sábado, 9 de janeiro de 2021

 

 



Minhas Cartas de Cotovelo – verão de 2021-6

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

        Após um dia de sol radiante, começa o declínio do Astro Rei para emprestar à tarde para um deleite sem igual.

         Com a maré em baixa, os veranistas passeiam e se cumprimentam fraternalmente – eu mesmo encontro alguns deles e dois ex-alunos fazendo os deveres do praiano, enquanto sigo rodeado de três filhos para manterem a minha postura claudicante de caminhante, apesar da bengala.

         A brisa garantia o frescor daqueles instantes anteriores ao sereno e dei-me, nas minhas conversas com Rosa, a trazer lembranças, desde os mesmos caminhos que percorria com a minha Therezinha, até o recordar longínquo de cenas de filmes, um em particular pela semelhança com a maré daquele dia e que me embalou a adolescência – não tenho certeza do título, mas era com Gino Leurini, ator italiano nascido em 20/11/34 e falecido em 12/8/2014 (viveu 80 anos), ainda do cinema em preto e branco e que, em certo dia, tive a surpresa e a alegria de recebê-lo de presente do meu inesquecível amigo Ernani Rosado, que assim conduziu-me ao passado da minha adolescência.

A cena que me marcou tinha início numa praia onde as ondas estavam recuadas, após uma ventania inesperada e moças de uma colônia de férias de religiosas davam um passeio pela praia quando, de repente, uma delas apontou o corpo de um jovem adormecido à beira-mar. Ele havia escapado do vendaval quando o seu barquinho virou e ele veio nadando exaustivamente até um lugar seguro. Alguma delas cobriu o seu corpo nu com um véu e dali em diante nasceu um namoro com uma dessas jovens. O filme é um drama. Quando voltar a Natal, vou procurar o DVD e publicar a ficha correta.

São cenas passageiras de uma memória que já está reduzida pela grande quantidade de tempo vivido e de uma juventude que já se encontra bem distante. De qualquer forma, tudo isso preenche os momentos maravilhosos da vida, principalmente num veraneio com a família.

 

 

 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

 

 

 

 

                        VIAS PARALELAS: DOIS POETAS POTIGUARES.

 

                                                           -  HORÁCIO PAIVA  -

 

 

                        Atribuem a Cascudo haver dito que “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”. Mas  -  alvíssaras!  - Natal é também mãe aconchegante: ergue um berço esplêndido às margens do Potengi, onde acalenta (no silêncio ou mesmo na balbúrdia dos incautos) seus filhos legítimos e legitimados. E entre eles se encontram, certamente, os poetas NELSON PATRIOTA e JOÃO CHARLIER FERNANDES, portando cada um, a tiracolo, seu bornal de pérolas, reveladas, pelo primeiro, no “LIVRO DAS ODES” (editado em 2012), e, pelo segundo, no volume de poemas “ENTREGA AO MITO” (editado em 2016).

 

                        Quem leu esses dois livros não pode ficar calado: opta pelo partido da consagração, tal o seu óbvio valor. São duas joias, acrescentadas ao acervo literário de um Estado tradicionalmente voltado para a Poesia.

 

                        Caminham em vias paralelas, lado a lado, mas distanciados no estilo e no silêncio que a cidade lhes impõe, talvez por inércia. Entanto, convergem em dois pontos: qualidade textual e universalidade temática.

 

                        Com efeito, seus acordes nada têm de provincianos e neste aspecto diferem do que outrora fora, até certo ponto, usual na tradição lírica potiguar. Ademais, sua qualidade textual revela o essencial: harmonia  -  fruto da síntese beleza e verdade, ambas irmãs, como diria Emily Dickinson, ou, como queria Keats, em sua famosa “Ode sobre uma urna grega”, “Beauty is truth, truth beauty” (“A beleza é a verdade, a verdade a beleza”). E é o que também penso: não existe beleza sem verdade. “Vi na Verdade, certa vez,/ a amiga de meu pensamento...” (Alfred de Musset). Repetiria mais tarde essencialmente o mesmo o grande Rodin: “Beleza é a verdade profunda que transparece através da forma”.

