sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Estádio “Mané Garrincha” e as Políticas Públicas
Geniberto Paiva Campos /DF – julho 2013

Sou torcedor do Flamengo/RJ desde pequenino.
Domingo, devido a um incontornável complô familiar, fui assistir ao clássico carioca, Vasco x Flamengo, no novo estádio de Brasília, recém inaugurado e já objeto de polêmicas, resultantes das manifestações de junho, que ecoaram a voz  rouca das ruas.
É preciso esclarecer que adoro futebol. O jogo me fascina. Quando residia no Rio de Janeiro, em tempos idos, me tornei  frequentador assíduo do Maracanã. Guardo boas recordações da época. Hoje, acompanho pela TV. Os meus filhos resolveram que eu precisava conhecer o novo estádio. Não dá para ir contra uma decisão deles. E lá fomos nós.
O “Mané Garrincha”, simpático nome do estádio, é belo e imponente. A escala humana se perde quando adentramos o seu recinto e nos aproximamos das suas imensas colunas.
 O acesso é muito ruim. A organização imposta pela Polícia Militar para o clássico obriga a multidão de adultos, crianças, cadeirantes a um ritual maluco. Parecemos bois em fila, caminhando, silentes, em direção ao trem de carga. Terminada a marcha, após algumas peripécias e o desmonte das barreiras pelo própria PM, quem sabe reconhecendo a sua confusa organização,  e passar  pelo controle eletrônico dos ingressos, chegamos, enfim, ao belíssimo palco do espetáculo. Mas que só teria início dentro de mais 80 minutos. Quase a duração da partida. Mas é preciso chegar cedo, recomendam.
As torcidas gritam. Uivam. Xingam. Fazem gozações ao adversário. De forma espontânea ou coreografada. Sorriem, felizes, quando aparecem no telão do estádio. Uma catarse.
Os ingressos são caríssimos. Noventa reais para sentar no anel inferior. Isso não é preço para assistir futebol. Afasta o povão e torna o espetáculo restrito aos ricos e à (velha) classe média. Logo o futebol no Brasil será jogo de elite. Até que esta elite decida eleger o baseball como esporte dos brasileiros.
Há o ritual de aquecimento dos jogadores. Isso, a televisão, geralmente, não mostra. Aumenta a ansiedade e a expectativa da multidão que já enche o estádio. Senta ao meu lado um amigo. Também torcedor do Flamengo. Uma alegria revê-lo
De repente, me vem à lembrança a pauta das manifestações de junho. E me dou conta de que estou numa espécie de local proibido. Um templo perdulário, que resolveram chamar de “coliseu”. Claro, numa referência aos romanos. Um lugar onde os cristãos eram devorados pelos leões, a mando dos imperadores desalmados e cruéis. Faltam poucos minutos para o início da partida. Mas o meu entusiasmo arrefece. O meu time adentra o gramado. E eu calado, pensando: ”Não deveria estar aqui... não está correto”. Olhava para os meus filhos, alegres, ruidosos. Camisas do Vasco, todos. Absortos no espetáculo que se iniciava. E eu ali, quieto, meditando. Avaliando se era justo assistir ao jogo. E logo nesse local, cheio de estigmas.
Deveria ter escutado o brado das manifestações. E os vídeos. Rapazes e moças, brasileiros de nascença. Mas falando um inglês impecável. Com direito a legendas. Coisa de primeiro mundo. Que orgulho! Numa hora dessas temos de acreditar no antigo refrão: “com brasileiros não há quem possa!” E o que esses rapazes e moças recomendavam, peremptórios? Ai meu Deus, e naquele inglês perfeito: “Não deem importância, esqueçam o futebol! Copa do Mundo? Nem pensar!” (Numa hora eu pensei que eles se enganaram e disseram que a bola do jogo era oval. Mas, parece, o engano foi meu). Essas verdades, ditas em outro idioma têm lá o seu peso. “Pensem nas criancinhas doentes e sem assistência médica. Por quê? Porque os governantes construíram o estádio! Que tomou o lugar dos hospitais e das creches.” Aí, me lembrei bem do rapaz brasileiro que falava no seu inglês rápido, fluente, preciso, dizendo com insistência, (e com as legendas mágicas):  –“Não discutam. Não argumentem. Apenas digam, e repitam  que a  construção do estádio prejudica a saúde e a educação. Eles vão acabar entendendo”. O que é o estudo! E não é que assimilamos a coisa?! Hoje, a maioria das pessoas repete essa verdade.
Com seu belo uniforme, o Flamengo entra em campo. O estádio vem abaixo. Vaias da torcida vascaína. Começa o jogo. Esqueci o “radinho de pilha”, fiel companheiro do Maracanã. Tenho dificuldades para identificar os jogadores. Na TV é mais fácil. Eles dão aqueles closes. O Flamengo está melhor que o Vasco. Mas o jogo é ruim de doer. Ataque rubro-negro bem coordenado chegaram perto gol. Mas, “who cares?”, como diria o rapaz do inglês perfeito. Fico aqui pensando nos pacientes com enfarte do miocárdio e derrame cerebral por culpa do estádio. Na violência nas cidades. No caos do transporte urbano. Tudo culpa desse belíssimo estádio. E chego a imaginar a perfeição do Brasil, sem estádios de futebol e com todos esses problemas resolvidos. Por que os nossos políticos são tão estúpidos e não dão ouvidos ao rapaz e a moça que dizem coisas tão sensatas. E em inglês, com legendas?
Novo ataque do Flamengo. Gol do Paulinho. As coisas melhoram um pouco. Afinal, o meu time precisa dos 3 pontos em disputa. Mas a situação do país, que poderia estar resolvida não me sai da cabeça. Se esse belo estádio, glória da arquitetura e da capacidade de realização dos brasileiros não existisse, fosse apenas um terreno, vá lá, coberto por um gramado, os problemas sociais do Brasil estariam sendo resolvidos. Como fomos bobos em não perceber isso. Que oportunidade perdida. Não soubemos dar ouvidos às patrióticas mensagens bilíngues que recebemos. Povinho bobo, esses brasileiros.
Final do jogo. Vitória do Flamengo. A saída do estádio é bem comportada. A boiada volta de novo silente.  Parecemos um bando de suíços. Não tem os cânticos provocativos. As gozações aos adversários. Nada disso. Com esse preço dos ingressos e esse comportamento educado, temo que o futebol da elite  brasileira  vá se tornando um espetáculo   em que o gol será comemorado pelo lado  esquerdo da plateia, com aplausos – comedidos – e, pelo lado direito com  o sacolejar das joias.  Como recomendavam eternos gozadores, Lennon e McCartney.

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