quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 

  • BATE FORTE O TAMBOR

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Espero que esteja vivendo um tempo de desarmar os presságios. Não desejo acreditar que na política existam só amigos, mas, conspiradores que se unem. Aos olhos alheios, unidade partidária, coligação, ambas desapareceram para dá lugar a um consórcio, onde o partido menor nunca é sorteado. No meu entendimento virou tribo, facção e não tem quem junte os pedaços depois. Prefeitos, vereadores, líderes municipais, votam pacotes de candidatos díspares, de governador a senador, de deputado federal e estadual, como se fossem salada de frutas, ou coquetel exótico de bruxaria. A continuar assim, vamos chegar ao tempo de desarmar os frutos e até mesmo ao de querer desviver o tempo, ominoso e fatal para a coletividade.

A reforma eleitoral neste país, é tema mais batido do que caminho de cemitério. Com o “fundão eleitoral”, o processo virou uma ação orquestrada que caracteriza as relações íntimas entre os lobos ideológicos contra pseudos pastores teólogicos. Presume-se, com o andar da carruagem, que estamos sob o fascínio do desconhecido, do buraco negro. A caixa preta do segundo turno está rondando a ressaca eleitoral dos candidatos. A hegemonia política de muitos líderes está morrendo. É o processo depurativo das figuras messiânicas, de megafone em punho, entoando chavões pela recuperação financeira do país e do Rio Grande do Norte. Esse caldeamento político dos nossos dias, é igual a despacho de encruzilhada. Lembrei-me daquele acordo de paz pública, no passado. Não há como acomodar numa mesa apetites tão difusos, confusos e obtusos. É por isso que bate forte o tambor da imprevisibilidade.

Garimpando o pensamento do saudoso natalense João Sena, li essa jóia: “O ser humano não só morre quando desencarna, mas também, quando se desencanta”. E casados no desencanto continuam vivendo o povo e os políticos. Chegaram à exaustão. A praça pública virou banco de tormento. O povo aplaude mais os músicos do que os oradores. Todo orador, é um chato, cansativo e tedioso. Quando o candidato fala, o povo se afasta. Mas, o liseu não está no meio do mundo, pois o importante é não cair a Bastilha. Isso conforta os candidatos que se exporão tanto ao sereno, quanto ao sol, à chuva e ao mormaço das penosas aglomerações. São as fases da vida pública. Outro filósofo, já dizia “que a vida é feita de fases e de fezes”. As fases são as estações, as metamorfoses, e, as fezes o consumismo humano do Fundão.

Outro fato relevante, que não dá para entender, são as pesquisas açodadas. Lembrei-me de Chesterton quando disse que “os vícios são as virtudes enlouquecidas”. Será que o povo brasileiro é tão volúvel assim? Essa eleição, face os perigos redibitórios, é uma esfinge? Antigamente, o silêncio antecedia o pleito, sem emitir sinais de mistérios, como a eleição presidencial deste ano. A sinfonia outonal vai deixar para trás, em outubro, muito candidato que empreende voo cego, impensado, sem bússola e sem bossa.

Eu me recordo de Assis Besouro, experiente marqueteiro potiguar,  explicando a situação daquele tempo (1998), das divergências do PMDB, PT, PSDB e etc. - com aquela fisionomia de permanente mormaço, proveniente das andanças políticas pelo Rio Grande do Norte - “que tudo numa eleição é estratégico”. Daí, ter surgido hoje, o orçamento secreto. E é fato que nas estações da política, as notas caem. E o outono chega. Pois eleição que não se ganha, se toma, dizem.

Napoleão Bonaparte admitiu apenas duas potencias no mundo: “a espada e o espírito. A longo prazo a espada sempre é vencida pelo espírito”. A espada é o poder e o espírito a palavra. É comum os dois não falarem o mesmo sotaque, o mesmo idioma. Mas, a canção do voto é tudo, pois tem sangue eterno e coração ritmado. Todo país já atravessou as noites escuras do tempo. É pobre o país que tem necessidade de mitos.

(*) Escritor.