 

                        Mas diferentes matizes os justificam, e demarcam a distância entre os dois.

 

                        As “odes” de Nelson são encantadoras e resgatam, com originalidade, um gênero hoje pouco usado pelos chamados “pós-modernos”. O diálogo é interior e, os textos, do mais puro impressionismo, embora com acentos clássicos. A sua leveza, ou doçura, fez-me lembrar, à primeira leitura, a antiga sonoridade da saudade e sombra de Marános, do querido Teixeira de Pascoaes, mestre do saudosismo português; versos de Neruda, sobretudo aqueles de suas odas elementales, quando tratam do tema amor, e ainda, como não poderia deixar de ser, o gosto da raiz ancestral das odes horacianas, que tanta influência exerceram em Fernando Pessoa (Ricardo Reis).

 

                        Além disso, seus versos deixam às claras a sua própria alma e tecem uma relação de intimidade instantânea com o leitor, digna de um grande poeta. Aliás, é ele quem diz, em sua “Ode ao derradeiro segredo”: “Não me importa a resposta/ desde que expresse a essência de minha alma”. E vê-se que há música na alma e nos poemas, mesmo quando se adentra a “noite voraz”. Além da “oculta voz” que fala por trás dos poemas, há também uma música que parece evocar, pela estética e harmonia, a antiga, introspectiva e permanente sonoridade de um Debussy... “A vida, Laura,/ a preciosa vida/ nos chama!” Não há dúvidas, e o “Prélude à l’après-midi d’un faune” diz a mesma coisa.

 

                        Aliás, também com apelo à vida, à sensualidade e ao amor inicia Mallarmé o seu poema “Le faune”, fonte de inspiração de Debussy para o seu poema sinfônico: “Ces nymphes, je les veux perpétuer./ Si clair,/ leur incarnat léger, qu’il voltige dans l’air/ assoupi de sommeils touffus./ Aimai-je um rêve?” (Traduzo: “Essas ninfas, eu as quero perpetuar./ Tão claro,/ seu leve encarnado, que volteia no ar/ adormecido em densos sonhos./Terei amado um sonho?”. 

 

                        Guardiã estética desta resenha, a provar-lhe veracidade, é a bela “Ode à oculta voz”, reproduzida ao seu final.

 

                        NELSON PATRIOTA nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte, no dia 4 de novembro de 1949. Seus pais, como a maior parte de seus parentes próximos, eram naturais de Touros, cidade litorânea, também do Rio Grande do Norte. Passou toda sua infância na rua Padre Pinto, no bairro da Cidade Alta, Natal. Apesar de sua enorme atividade intelectual, quer como jornalista, quer como promotor cultural e escritor (com vários livros publicados e por ele organizados), editou apenas um livro de poemas de sua autoria: o belo LIVRO DAS ODES, do qual extraio uma de suas odes mais representativas e a reproduzo, ao final desta resenha, a ODE À OCULTA VOZ. Já em prosa, no gênero ficção, é autor de “Colóquio com um leitor kafkiano” (2009), “Um equívoco de gênero e outros contos” (2014), havendo publicado, mais recentemente, o romance “Tribulações de um homem chamado silêncio” (2015), e, mais recentemente, “Caderno de Espantos seguido de Vaticínios da Língua do Não”(2019).

 

 

                        Não menos surpreendente  -  e mágico  -  é o singular caminho de JOÃO CHARLIER FERNANDES. Nele, há dois perfis, ambos responsáveis pela grandeza de sua poesia: o barroco, pelo preciosismo da linguagem, e o gótico, pelo preciosismo das imagens  -  o que nos traz o fio encantador, o ambiente mágico de integração espiritual de sua poesia a outras artes, e, entre estas, a presença, ainda que simbólica, da música e da arquitetura.

