terça-feira, 3 de julho de 2012

"DOSSIÊ MEGAEVENTOS" (VIII) - Dra.Lúcia Capanema
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TRABALHO

Se do ponto de vista teórico abstrato é possível conceber os investimentos para os megaeventos como uma oportunidade para a geração de empregos, inclusão social e ampliação de direitos, esta não é a realidade concreta no Brasil. Sejam operários empregados e sub-empregados nas grandes obras, como estádios e rodovias, sejam trabalhadores informais reprimidos no exercício de sua atividade econômica, observa-se um padrão de crescente precarização, conduzido por empresas e consórcios contratantes – sob a omissão dos órgãos fiscalizadores – e pelo próprio Estado. Ao invés de uma difusão dos benefícios decorrentes dos gigantescos investimentos, assiste-se a sua monopolização por um pequeno grupo de grandes corporações, que acaparam os rccursos públicos, aos quais se somam isenções de todo tipo, aumentando a concentração da riqueza e a desigualdade.

No plano supranacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratifi cado pelo Brasil em 1992, prevê em seu art. 6º, parágrafo 1, que “Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito”. E ainda estabelece, no dispositivo seguinte, “o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis”, destacando a necessidade de remuneração adequada, segurança, iguais oportunidades, descanso, lazer, férias18 etc. No mesmo sentido, o país aderiu ainda a grande parte das convenções da Organização Internacional do Trabalho.

Tanto o direito ‘ao’ quanto o direito ‘do’ trabalho encontram também proteção no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 resguarda o primeiro enquanto direito fundamental social destacado no caput do art. 6º , ao passo que o art. 7º 18 Especifi camente:

a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e receber a mesma remuneração

que ele por trabalho igual; ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto. b) a segurança e a higiene no trabalho; c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, á categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim discrimina o rol de garantias e princípios relativos ao direito do trabalho e sua proteção integral, regulados também em peças de legislação próprias como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A despeito de todo esse sistema legal, os casos de graves violações de direitos em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas se acumulam e avançam para a
perseguição a líderes sindicais e desrespeito às liberdades de organização, greve e manifestação.

3.1 Direito do Trabalho: Condições de trabalho nas obras da Copa Em 2007, quando foi oficialmente anunciado que o Brasil receberia a Copa do Mundo de 2014, todas as cidades posteriormente escolhidas como sede para os jogos possuíam ao menos um estádio com capacidade de público maior que 35 mil pessoas. Praticamente todos os estádios para a Copa do Mundo, no entanto, sairão de projetos completamente novos, o que gerou uma enorme demanda de obras a serem concluídas em poucos anos.

A FIFA determinou que as obras dos estádios deveriam começar no máximo no dia 31 de janeiro de 2010 e ser concluídas antes de 31 de dezembro de 2012, a tempo da Copa das Confederações, torneio-teste para a Copa, em 2013. Durante todo o processo de elaboração dos projetos e realização das obras, a pressão para que os empreendimentos estejam atendendo aos cronogramas determinados pela FIFA tem sido grande. Por diversas vezes, em diferentes momentos, Jerome Valcke, secretário-geral da entidade, fez pronunciamentos em que alertava para o atraso das obras e cobrava do país um ritmo mais acelerado(19).

De alguma forma, desde antes de oficialmente escolhido como país-sede, opiniões pessimistas já davam conta de que o Brasil não teria capacidade para se adequar a tempo aos padrões de infraestrutura exigidos pela FIFA para a Copa e pelo COI para as Olimpíadas.

De fato, criou-se um fantasma que acompanhou e acompanha todo o processo

de preparação para 2014 e 2016, e que, com certo incentivo de meios de imprensa, cria expectativas sobre a possibilidade de um fracasso vexatório da Copa no Brasil ou ainda, de a FIFA transferir, de última hora, o mundial para outro país(20).

Situação semelhante aconteceu na África do Sul, na preparação para a Copa do

Mundo de 2010. O escritor sul-africano Eddie Cottle afirmou, em entrevista ao jornal Le Monde Diplomatique Brasil:

19 “FIFA insiste em cobrar governo pelo atraso das obras”, 22 de outubro de 2011 – O Estado de S. Paulo http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,FIFA-insiste-em-cobrar-governo-pelo-atraso-das-obras –,788791,0.htm

20 “Perguntas & Respostas – Cidades-sede da Copa de 2014”, janeiro de 2009 – revista Veja – http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/cidades-copa-2014/cidades-sede-copa-2014-estadioscapitais-FIFA-cbf-abertura-final.shtml

É um absurdo dizer que os estádios não poderão ser concluídos a tempo. Na África do Sul, algumas das arenas foram concluídas quatro meses antes do previsto. Todo o escarcéu da FIFA sobre a conclusão da infraestrutura na verdade é uma forma de pressionar os empreiteiros. Dessa maneira, A FIFA consegue garantir as mudanças que eles querem e quando querem.(21)

No Brasil, no entanto, essa pressão parece favorecer também as próprias empreiteiras, uma vez que contribuiu para atropelos legais, aportes adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica, ambiental e jurídica.

Mais que isso: os alegados atrasos têm servido como pretexto para violações de direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos de infraestrutura. A conjugação entre magnitude das obras e cronogramas supostamente apertados já tem resultado em más condições de trabalho, jornadas de trabalho desmesuradas e superexploração dos operários, a despeito das cifras milionárias destinadas às obras.

Estamos diante de um perverso paradoxo: cerca de 50% dos recursos destinados aos empreendimentos provêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF), com utilização de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ou seja: recursos que deveria amparar os trabalhos são mobilizados para promover violações de direitos trabalhistas.

21 Entrevista de Eddie Cottle concedida ao jornalista Alexandre Praça, in: Le Monde Diplomatique Brasil, edição de novembro de 2011.


































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