quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Por que a Bélgica? Padre João Medeiros Filho Indagam-me com frequência sobre o motivo pelo qual fui estudar na Bélgica. Em 1960, o reitor do Seminário de João Pessoa, Cônego Luís Gonzaga Fernandes, escreveu ao bispo diocesano de Caicó, indicando-me para cursar Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. O prelado caicoense, verificando as finanças da diocese (que já mantinha um seminarista naquela instituição de ensino superior), respondeu ao reitor: “O bispado não tem condições financeiras de arcar com mais um aluno em Roma. Para ser vigário das paróquias desta diocese, não precisa ser graduado na Gregoriana. Lá não estive e hoje sou bispo. Porém, se a família quiser mantê-lo às suas expensas, nada tenho a opor.” Meu pai, ao ser consultado posteriormente, agradeceu a honra da indicação. Disse que poderia colaborar, mas seria muito complicado para um comerciante e produtor rural de Jucurutu – onde sequer havia agência bancária, carteira de câmbio, telefone etc. – manter sozinho um filho estudando na Europa. A proposta de papai não foi acolhida. Na impossibilidade de ir para Roma, fui enviado ao Seminário de Olinda. Acatei a decisão, sem traumas e mágoas. Almejava tornar-me sacerdote, “cura de aldeia”. Nasci na paróquia mais simples do bispado, na qual nem sacerdote residente havia. Era reitor do Seminário de Olinda Monsenhor Marcelo Pinto Carvalheira. Informado por Cônego Luís sobre a minha situação, quis conversar comigo. Avisou-me que o governo belga estava oferecendo bolsas de estudos a estudantes brasileiros. Havia vaga para o curso de Teologia, na Universidade de Louvain. Perguntou se aceitaria o desafio e me submeteria ao processo seletivo. Assenti que me candidataria, pois nada tinha a perder e sim a ganhar. Em Caicó e Mossoró, entre 1952 e 1955, estudei com os padres lazaristas holandeses. Estes descreviam como eram os Países Baixos, a Bélgica e as famílias reais. Discorriam com entusiasmo sobre a Casa Real Belga, cujos monarcas eram católicos. Segui as palavras do salmista: “Entrega ao Senhor o teu caminho... e Ele agirá” (Sl 37/36, 5). Dia e hora aprazados, compareci ao Consulado Belga do Recife para os testes. Quanto à aptidão física: saúde excelente. Fui criado com leite do curral, tapioca com manteiga da terra, carne de sol, rapadura, cuscuz, queijos e bolachas de Jucurutu (papai foi pioneiro na fabricação delas). Solicitaram uma redação sobre as relações entre o Estado brasileiro e o Reino da Bélgica. Veio-me à mente o que ouvia e aprendia dos mestres neerlandeses. Mostrei os vínculos entre a família real belga e a casa imperial brasileira. Narrei que as dinastias de ambas: Saxe-Coburgo-Gota-Orleans (Bélgica) e Orleans e Bragança (Portugal e Brasil) se entrelaçavam. Balduino, então Rei da Bélgica, era bisneto da Rainha Maria José de Bragança, filha de Dom Miguel, sobrinha de Pedro I, Imperador do Brasil. Dona Maria José era mãe de Isabel da Baviera, esposa de Alberto I e genitora de Leopoldo III, pai de Balduino. Este, portanto, era sobrinho trineto de Pedro I. A Princesa Leopoldina de Bragança, filha de Pedro II (e neta de Pedro I com sua primeira esposa Maria Leopoldina, da Áustria) casou-se com o Príncipe Luís Augusto de Saxe-Corburgo-Gota (da família dos soberanos belgas), oficial da Marinha Alemã e almirante da Marinha Brasileira. Continuei citando os elos entre as duas nações. Assinalei que Alberto I visitou o Brasil durante os preparativos das comemorações do centenário de nossa Independência. Nessa ocasião, plantou uma palmeira real no campus universitário da Praia Vermelha. Recebeu do Presidente Epitácio Pessoa o título de “Doutor Honoris Causa” da Universidade do Brasil (recém-criada), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Concluí, lembrando que Leopoldo III abdicou do trono, em favor do filho Balduino, vindo residir por um tempo no Brasil com a segunda esposa, Liliana Baels. Leopoldo era apaixonado por botânica e desejava pesquisar sobre o bioma amazônico. Aqui foram bem acolhidos. Com o resultado da seleção, recebi uma bolsa de estudos, inclusive passagens de ida e volta. Lá, vivi oito anos acadêmicos, em dois momentos. Hoje, direi como o poeta Virgílio: “Haec olim meminisse iubavit” (Um dia será agradável recordar estas coisas). Sempre procurarei seguir o salmista: “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom” (Sl 118/117, 1).

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