 

                        Não há exagero em situar, na sua leitura, a lembrança de velhas e eternas catedrais góticas, associada ao som do órgão e do cravo, diletos intérpretes da música absoluta de tantos geniais artistas barrocos, a exemplo de Bach, Vivaldi, Scarlatti...

 

                        Tais perfis, postos, com maestria, em rigorosa disciplina no ato de escrever, são formadores de uma obra bela e original, e que, embora contemporânea, situa-se, com feição de perenidade, à margem das tradicionais escolas delimitadoras do tempo estilístico. Com acerto pode-se incluir “Entrega ao Mito” no rol das melhores obras literárias  -  no segmento Poesia  -  do Rio Grande do Norte.

 

                        O encanto provocado agora pela leitura atenta e profunda da obra de Charlier remete-me à emoção que senti, no final da década de 1970, ao ler, pela primeira vez, outro admirável poeta, que também revela natureza gótica: Paul Celan, judeu romeno de língua alemã que, com o advento da Segunda Grande Guerra, exilou-se e fixou residência na França, onde veio a falecer em 1953.

 

                        De Charlier, destaco, ao final desta resenha, em reprodução integral, a belíssima elegia às antigas arcas, ou melhor, arcazes (cujo título por si só é precioso achado), “Nênia para os velhos arcazes”, uma obra-prima, com a notável e nítida presença dos aspectos gótico e barroco, e, nesse sentido, referência maior do livro.

 

                        JOÃO CHARLIER FERNANDES nasceu em Caraúbas, sertão do Rio Grande do Norte, no dia 20 de maio de 1944, filho de Reinaldo Fernandes Pimenta, tabelião público, titular do 2º Cartório Judiciário da Comarca de Caraúbas, e de Gizélia Gurgel Fernandes Pimenta, ambos de tradicionais famílias sertanejas. Após concluir o primário em Caraúbas, veio para Natal, onde concluiu, no Atheneu, o curso clássico. Desde criança, lê muito, e suas primeiras produções poéticas datam de sua adolescência. Participou, em Natal, do chamado “Movimento dos Novíssimos”, que agrupava jovens escritores da época (início da década de 1960). Incluído em diversas antologias, publicou na imprensa local e nacional. Poeta, ensaísta e crítico literário premiado. Só recentemente, em março de 2016, surge o seu belíssimo “Entrega ao Mito”, do qual extraio a joia  -  joia entre joias  -  e aqui a reproduzo.

 

 

                        Enfim, eis os poemas, na sequência das datas de publicação das obras que os incluem (“Livro das Odes”, de 2012; “Entrega ao Mito”, de 2016), e espero em Plutarco  -  que na inspiração e no exemplo me emprestou régua e compasso  -  a sua aprovação ao método e às escolhas:

 

 

 

De NELSON PATRIOTA:

 

 

ODE À OCULTA VOZ

 

 Há uma voz por trás dos teus poemas

que me fala com palavras

mas ecoa nos meus ouvidos

com a doçura do vinho que bebo nos teus beijos

há uma voz por trás dos teus poemas

que me diz mais do que diriam tratados e cabalas

que não tergiversa a respeito das coisas verazes

e que dá aos fatos da vida a dimensão que eles merecem

há uma voz por trás dos teus poemas

que faz confidências de teus sonhos de mulher

e te digo que sim

que por tua causa

fiz-me devoto de uma seita ainda inominada

mas capaz de cumular-me de dádivas inenarráveis;

que por tua causa

tornei-me infenso a tudo que não lembre o

            branco do mármore

ou o bruto granito dos sentidos

que por tua causa

fiz de ti a minha causa

aquela pela qual serei capaz de coisas

que nem aos meus olhos confesso

(coisas que sei que, se somadas às aspirações dos

            outros homens

poderiam abalar os alicerces da ordem e do caos

de um universo inteiro)

