sábado, 7 de julho de 2012

“DOSSIÊ MEGAEVENTOS” (XI) – Dra. Lúcia Capanema
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DECLARAÇÃO DO FÓRUM DE PLANEJAMENTO DA CAMPANHA CIDADES PRA TODOS (AS)

Em outubro de 2011, o Fórum de Planejamento da Campanha Cidades para Todos(as) reuniu em São Paulo várias organizações de vendedores informais de diversas cidades-sede da Copa, além de sindicatos e movimentos sociais. O documento apresentado ao fim do encontro expressa as preocupações dos trabalhadores informais com as políticas implementadas em função da Copa do Mundo: Declaração do Fórum de Planejamento da Campanha Cidades pra Todos (as), Dia 26 de Outubro 2011, São Paulo Outra Copa do Mundo é Possível: Respeitando os direitos dos (as) vendedores (as) informais Convocado pela StreetNet Internacional, o Fórum de vendedores informais sobre a Copa de 2014 reuniu representantes de diversas organizações de vendedores informais de cidades sede da Copa, além de representantes sindicais, de movimentos sociais e outras organizações.

A venda ambulante é uma conseqüência do desenvolvimento econômico desigual e uma estratégia de sobrevivência para a população urbana de baixa renda. Vendedores e vendedoras informais são trabalhadores por conta própria, que procuram ganhar a vida honestamente e manter a si e suas famílias. A contribuição dos vendedores informais para a economia urbana deve ser reconhecida e valorizada; seus direitos devem ser respeitados e seus deveres regulamentados de forma justa.

Os participantes ouviram depoimentos de vendedores informais sobre os preparativos em curso para a Copa do Mundo: • Existência de governos municipais que estão cancelando ou deixando de renovar licenças para o comércio informal, além da não emissão de novas licenças de venda nos centros das cidades-sede. Muitos comerciantes informais estão sendo deixados em uma situação de legalidade precária e expostos a um tratamento arbitrário e outras formas de abuso.

• Em algumas cidades há um aumento significativo da repressão policial contra os comerciantes de rua, incluindo o confisco de seus bens, sem a devida devolução (sob apresentação de nota fiscal e pagamento de multa), além de multas recorrentes e casos de violência física e prisão.

• Os meios de comunicação locais assim como nacionais não dão espaço quando as organizações de vendedores ambulantes querem apresentar denúncias de repressão ou apresentar suas reivindicações.

.Os municípios estão reforçando a proibição total da comercialização nas ruas dos centros das cidades, particularmente nas áreas freqüentadas por turistas.

• Os municípios vêm criando centros comerciais populares (shoppings de camelôs), como alternativas à negociação de rua, porém, em muitos casos não levam em conta os números reais dos comerciantes informais, além de não envolver os vendedores ambulantes e as organizações representativas na concepção, desenvolvimento e administração dos centros.

• Os participantes do Fórum também ouviram das organizações dos vendedores informais que: • Programas municipais para desenvolver centros comerciais populares são apenas bem sucedidos se forem desenvolvidos enquanto projetos sociais e a preços populares, e planejados através do diálogo com as organizações representativas de vendedores informais e administrados com a sua participação.

• Os vendedores informais estão preocupados com a falta de diálogo e de informações claras sobre os projetos de infraestrutura previstos para a Copa do Mundo; Os vendedores informais estão igualmente preocupados com a falta de informações sobre estabelecimento de zonas de exclusão em torno dos estádios e parques de torcedores (fanparks), que são parte da Lei Geral da Copa, sendo atualmente negociada com o governo.

O Fórum, portanto, concordou em convocar as cidades-sede e o Governo Federal, para assumir o compromisso de trabalhar em prol das populações mais pobres, oferecer trabalho decente a todos e: (1) Interromper as políticas desprezíveis de privar os vendedores informais de licenças e de proibir o comércio informal no centro das cidades e incluir os trabalhadores que já foram removidos e perderam seus espaços nas regiões centrais das cidades; (2) alocar recursos públicos para a criação de espaços para comércio informal, como por exemplo camelódromos, centros comerciais populares, feiras, mercados e outros espaços para o comércio informal, respeitando as características locais; (3) convocar reuniões com as organizações representativas de vendedores informais para discutir sobre os impactos das obras de infraestrutura propostas e programas de revitalização urbana previstos para a Copa do Mundo; (4) garantir planos de remanejamento de locais de vendas que sejam elaborados em consulta com as organizações de vendedores informais que tiveram seus locais de venda afetados por projetos relacionados à Copa; (5) desenvolver projetos de economia solidária e cooperativismo junto aos vendedores informais que se interessarem por esta alternativa de trabalho; (6) Resistir aos planos de criação de zonas de exclusão em torno dos parques de torcedores durante a Copa do Mundo, que privariam os vendedores informais locais de se beneficiarem economicamente desta oportunidade, favorecendo as multinacionais patrocinadoras oficiais da Copa do Mundo.