 

Desconfundindo
​“Direito internacional”, “direito comunitário” e “direito comparado”, o que são esses três “direitos”? Infelizmente, como descobri num papo entre amigos, nós, supostos juristas, ainda confundimos bastante os conceitos/significados dessas três categorias.
​Primeiramente, o direito internacional é o conjunto de normas – ou a disciplina, se olharmos sob o ponto de vista acadêmico – que trata das relações externas entre os entes que formam a sociedade internacional. “Um sistema jurídico autônomo” (em relação aos sistemas internos ou nacionais) onde, nas palavras de Francisco Rezek (em “Direito internacional público”, Saraiva, 1995), “se ordenam as relações entre Estados soberanos”, muito embora, hoje, esse conceito/sistema já esteja ampliado para abarcar as relações com outros “atores internacionais”, tais como as organizações exemplificadas na ONU, OMS, UNESCO, OTAN, FMI etc.
É importante ainda fazer duas observações quanto à terminologia direito internacional. Uma de relevância histórica. No passado, o que hoje chamamos de direito internacional era normalmente chamado de “direito das gentes” (e eu até acho gostosamente nostálgica essa denominação), sendo que a expressão direito internacional teria sido cunhada, já no fim do século XVIII, pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1748-1832). Ademais, é comum se acrescentar à expressão direito internacional a partícula “público”, para diferenciá-la de um “direito internacional privado”, este que é, na verdade, um ramo ou disciplina jurídica que especificamente cuida do conflito de leis – de nacionalidades diversas, por regra – em potencial aplicação em determinado espaço territorial ou caso. E não por outro motivo o que chamamos de direito internacional privado os ingleses chamam apenas de “conflict of laws”.
Já o direito comunitário pode ser classificado como uma subespécie ou, melhor, um desdobramento/desenvolvimento do direito internacional no sentido de uma quase total integração supranacional de Estados soberanos. Entre nós, teríamos como exemplo o “direito do Mercosul”; mas também é dito que o direito do Mercosul estaria bem aquém disso – falo dessa integração almejada –, se comparado com o direito da União Europeia, este, sim, um direito realmente integrado em nível comunitário ou um direito comunitário propriamente dito. Nesse sentido, aduz Benigno Nuñez Novo, em texto publicado no site Âmbito Jurídico (fevereiro de 2018): “O direito comunitário é composto pelo conjunto de normas jurídicas que regulam e disciplinam a organização e o funcionamento das Comunidades Europeias e da União Europeia. O surgimento dos blocos econômicos importou na necessidade da criação de um sistema de normas que os regulasse. Esse sistema de normas foi denominado Direito Comunitário, sendo um sistema jurídico autônomo, constituído de normas provenientes de determinadas fontes específicas, ordenado por uma hierarquia de normas, sendo regido por dois princípios essenciais: o princípio da integração e o princípio da primazia. O Direito Comunitário existente na União Europeia é incorporado de forma congênita aos direitos nacionais. Destarte, inexiste no Mercosul o verdadeiro direito comunitário, o que reina de forma absoluta é o direito internacional público, regional, integracionista, vinculado ao fenômeno de recepção”.
Por fim, temos o tal direito comparado. O papel deste na “arquitetura” do direito é assunto para debates. Posso afirmar que ele não é um direito no sentido de um conjunto de normas que visa disciplinar determinada matéria. O direito comparado está mais para uma disciplina da ciência jurídica (temos o aspecto acadêmico da coisa) e, sobretudo, para um método de estudo do direito. E como método serve, por exemplo, mediante a comparação: (i) para se entender o direito dos diversos países em geral; (ii) para se obter uma melhor compreensão do respectivo sistema jurídico nacional (por exemplo, quando se compara o que se dá em outros países para melhor interpretar/aplicar as regras internas); (iii) para se melhor empreender uma possível reforma da legislação/direito de determinado país; (iv) ou mesmo, de forma mais ambiciosa, como ferramenta para a unificação sistemática de um determinado ramo do direito ou de um sistema jurídico supranacional como um todo. No mais, essas comparações podem se dar de várias formas. Multilateralmente (entre vários sistemas jurídicos) ou bilateralmente. Podem ser integrativas e/ou contrastantes, focando em semelhanças e/ou em diferenças. Podem ser macrocomparações (de dois ou mais sistemas jurídicos nas suas inteirezas) ou microcomparações, que recaem sobre categorias ou instituições peculiares aos sistemas jurídicos comparados (desde coisas gerais como um determinado ramo do direito até coisas bem específicas como a disciplina que é dada a determinado tipo de contrato nos países comparados). E por aí vai.
Sou um entusiasta desses “direitos”, sobretudo do comparado. Mas isso talvez decorra do fato de eu adorar me aventurar com outros povos e culturas.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL