O Estádio “Mané Garrincha” e as Políticas Públicas
Geniberto Paiva Campos /DF – julho 2013
Sou torcedor do Flamengo/RJ desde pequenino.
Domingo, devido a um incontornável complô familiar, fui
assistir ao clássico carioca, Vasco x Flamengo, no novo estádio de Brasília,
recém inaugurado e já objeto de polêmicas, resultantes das manifestações de
junho, que ecoaram a voz rouca das ruas.
É preciso esclarecer que adoro futebol. O jogo me fascina.
Quando residia no Rio de Janeiro, em tempos idos, me tornei frequentador assíduo do Maracanã. Guardo boas
recordações da época. Hoje, acompanho pela TV. Os meus filhos resolveram que eu
precisava conhecer o novo estádio. Não dá para ir contra uma decisão deles. E
lá fomos nós.
O “Mané Garrincha”, simpático nome do estádio, é belo e
imponente. A escala humana se perde quando adentramos o seu recinto e nos
aproximamos das suas imensas colunas.
O acesso é muito ruim.
A organização imposta pela Polícia Militar para o clássico obriga a multidão de
adultos, crianças, cadeirantes a um ritual maluco. Parecemos bois em fila,
caminhando, silentes, em direção ao trem de carga. Terminada a marcha, após
algumas peripécias e o desmonte das barreiras pelo própria PM, quem sabe
reconhecendo a sua confusa organização, e passar pelo controle eletrônico dos ingressos,
chegamos, enfim, ao belíssimo palco do espetáculo. Mas que só teria início
dentro de mais 80 minutos. Quase a duração da partida. Mas é preciso chegar
cedo, recomendam.
As torcidas gritam. Uivam. Xingam. Fazem gozações ao
adversário. De forma espontânea ou coreografada. Sorriem, felizes, quando
aparecem no telão do estádio. Uma catarse.
Os ingressos são caríssimos. Noventa reais para sentar no
anel inferior. Isso não é preço para assistir futebol. Afasta o povão e torna o
espetáculo restrito aos ricos e à (velha) classe média. Logo o futebol no
Brasil será jogo de elite. Até que esta elite decida eleger o baseball como
esporte dos brasileiros.
Há o ritual de aquecimento dos jogadores. Isso, a televisão,
geralmente, não mostra. Aumenta a ansiedade e a expectativa da multidão que já
enche o estádio. Senta ao meu lado um amigo. Também torcedor do Flamengo. Uma alegria
revê-lo
De repente, me vem à lembrança a pauta
das manifestações de junho. E me dou conta de que estou numa espécie de local
proibido. Um templo perdulário, que resolveram chamar de “coliseu”. Claro, numa
referência aos romanos. Um lugar onde os cristãos eram devorados pelos leões, a
mando dos imperadores desalmados e cruéis. Faltam poucos minutos para o início
da partida. Mas o meu entusiasmo arrefece. O meu time adentra o gramado. E eu
calado, pensando: ”Não deveria estar aqui... não está correto”. Olhava para os
meus filhos, alegres, ruidosos. Camisas do Vasco, todos. Absortos no espetáculo
que se iniciava. E eu ali, quieto, meditando. Avaliando se era justo assistir
ao jogo. E logo nesse local, cheio de estigmas.
Deveria ter escutado o brado das manifestações. E os vídeos.
Rapazes e moças, brasileiros de nascença. Mas falando um inglês impecável. Com
direito a legendas. Coisa de primeiro mundo. Que orgulho! Numa hora dessas
temos de acreditar no antigo refrão: “com brasileiros não há quem possa!” E o
que esses rapazes e moças recomendavam, peremptórios? Ai meu Deus, e naquele
inglês perfeito: “Não deem importância, esqueçam o futebol! Copa do Mundo? Nem
pensar!” (Numa hora eu pensei que eles se enganaram e disseram que a bola do
jogo era oval. Mas, parece, o engano foi meu). Essas verdades, ditas em outro
idioma têm lá o seu peso. “Pensem nas criancinhas doentes e sem assistência
médica. Por quê? Porque os governantes construíram o estádio! Que tomou o lugar
dos hospitais e das creches.” Aí, me lembrei bem do rapaz brasileiro que falava
no seu inglês rápido, fluente, preciso, dizendo com insistência, (e com as
legendas mágicas): –“Não discutam. Não
argumentem. Apenas digam, e repitam que
a construção do estádio prejudica a
saúde e a educação. Eles vão acabar entendendo”. O que é o estudo! E não é que
assimilamos a coisa?! Hoje, a maioria das pessoas repete essa verdade.
Com seu belo uniforme, o Flamengo entra em campo. O estádio
vem abaixo. Vaias da torcida vascaína. Começa o jogo. Esqueci o “radinho de
pilha”, fiel companheiro do Maracanã. Tenho dificuldades para identificar os
jogadores. Na TV é mais fácil. Eles dão aqueles closes. O Flamengo está melhor
que o Vasco. Mas o jogo é ruim de doer. Ataque rubro-negro bem coordenado chegaram
perto gol. Mas, “who cares?”, como diria o rapaz do inglês perfeito. Fico aqui
pensando nos pacientes com enfarte do miocárdio e derrame cerebral por culpa do
estádio. Na violência nas cidades. No caos do transporte urbano. Tudo culpa
desse belíssimo estádio. E chego a imaginar a perfeição do Brasil, sem estádios
de futebol e com todos esses problemas resolvidos. Por que os nossos políticos
são tão estúpidos e não dão ouvidos ao rapaz e a moça que dizem coisas tão
sensatas. E em inglês, com legendas?
Novo ataque do Flamengo. Gol do Paulinho. As coisas melhoram
um pouco. Afinal, o meu time precisa dos 3 pontos em disputa. Mas a situação do
país, que poderia estar resolvida não me sai da cabeça. Se esse belo estádio,
glória da arquitetura e da capacidade de realização dos brasileiros não
existisse, fosse apenas um terreno, vá lá, coberto por um gramado, os problemas
sociais do Brasil estariam sendo resolvidos. Como fomos bobos em não perceber
isso. Que oportunidade perdida. Não soubemos dar ouvidos às patrióticas
mensagens bilíngues que recebemos. Povinho bobo, esses brasileiros.
Final do jogo. Vitória do Flamengo. A saída do estádio é bem
comportada. A boiada volta de novo silente.
Parecemos um bando de suíços. Não tem os cânticos provocativos. As
gozações aos adversários. Nada disso. Com esse preço dos ingressos e esse
comportamento educado, temo que o futebol da elite brasileira
vá se tornando um espetáculo em que o gol será comemorado pelo lado esquerdo da plateia, com aplausos – comedidos
– e, pelo lado direito com o sacolejar
das joias. Como recomendavam eternos
gozadores, Lennon e McCartney.