por isso

e pelo mais que dispensa dicção

digo que tens a chave, a senha, o código

desse segredo

Correntes de luz e trevas se digladiam ante nossos

            olhos

Ignora-as

Amigos laicos e devotos sugerem, preocupados,

medidas saneadoras para os nossos desvios

            doutrinários

Ignora-os

Nossos amigos mais chegados, constrangidos,

Fazem um ar pesaroso às nossas costas,

(deplorando as “loucuras” que ainda faremos)

ignora-os ainda assim

Nossos filhos temem que de tanto agirmos sob o

            domínio

dos nossos egoísticos propósitos

Terminemos nos desgarrando como dois pássaros

            ébrios

Lançados num voo cego

Ousa ignorá-los, se fores capaz

A vida, Laura,

a preciosa vida

nos chama!  

 

 

 

De JOÃO CHARLIER FERNANDES:

 

 

NÊNIA PARA OS VELHOS ARCAZES

 

 

 

Arcas: memória que eu prendo

                        Mas redimo.

Nelas ficaram os epitáfios

E os meus passos

Quase mantos frios.

 

Guardiãs de trapos

E pedaços

Nelas ficaram os ornatos

De aios e magos alados

Florões de traços

Esmagados

            Pelos pálios.

Arcas: grã-vassalas

            Dos vesanos

Nelas só ficaram os

Desenganos.  

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

 

Minhas Cartas de Cotovelo – verão de 2021-5

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

Coisas boas do veraneio – o contato maior com a família, o aconchego que preenche o coração de um octogenário e amansa as suas muitas saudades.

Esta semana foi rica em acontecimentos – caminhei nas areias limpas de Cotovelo, passei por cada recanto onde passeava com a minha eterna Therezinha, agora na companhia dos filhos e netos.

Comemoramos o aniversário de casamento de Carlinhos x Valéria, tomamos banho na modesta piscina e fizemos uma visita a um local histórico de Pium – A Casa de Pedra construída pelos franceses para depósito de pau Brasil em 1570, depois incorporada ao acervo do francês João Lostão Navarro que a transformou em depósito de mercadorias, conforme Carta de Data nº15, de 1º de março de 1601, concedida por João Rodrigues Colaço, acrescentada a outras sesmarias que o mesmo já possuía, onde teve morada de 1603 a 1645. Essa construção recebeu outras denominações como Porto de Búzios, Casa Forte de Pirangi e Casa da Praia do Porto Corado (ao tempo da Companhia das Índias Ocidentais – invasão dos holandeses).

Esse documento em alvenaria, com cerca de 338m2 tem enorme importância histórica por ter sido das mais antigas construções em alvenaria do Brasil, utilizada como forte, onde Lostão dava proteção aos cristãos, da sanha de Jacob Rabi, em decorrência do que foi preso na Fortaleza dos Reis Magos e de lá levado para Uruaçu onde foi trucidado juntamente com outros cristãos católicos, sendo declarado mártir da Igreja, sendo meu parente por parte de mãe, segundo pesquisa em meu poder.

De lamentar o absurdo descaso do Município de Nísia Floresta por esse monumento da engenharia brasileira, pois o acesso é um risco, verdadeira aventura pela sua irregularidade e dimensão que comporta somente uma viatura – verdadeiro caminho para animais.

É preciso que os órgãos de turismo acrescentem a Casa de Pedra em uma de suas atrações turística da região, fazendo um caminho que permita fácil acesso e atraia a população e visitantes para tão belo lugar, de onde se avista os limites marítimos entre Pirangi e Ponta Negra – rota dos holandeses.

Este meu comentário não significa uma simples crônica, mas um verdadeiro Memorial para o reconhecimento desse lugar extraordinário.

Conclamo as populações de Nísia Floresta e Parnamirim, a PROMOVEC e outras entidades interessadas no resguardo da história, para tomarem uma providência definitiva e urgente.

Enquanto isso não acontece solicito a atenção dos moradores e veranistas de Cotovelo e Pium para visitarem esse monumento histórico.