sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
METAMORFOSES
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
O historiador romano Publius Cornelius Tacitus disse que “não há no mundo nada inventado pelo homem que o tempo não destrua”. Frase lapidar, verdadeira e nunca contestada. Acredito na evolução das ciências, todas, indistintamente, direcionadas ao bem da humanidade. Assunto vasto que pode parecer vago mas o novo milênio carrega em seu ventre inchado muita mistura podre que não deve ser confundida com evolução. O mundo de hoje pede resultados cada vez mais objetivos, práticos, sem as superficialidades do consumismo que vem de dentro de nós. Em todas as atividades humanas, são exigidas: a fidelidade, a seriedade, a idoneidade, entre outros valores, para que sejam alcançados e balizados os índices de competência e pragmatismo. O planeta terra parece mais obra do demônio do que de Deus, frente às deformidades e mutações da modernidade.
Quero me deter, apenas, neste texto, a um segmento que não provém do homem mas do Criador. Refiro-me ao cristianismo nascido e ungido no Antigo e no Novo Testamento. Nas igrejas, de modo geral, aprende-se pouco sobre as Escrituras. Os artefatos e artifícios de algumas delas - através do exagerado uso da música e da dança - vendem mais o “peixe” explorando o nome de Jesus. Chegam hoje, a patamares absurdos, abusivos e repulsivos. Nos templos, nos palcos e nas emissoras de televisão, a palavra desapareceu para ceder lugar à dança e ao ritmo profanos. Como achei Jesus no silêncio e na serenidade, duvido que Ele ouça com essa parafernália toda, o seu nome. Não creio que a pantomima de certos ofícios ditos religiosos sejam elevação, mas sim, ritos estranhos que lembram os tempos dos deuses pagãos da antiguidade greco-romana e egípcia. Não representam, criatividade mas assombração que despertam mais medo do que religião, caminho, verdade e vida. Não agregam novos valores cristãos, mas mundanos porque deturpam os postulados doutrinários e comportamentais. Resumindo: são invenções do homem que o tempo vai destruir, conforme o romano Tacitus afirmou, no início.
A verdade é que querem transformar as religiões em desfile de calouros. Jesus Cristo virou produto de marqueteiros espertos. Determinadas congregações vulgarizam o nome e a mensagem do Salvador fazendo sobressair mais as máquinas de caça níqueis num mundo de fantasias e atos suspeitos. Algumas igrejas não se abrem mais para um pensador, um teólogo, um doutrinador, um evangelizador, mas para os cantores e músicas “sacras” com toda parafernália de sons, imagens, metais e ruídos. Entendo que o louvor a Deus provém dos salmos. E os hinos e cânticos sejam entoados com respeito e compostura. Pela televisão, já assisti “louvor” a Deus em ritmo de reggae, xaxado, rock-roll, twist e funk com muito requebrado que me faz enxergar naquele ato mais Michael Jackson do que Jesus Cristo. Por que certas igrejas permitem tais coisas como se constituíssem uma inovação? É claro que sugerem uma descaracterização, uma apelação ou um divertimento, onde as qualidades cristãs são metamorfoseados. A dignidade cristã do ser humano no ato de glorificar e louvar o nome do Senhor não está no barulho, nem no poder, nem na riqueza, mas na humildade e na simplicidade de ser e agir.
Repriso a frase que ouvi no caminho de Damasco: “bem aventurados” os ruidosos deste mundo porque deles é o reino do caos.
quinta-feira, 30 de janeiro de 2025
Por que a Bélgica?
Padre João Medeiros Filho
Indagam-me com frequência sobre o motivo pelo qual fui estudar na Bélgica. Em
1960, o reitor do Seminário de João Pessoa, Cônego Luís Gonzaga Fernandes, escreveu ao
bispo diocesano de Caicó, indicando-me para cursar Teologia na Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma. O prelado caicoense, verificando as finanças da diocese (que já
mantinha um seminarista naquela instituição de ensino superior), respondeu ao reitor: “O
bispado não tem condições financeiras de arcar com mais um aluno em Roma. Para ser
vigário das paróquias desta diocese, não precisa ser graduado na Gregoriana. Lá não estive
e hoje sou bispo. Porém, se a família quiser mantê-lo às suas expensas, nada tenho a opor.”
Meu pai, ao ser consultado posteriormente, agradeceu a honra da indicação. Disse que
poderia colaborar, mas seria muito complicado para um comerciante e produtor rural de
Jucurutu – onde sequer havia agência bancária, carteira de câmbio, telefone etc. – manter
sozinho um filho estudando na Europa. A proposta de papai não foi acolhida.
Na impossibilidade de ir para Roma, fui enviado ao Seminário de Olinda. Acatei a
decisão, sem traumas e mágoas. Almejava tornar-me sacerdote, “cura de aldeia”. Nasci na
paróquia mais simples do bispado, na qual nem sacerdote residente havia. Era reitor do
Seminário de Olinda Monsenhor Marcelo Pinto Carvalheira. Informado por Cônego Luís
sobre a minha situação, quis conversar comigo. Avisou-me que o governo belga estava
oferecendo bolsas de estudos a estudantes brasileiros. Havia vaga para o curso de Teologia,
na Universidade de Louvain. Perguntou se aceitaria o desafio e me submeteria ao processo
seletivo. Assenti que me candidataria, pois nada tinha a perder e sim a ganhar. Em Caicó e
Mossoró, entre 1952 e 1955, estudei com os padres lazaristas holandeses. Estes
descreviam como eram os Países Baixos, a Bélgica e as famílias reais. Discorriam com
entusiasmo sobre a Casa Real Belga, cujos monarcas eram católicos. Segui as palavras
do salmista: “Entrega ao Senhor o teu caminho... e Ele agirá” (Sl 37/36, 5).
Dia e hora aprazados, compareci ao Consulado Belga do Recife para os testes.
Quanto à aptidão física: saúde excelente. Fui criado com leite do curral, tapioca com
manteiga da terra, carne de sol, rapadura, cuscuz, queijos e bolachas de Jucurutu (papai foi
pioneiro na fabricação delas). Solicitaram uma redação sobre as relações entre o Estado
brasileiro e o Reino da Bélgica. Veio-me à mente o que ouvia e aprendia dos mestres
neerlandeses. Mostrei os vínculos entre a família real belga e a casa imperial brasileira.
Narrei que as dinastias de ambas: Saxe-Coburgo-Gota-Orleans (Bélgica) e Orleans e
Bragança (Portugal e Brasil) se entrelaçavam. Balduino, então Rei da Bélgica, era bisneto
da Rainha Maria José de Bragança, filha de Dom Miguel, sobrinha de Pedro I, Imperador
do Brasil. Dona Maria José era mãe de Isabel da Baviera, esposa de Alberto I e genitora de
Leopoldo III, pai de Balduino. Este, portanto, era sobrinho trineto de Pedro I. A Princesa
Leopoldina de Bragança, filha de Pedro II (e neta de Pedro I com sua primeira esposa Maria
Leopoldina, da Áustria) casou-se com o Príncipe Luís Augusto de Saxe-Corburgo-Gota (da
família dos soberanos belgas), oficial da Marinha Alemã e almirante da Marinha Brasileira.
Continuei citando os elos entre as duas nações. Assinalei que Alberto I visitou o
Brasil durante os preparativos das comemorações do centenário de nossa Independência.
Nessa ocasião, plantou uma palmeira real no campus universitário da Praia Vermelha.
Recebeu do Presidente Epitácio Pessoa o título de “Doutor Honoris Causa” da Universidade
do Brasil (recém-criada), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Concluí,
lembrando que Leopoldo III abdicou do trono, em favor do filho Balduino, vindo residir
por um tempo no Brasil com a segunda esposa, Liliana Baels. Leopoldo era apaixonado por
botânica e desejava pesquisar sobre o bioma amazônico. Aqui foram bem acolhidos. Com
o resultado da seleção, recebi uma bolsa de estudos, inclusive passagens de ida e volta. Lá,
vivi oito anos acadêmicos, em dois momentos. Hoje, direi como o poeta Virgílio: “Haec
olim meminisse iubavit” (Um dia será agradável recordar estas coisas). Sempre procurarei
seguir o salmista: “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom” (Sl 118/117, 1).
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