O Fórum também acordou em (1) Trabalhar em colaboração com as organizações dos vendedores informais “para apoiar suas reivindicações e se juntar a eles para denunciar atos de abuso de poder e violência por parte das autoridades municipais.

(2) Trabalhar de forma colaborativa para apoiar as campanhas de trabalho decente, fair play, pela transparência e controle social, direito a moradia e outras iniciativas destinadas a garantir que a Copa de 2014 tenha um legado social que beneficie todos os brasileiros e brasileiras.

Outra Copa do Mundo é Possível!

Nada para nós sem nós! São Paulo 26 de Outubro 2011

XEPA É SHOW! – PORQUE A FEIRA É LIVRE E O RIO É RUA Em agosto de 2011, a Prefeitura do Rio de Janeiro, dentro de seu programa denominado “Choque de Ordem”, decidiu obrigar o fechamento das feiras livres às 13h. Um grupo de artistas de rua se uniu ao Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro para uma irreverente manifestação contra a decisão inusitada, que inviabilizava a tradicional “xepa” (comercialização das “sobras” das feiras a preços mais baratos) de feiras históricas da cidade. Com frutas e leguminosas na cabeça, os manifestantes fi zeram um ato musical na Feira da Glória, uma das mais antigas do Rio, e distribuíram um panfleto que ironizava as medidas repressivas da prefeitura.

3.3.2 Trabalhadores informais O comércio informal pode ser considerado como o mito de origem da polis. Grande parte dos centros urbanos nasceu, se formou e se consolidou em torno de ruas de comércio, mercados e feiras.

É inegável a contribuição de trabalhadores informais à economia, à cultura e à vivacidade urbanas; além disso, o comércio informal se tornou uma das principais estratégias de sobrevivência para parcelas expressivas da população trabalhadora. Em grandes centros urbanos, entretanto, estes trabalhadores deixaram de ser reconhecidos e valorizados e passaram a ser perseguidos, agredidos, criminalizados, “roubados” e impedidos de trabalhar por autoridades públicas – associadas e, muitas vezes, financiadas por grupos econômicos que controlam o comércio local.

Com a perspectiva de realização dos megaeventos esportivos, os trabalhadores informais já vêm sentindo um crescente constrangimento a sua atividade. Numa atitude que criminaliza a pobreza e acionando uma retórica que fala de “incentivo ao turismo”, “ordenação” e “limpeza” de áreas valorizadas das cidades, muitas prefeituras têm implementado medidas de repressão ao trabalho informal.

Dois anos da Copa se iniciar já são constatadas restrições ao direito ao trabalho no entorno dos estádios e nas cercanias de eventos relacionados. Em Belo Horizonte, desde

que o estádio Mineirão foi fechado, os barraqueiros que trabalhavam em seu entorno em dias de jogos ficaram sem trabalho. Em reuniões do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa de Belo Horizonte e em audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal, representantes da Associação dos Barraqueiros do Entorno do Mineirão relataram que cerca de 150 famílias passam dificuldades por terem fi cado sem sustento. Na audiência, os barraqueiros fizeram várias exigências à Prefeitura, como o fornecimento de uma bolsa--auxílio enquanto o estádio estiver fechado e, após sua reinauguração, a garantia de que eles poderão continuar trabalhando ali, em especial durante a Copa do Mundo.

Artesãos, feirantes e vendedores ambulantes de Belo Horizonte acusam a Prefeitura de defl agrar campanha contra o comércio de rua no centro da cidade. No fim de 2010, com intenções de “reordenar” a atividade na região, a Prefeitura determinou que iria impor nova disposição das barracas da mais tradicional feira da cidade – a Feira de Arte, Artesanato e Produtores de Variedades da Avenida Afonso Pena, conhecida como Feira Hippie, existente desde 1969. Em fevereiro de 2011, como parte do mesmo projeto, o prefeito Márcio Lacerda iniciou um processo licitatório para vendedores que quisessem expor no local. Ambos os processos estavam sendo implementados de forma arbitrária, sem consulta à associação de expositores, que ficaram sem garantias de continuar trabalhando na feira35. Os trabalhadores conseguiram influenciar no processo de remanejamento da feira e anular a licitação na Justiça36. Feirantes das imediações do Mercado Central também foram proibidos de comercializar no local.

