CALDEIRÃO DO DIABO
Valério Mesquita*
Um Estado não é apenas o seu tamanho territorial. É o tamanho de suas
lutas para existir como tal. O Rio Grande do Norte, ao longo do tempo,
degradou-se administrativamente, vítima dos privilégios das suas elites. Hoje,
ele é soma de todos os erros. O que o povo perdeu nesse fogo não será mais
achado nas cinzas. O governante procura convencer permanentemente as pessoas
daquilo que elas não precisam. A cirurgia a ser feita no corpo de delito é mais
em cima. Vejam o somatório de eventos depressivos no Estado calamitoso: crise
no sistema penitenciário, verdadeiro barril de pólvora; incertezas com relação
a segurança da população face a colisão frontal do atraso que ainda persiste e
que não vai sarar até o fim do governo; greve dos servidores da saúde por
melhores salários e condições de trabalho, além do desabastecimento dos
hospitais públicos; ausência de uma política efetiva de socorro aos municípios
contra a estiagem pois dezenas deles já entraram em colapso de abastecimento;
perseguição aos aposentados aumentando a contribuição de onze por cento para
quatorze. Essa categoria funcional, que contempla todos os segmentos
administrativos, teve o fundo previdenciário arrombado pelo gestor com o saque
de um bilhão de reais. O governo vai pagar quando?
É urgente que as associações representativas dos inativos, compreendendo
desembargadores, juízes, conselheiros, procuradores e outros setores do
legislativo e do executivo civil e militar, se irmanem para protestar. A Assembleia
Legislativa não pode coonestar dois assaltos seguidos ao bolso do aposentado
que já percebe com atraso de dez, quinze, vinte e trinta dias os seus
proventos.
A gordura da folha do Estado reside no excesso dos "auxílios"
ativos, retroativos e putrefativos, ali e alhures, concedidos aos que percebem
altos salários. Aliás, é de bom alvitre investigar sim, as licenciosas e gordas
aposentadorias, sem critério e sem vergonha, concedidas nas órbitas dos planetas
Saturno e Plutão. Inclusive, o portal da transparência do sistema já exibe os
nomes dos que apostaram e continuam ganhando. Nesse particular, as distorções
são gritantes e precisam ser reexaminadas, revisadas, se possível. É
incontestável! Erros foram cometidos de forma intencional, graciosa e
deliberadamente.
Quanto à suspensão do cessar-fogo entre o governo e os policiais,
através da assinatura de um pacto, de um documento, apenas traduz o reconhecimento
de que os agentes militares e civis tinham razão. Tanto é assim, que o governo
não cogita punir ninguém, porque reconheceu que tinham razão. A situação era
grave mas não era greve.
Faria já falhou antes, no início do governo, com essa categoria. Quero
dizer que "bem estar o que bem acaba". Aliás, é o título de uma
comédia de William Shakespeare. Não sou profeta, nem ave de mau agouro. Mas
papel, com o tempo, ele se rasga no cartório, na igreja, no banheiro, na padaria,
na loteca ou em qualquer parte. Tudo isso dependerá, da maturidade, da
competência e da firmeza dos que assinaram o documento. Circunstância é
circunstância. Nessa vida, a gente administrará sempre o tempo, as temperaturas
e os temperamentos. O importante é que o Estado seja salvo, visto ser o que
fica quando tudo passar. Governo vem, governo vai. É o ciclo natural da vida
pública. Nela, jamais deixará de ferver o caldeirão do diabo porque é obra de
César. Desde o tempo dos romanos.
Esperamos que os vinte e cinco itens apresentados pelos policiais sejam
atendidos. Aguardamos a queda do índice de criminalidade no Rio Grande do
Norte. E que o aposentado não pague a conta sozinho. Ele é sempre réu dos
crimes imaginários. Desejo desarmar todos os meus presságios, dúvidas e
dívidas. É preciso, contudo, desviver esse tempo mal assombrado. Porque
terrível é ter que desamar os frutos.
(*) Escritor.