sexta-feira, 6 de julho de 2012

"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" - (X) - Dra. Lúcia Capanema
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3.3.2 Trabalhadores informais

O comércio informal pode ser considerado como o mito de origem da polis. Grande parte dos centros urbanos nasceu, se formou e se consolidou em torno de ruas de comércio, mercados e feiras.
É inegável a contribuição de trabalhadores informais à economia, à cultura e à vivacidade urbanas; além disso, o comércio informal se tornou uma das principais estratégias de sobrevivência para parcelas expressivas da população trabalhadora. Em grandes centros urbanos, entretanto, estes trabalhadores deixaram de ser reconhecidos e valorizados e passaram a ser perseguidos, agredidos, criminalizados, “roubados” e impedidos de trabalhar por autoridades públicas – associadas e, muitas vezes, financiadas por grupos econômicos que controlam o comércio local.
Com a perspectiva de realização dos megaeventos esportivos, os trabalhadores informais já vêm sentindo um crescente constrangimento a sua atividade. Numa atitude que criminaliza a pobreza e acionando uma retórica que fala de “incentivo ao turismo”, “ordenação” e “limpeza” de áreas valorizadas das cidades, muitas prefeituras têm implementado medidas de repressão ao trabalho informal.
Dois anos da Copa se iniciar já são constatadas restrições ao direito ao trabalho no entorno dos estádios e nas cercanias de eventos relacionados. Em Belo Horizonte, desde que o estádio Mineirão foi fechado, os barraqueiros que trabalhavam em seu entorno em dias de jogos fi caram sem trabalho. Em reuniões do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa de Belo Horizonte e em audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal, representantes da Associação dos Barraqueiros do Entorno do Mineirão relataram que cerca de 150 famílias passam difi culdades por terem ficado sem sustento. Na audiência, os barraqueiros fizeram várias exigências à Prefeitura, como o fornecimento de uma bolsa-auxílio enquanto o estádio estiver fechado e, após sua reinauguração, a garantia de que eles poderão continuar trabalhando ali, em especial durante a Copa do Mundo.
Artesãos, feirantes e vendedores ambulantes de Belo Horizonte acusam a Prefeitura de defl agrar campanha contra o comércio de rua no centro da cidade. No fim de 2010, com intenções de “reordenar” a atividade na região, a Prefeitura determinou que iria impor nova disposição das barracas da mais tradicional feira da cidade – a Feira de Arte, Artesanato e Produtores de Variedades da Avenida Afonso Pena, conhecida como Feira Hippie, existente desde 1969. Em fevereiro de 2011, como parte do mesmo projeto, o prefeito
Márcio Lacerda iniciou um processo licitatório para vendedores que quisessem expor no local. Ambos os processos estavam sendo implementados de forma arbitrária, sem consulta à associação de expositores, que fi caram sem garantias de continuar trabalhando na feira(35).
Os trabalhadores conseguiram influenciar no processo de remanejamento da feira e anular a licitação na Justiça(36). Feirantes das imediações do Mercado Central também foram proibidos de comercializar no local.
Em abril de 2011, uma operação conjunta da prefeitura e da Polícia Militar resultou na “apreensão” de obras, materiais, ferramentas de trabalho e pertences pessoais de artesãos na Praça Sete, também no Centro(37).
Os trabalhadores foram obrigados a ficar com as mãos na parede e foram revistados. Materiais foram danificados pelos fi scais. Houve revolta entre os artesãos e entre pedestres que passavam no local. Quatro pessoas foram multadas em R$ 1,2 mil e outras quatro – entre elas um pedestre – foram presas por desacato à autoridade.(38)
Também em Belo Horizonte, representante da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aspromig) relata a insegurança enfrentada pelas que trabalham na região da Rua Guaicurus e que teria relação, segundo rumores, com projetos de revitalização da área. A Aspromig expressou ainda preocupação com a possível intensifi cação de tráfi co sexual de mulheres durante os jogos.
No Distrito Federal, em setembro de 2011, durante festa de comemoração da contagem dos 1000 dias para a Copa do Mundo (que custou 1,6 milhões de reais), os ambulantes foram obrigados a fi car a uma distância de mais de 300 metros da entrada da área dos shows. Ainda em Brasília, com a reforma do aeroporto internacional JK, a central dos taxistas terá que ser removida.