Em abril de 2011, uma operação conjunta da prefeitura e da Polícia Militar resultou na “apreensão” de obras, materiais, ferramentas de trabalho e pertences pessoais de artesãos na Praça Sete, também no Centro37. Os trabalhadores foram obrigados a fi car com as mãos na parede e foram revistados. Materiais foram danifi cados pelos fi scais. Houve revolta entre os artesãos e entre pedestres que passavam no local. Quatro pessoas foram multadas em R$ 1,2 mil e outras quatro – entre elas um pedestre – foram presas por desacato à autoridade.(38)

Também em Belo Horizonte, representante da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aspromig) relata a insegurança enfrentada pelas que trabalham na região da Rua Guaicurus e que teria relação, segundo rumores, com projetos de revitalização da área. A Aspromig expressou ainda preocupação com a possível intensificação de tráfi co sexual de mulheres durante os jogos.No Distrito Federal, em setembro de 2011, durante festa de comemoração da contagem dos 1000 dias para a Copa do Mundo (que custou 1,6 milhões de reais), os ambulantes foram obrigados a ficar a uma distância de mais de 300 metros da entrada da área dos shows. Ainda em Brasília, com a reforma do aeroporto internacional JK, a central dos taxistas terá que ser removida.

Em São Paulo, estabeleceu-se uma política de cassação das licenças para o exercício da atividade ambulante (o Termo de Permissão de Uso) e o Sindicato dos Permissionários de Ambulantes estima em torno de 500 licenças remanescentes (12%) das 4.092 que existiam em 2004. Em subprefeituras inteiras, como Santana, Itaquera (onde está em construção um estádio para a Copa) e Santo Amaro, com tradição no comércio popular de rua, foram extintas todas as licenças. Nestes processos vem sendo violado o Direito de Defesa determinado por lei municipal, que estipula em 15 dias o prazo para recursos administrativos após a cassação publicada no Diário Ofi cial do Município e de 30 dias para retirada da banca da rua. Há ainda cerca de 370 casos de adulteração dos documentos dos permissionários para alegar descumprimento das exigências e cassar as licenças. Confirmando a intenção de extinção do comércio informal na cidade, a administração municipal baixou as portarias 27/2011 e 29/2011, proibindo novas licenças e transformando os ambulantes em Micro Empreendedores Individuais (pessoas jurídicas), quando as licenças só são concedidas a pessoas físicas. Finalmente, os canais institucionais de negociação coletiva vêm sendo sistematicamente desprezados pelas subprefeituras.

35 “95% dos artesãos da “Feira Hippie” em BH poderão ser barrados”, 14 de janeiro de 2011 – Direito do Cidadão – http://www.direitocidadao.com.br/ver_noticia.php?codigo=3680
36 “Justiça derruba edital da Feira da Afonso Pena por considerá-lo discriminatório –, 1 de novembro de 2011 – O Estado de Minas – http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/11/01/interna_gerais,259491/justica-derruba-edital-da-feira-da-afonso-pena-por-considera-lo-discriminatorio.shtml
37 “Operação no Centro de BH apreende produtos de hippies e gera revolta”, 29 de abril de 2011 – O Estado de Minas – http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2011/04/29/interna_gerais,224466/operacao-no-centrode-bh-apreende-produtos-de-hippies-e-gera-revolta.shtml
38 Veja imagens das ilegalidades da operação no vídeo “Como se faz pessoas marginais no Brasil” – http://www.youtube.com/watch?v=mkf1qO6GEs8

Também em São Paulo, no bairro do Brás, a Feirinha da Madrugada, tradicional comércio popular que reúne centenas de comerciantes e vendedores e atrai diariamente milhares de consumidores tornou-se alvo da prefeitura. No final de outubro de 2011, na proximidade do Natal, época das maiores vendas, a Polícia Militar intensificou a repressão aos feirantes que costumam montar barracas na região. No dia 28 de novembro, policiais e camelôs entraram em um confronto que resultou na queima de um ônibus.

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