo – http://oglobo. globo.com/economia/empreiteiras-recebem-85-por-cada-real-doado-campanha-de-politicos-2773154
ATO DO COMITÊ POPULAR DA COPA DE CURITIBA. FOTO: GAZETA DO POVO, 12/2011.
3.3 Direito ao Trabalho
3.3.1 Estabelecimentos comerciais no entorno dos estádios e em vias de acesso
Está claro que a Copa e Olimpíadas são encaradas por alguns grupos corporativos como uma possibilidade de negócios lucrativos – ou, como gostam de dizer e aprendem nos MBAs, uma “janela de oportunidades”. A visibilidade e a circulação de capital proporcionadas pelo evento garantem que grandes empresas e corporações alcancem enormes dividendos com a realização dos jogos. Infelizmente, graças à omissão, conivência e ativa participação de governos locais, estaduais e federal, a FIFA e o COI, isto é, as grandes marcas por trás delas não pretendem permitir nem ao menos que pequenos comerciantes e empresas familiares tirem proveito das oportunidades que aparecerão.
O comércio dentro dos estádios da Copa será defi nido e organizado pela FIFA, garantindo o monopólio às empresas associadas e patrocinadoras. Há pouca contestação com relação a isso, uma vez que a situação mais absurda se dá do lado de fora: a entidade exige do Governo Federal e das cidades-sede que a atividade comercial e a publicidade no entorno dos estádios e em outras áreas de interesse, como as principais vias de acesso, sejam também controlados exclusivamente por ela e suas parceiras.
ACORDO NACIONAL PARA AS OBRAS DA COPA
DO MUNDO E OS JOGOS OLÍMPICOS
Nos dias 17 e 18 de novembro de 2011, a federação Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM) e representantes das cinco maiores centrais sindicais do país (CUT, Força Sindical, CGBT, UGT e Nova Central) consolidaram uma pauta nacional unifi cada para a construção de um Acordo Nacional Articulado para as Obras da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. As organizações alinham as seguintes: “a) pisos salariais unifi cados; b) cesta básica de R$ 300; c) PLR de 2 salários base; d) plano de saúde extensivo a seus familiares; e) hora-extra de 80% de segunda a sexta-feira; 100% aos sábados; e 150% aos domingos e feriados; f) garantia de organização por local de trabalho; g) adicional noturno de 50%; h) folga familiar de 5 dias úteis a cada 60 dias trabalhados; i) implantação de melhores condições de
saúde e trabalho nas frentes de serviço; e j) contrato de experiência de 30 dias”28. 28 Declaração de São Paulo, 18 de novembro de 2011. http://www.bwint.org
Os estabelecimentos localizados nestes pontos – bem como a atividade comercial informal – deverão ser restringidos, e comerciantes correm o risco de ser impedidos de atuar livremente, de exibirem suas publicidades e de venderem produtos de marcas concorrentes às patrocinadoras da Copa. Ali, a FIFA exige que espaços públicos e privados estejam sob seu controle. A Lei Geral da Copa deixa explícito:
Art. 11 . A União colaborará com Estados, Distrito Federal e Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.
Parágrafo único. Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados. [grifos nossos] (32)
Ainda não há defi nição exata sobre as restrições que serão feitas, nem sobre que vias de acesso serão controladas pela FIFA, mas estimativas e experiências anteriores apontam para uma zona de exclusão instituída em um perímetro de até dois quilômetros em volta dos estádios33. Neste espaço, será a FIFA quem defi nirá as regras para a comercialização de produtos.
Os prejuízos para estabelecimentos fi xados nestas regiões é, por enquanto, difícil de ser calculado. Se a perspectiva dos comerciantes era de aumento dos lucros com a realização dos jogos, com a aprovação da Lei Geral da Copa, existe a possibilidade de alguns estabelecimentos serem impedidos até mesmo de abrir as portas. Em reação, entidades como a Confederação Nacional dos Diretores Lojistas (CNDL) e a Confederação Nacional do Comércio criticaram a proposta de lei. Em declaração ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Junior afi rmou: “Não se pode tirar o ganha-pão de uma família assim. O que está se propondo é uma desapropriação temporária”(34).
32 No que concerne ao monopólio de espaços publicitários, a mesma benesse é concedida ao Comitê límpico Internacional pelo Ato Olimpico (Lei Federal 12.935), cujo artigo 9º estabelece: “Ficam suspensos,
pelo período compreendido entre 5 de julho e 26 de setembro de 2016, os contratos celebrados para utilização de espaços publicitários em aeroportos ou em áreas federais de interesse dos Jogos Rio 2016, na forma do regulamento”. Este mesmo monopólio é reiterado pelo Decreto Municipal n. 30.379, de 1/01/2009.
34 Idem.
Os defensores do livre funcionamento do mercado se unem agora em defesa de monopólios e exclusivos comerciais. E, desta forma, lançam por terra as ilusões daqueles que acreditavam que, embora de forma desigual, todos sairiam ganhando alguma coisa, mesmo que sejam as migalhas caídas da abundante mesa de banquete a que comparecem apenas as grandes corporações e os patrocinadores ofi ciais dos eventos. A Lei Geral da Copa, a exemplo do Ato Olímpico (Lei Federal 12.935), deixa claro que os donos do jogo
têm apetite incomensurável e não pretendem permitir que sobre nem mesmo uma pequena migalha para os demais agentes econômicos atuantes na cidade.