Em São Paulo, estabeleceu-se uma política de cassação das licenças para o exercício da atividade ambulante (o Termo de Permissão de Uso) e o Sindicato dos Permissionários de Ambulantes estima em torno de 500 licenças remanescentes (12%) das 4.092 que exis-35 “95% dos artesãos da “Feira Hippie” em BH poderão ser barrados”, 14 de janeiro de 2011 – Direito do Cidadão – http://www.direitocidadao.com.br/ver_noticia.php?codigo=3680
(36) "Justiça derruba edital da Feira da Afonso Pena por considerá-lo discriminatório –, 1 de novembro de 2011 – O Estado de Minas - http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/11/01/interna_gerais,259491/
justica-derruba-edital-da-feira-da-afonso-pena-por-considera-lo-discriminatorio.shtml
(37) “Operação no Centro de BH apreende produtos de hippies e gera revolta”, 29 de abril de 2011 – O Estado de Minas – http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/04/29/interna_gerais,224466/operacao-no-centrode-bh-apreende-produtos-de-hippies-e-gera-revolta.shtml
(38) Veja imagens das ilegalidades da operação no vídeo “Como se faz pessoas marginais no Brasil” – http://www.youtube.com/watch?v=mkf1qO6GEs8 tiam em 2004.
Em subprefeituras inteiras, como Santana, Itaquera (onde está em construção um estádio para a Copa) e Santo Amaro, com tradição no comércio popular de rua, foram extintas todas as licenças. Nestes processos vem sendo violado o Direito de Defesa determinado por lei municipal, que estipula em 15 dias o prazo para recursos administrativos após a cassação publicada no Diário Oficial do Município e de 30 dias para retirada da banca da rua. Há ainda cerca de 370 casos de adulteração dos documentos dos permissionários para alegar descumprimento das exigências e cassar as licenças. Confi rmando a intenção de extinção do comércio informal na cidade, a administração municipal baixou as portarias 27/2011 e 29/2011, proibindo novas licenças e transformando os ambulantes em Micro Empreendedores Individuais (pessoas jurídicas), quando as licenças só são concedidas a pessoas físicas. Finalmente, os canais institucionais de negociação coletiva vêm sendo sistematicamente desprezados pelas subprefeituras.
Também em São Paulo, no bairro do Brás, a Feirinha da Madrugada, tradicional comércio popular que reúne centenas de comerciantes e vendedores e atrai diariamente milhares de consumidores tornou-se alvo da prefeitura. No final de outubro de 2011, na proximidade do Natal, época das maiores vendas, a Polícia Militar intensificou a repressão aos feirantes que costumam montar barracas na região. No dia 28 de novembro, policiais e camelôs entraram em um confronto que resultou na queima de um ônibus.
Em Curitiba, pesquisa realizada com cerca de 41 ambulantes, vendedores de bebidas e alimentos nas proximidades da Arena da Baixada, na provável zona de exclusão da FIFA, mostrou que não têm notícia das restrições de que serão alvo. Todos alimentam expectativa de grande movimento na Copa, apesar de, mesmo em dias de clássicos, já estarem serem impedidos de trabalhar por fi scais apoiados pela polícia militar até mesmo em dias de clássicos locais. Não obstante a fragilidade de sua organização, têm tentando em vão obter informações com a Prefeitura Municipal.
Em Salvador, durante a Copa do Mundo de 2014 os vendedores ambulantes terão que se contentar com os novos espaços que lhes serão atribuídos pela Prefeitura, geralmente com menor movimento e menor visibilidade(39).
Espaços tradicionais de comércio informal, como ruas movimentadas, praças, parques, praias, camelódromos, feiras e mercados livres, estão sendo restringidos através de regulamentação excessiva e exigências descabidas ou abusivas. Desta forma, vendedores ambulantes, artesãos, artistas de rua, feirantes, profissionais do sexo e outros trabalhadores estão tendo suas atividades prejudicadas ou mesmo inviabilizadas, em claro desrespeito ao direito ao trabalho. Os megaeventos parecem destruir tantos ou mais empregos que os criados pelas obras.
Também aqui verificam-se violações ao direito à informação e à participação, pois os trabalhadores informais não são consultados sobre os planos oficiais de remanejamento e zoneamento urbano do comércio.
39 Bahia Notícias. Copa 2014 Camelôs serão realocados Fórum de Articulação das Lutas nos Territórios Afetados pela Copa 2014, 28 de junho de 2011.















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