RECANTOS DE NATAL
Memorial do Grande Ponto
Celso da Silveira
Os bares do Grande Ponto
tenho os seus nomes de cor:
Botijinha, Dia-e-Noite,
Acácia Bar, Rio Grande,
Onde a cachaça de Ovídio
Dessendentava a goela
De Evaristo e Babuá.
Confeitarias - um par:
A Helvética e a Cisne;
Casa Vesúvio - bazar,
e adiante o Natal Clube,
Santa Cruz Futebol Clube
- os dois de primeiro andar.
Cafés Maia e São Luís,
Sorvete do Aracati,
Restaurante Dois-Amigos
com porta de vai-e-vem
e freqüência popular.
E Restaurante Acapulco,
local a que acorriam
Casais da sociedade
E rapazes bem trajados,
Todos lá fazendo hora
Para o baile do Aéro
- requinte/mor da cidade.
Numa esquina, a Alcazar
E na outra o Grande Ponto
- casa de jogos de azar -
um verdadeiro universo
de Tubiba à Mulamanca,
pro poeta fazer verso
como faz Milton Siqueira.
Lá, o Bolero servia
comidas de pratos quentes,
mas, já do lado de cá,
junto do Beco da Lama,
o Pérola vendia bifes
aos habitantes da noite
que voltavam dos bordéis
pra saciar outras fomes.
Lembrança de João Machado
Rutiquiano e Ercilo
(que foram ali quase Reis);
Sorveteria Cruzeiro
e do Salão Santo Antônio;
cigarreira O Zepelim,
que vendia bugigangas
e tinha o jornal/mural
onde "seu" Luiz Cortez
dava notícias do mundo
como que em primeira mão.
Juizes, advogados,
até desembargadores
e muitos aposentados,
recrutas e general
Leitão, Liliu do bilhar,
todo pessoal letrado
- são sombras na paisagem;
foi lá que estreou veado
um tal de Velocidade,
contraste de Tororomba.
Conversas de futebol
de torcedores e atletas,
cada um é melhor técnico
do América ou ABC,
Riachuelo e Atlético,
E o grito marcando gol
Está na boca de todos.
Carnaval na João Pessoa,
Deblechem vem de rei momo
ao lado de Zé Areia
e Djalma Maranhão;
se batalham de confete
e lança-perfume Rodo.
Papangus e colombinas
no toque da banda ao vivo
dançam ao som do "Zé Pereira"
Luís Tavares, de linho
LS-120
sapatos de duas cores,
bico fino de camurça,
ou couro de jacaré,
ditava a moda da praça
e ainda dava de graça
seu jeito de meninão.
Sorveteria Polar
(pianista Paulo Lyra)
onde se falava inglês
- "US Navy, my friend" -
de Aparício Meneses
ao engraxate da casa,
no tempo do americano.
O primeiro telefone
de serventia do povo
(nosso orelhão de outrora)
- "basta pagar e ligar" -
ficava numa cabine
toda vedada de vidro,
na antiga Casa Royal,
onde os segredos guardados
não coravam as namoradas.
É um espaço em aberto
à gente de toda parte;
convergência da cidade,
encontro de viajantes
e de onde as línguas feriam
moças vindas dos cinemas
Rex, Nordeste, Rio Grande,
Ou mesmo, quando mais cedo,
Retornavam das novenas.
Centro referencial
de política e cultura,
de oposição e governo;
a palavra ali falada
no palanque dos comícios
ganharam tal ressonância
que nos seus cantos ecoam,
não, grande ponto final
- leve som de antigamente -
reticência, ponto e vírgula,
mas, ocasionalmente,
exclamação, coisa e tal,
força lúdica, dominante
deste seu memorial
Os bares do Grande Ponto
tenho os seus nomes de cor:
Botijinha, Dia-e-Noite,
Acácia Bar, Rio Grande,
Onde a cachaça de Ovídio
Dessendentava a goela
De Evaristo e Babuá.
Confeitarias - um par:
A Helvética e a Cisne;
Casa Vesúvio - bazar,
e adiante o Natal Clube,
Santa Cruz Futebol Clube
- os dois de primeiro andar.
Cafés Maia e São Luís,
Sorvete do Aracati,
Restaurante Dois-Amigos
com porta de vai-e-vem
e freqüência popular.
E Restaurante Acapulco,
local a que acorriam
Casais da sociedade
E rapazes bem trajados,
Todos lá fazendo hora
Para o baile do Aéro
- requinte/mor da cidade.
Numa esquina, a Alcazar
E na outra o Grande Ponto
- casa de jogos de azar -
um verdadeiro universo
de Tubiba à Mulamanca,
pro poeta fazer verso
como faz Milton Siqueira.
Lá, o Bolero servia
comidas de pratos quentes,
mas, já do lado de cá,
junto do Beco da Lama,
o Pérola vendia bifes
aos habitantes da noite
que voltavam dos bordéis
pra saciar outras fomes.
Lembrança de João Machado
Rutiquiano e Ercilo
(que foram ali quase Reis);
Sorveteria Cruzeiro
e do Salão Santo Antônio;
cigarreira O Zepelim,
que vendia bugigangas
e tinha o jornal/mural
onde "seu" Luiz Cortez
dava notícias do mundo
como que em primeira mão.
Juizes, advogados,
até desembargadores
e muitos aposentados,
recrutas e general
Leitão, Liliu do bilhar,
todo pessoal letrado
- são sombras na paisagem;
foi lá que estreou veado
um tal de Velocidade,
contraste de Tororomba.
Conversas de futebol
de torcedores e atletas,
cada um é melhor técnico
do América ou ABC,
Riachuelo e Atlético,
E o grito marcando gol
Está na boca de todos.
Carnaval na João Pessoa,
Deblechem vem de rei momo
ao lado de Zé Areia
e Djalma Maranhão;
se batalham de confete
e lança-perfume Rodo.
Papangus e colombinas
no toque da banda ao vivo
dançam ao som do "Zé Pereira"
Luís Tavares, de linho
LS-120
sapatos de duas cores,
bico fino de camurça,
ou couro de jacaré,
ditava a moda da praça
e ainda dava de graça
seu jeito de meninão.
Sorveteria Polar
(pianista Paulo Lyra)
onde se falava inglês
- "US Navy, my friend" -
de Aparício Meneses
ao engraxate da casa,
no tempo do americano.
O primeiro telefone
de serventia do povo
(nosso orelhão de outrora)
- "basta pagar e ligar" -
ficava numa cabine
toda vedada de vidro,
na antiga Casa Royal,
onde os segredos guardados
não coravam as namoradas.
É um espaço em aberto
à gente de toda parte;
convergência da cidade,
encontro de viajantes
e de onde as línguas feriam
moças vindas dos cinemas
Rex, Nordeste, Rio Grande,
Ou mesmo, quando mais cedo,
Retornavam das novenas.
Centro referencial
de política e cultura,
de oposição e governo;
a palavra ali falada
no palanque dos comícios
ganharam tal ressonância
que nos seus cantos ecoam,
não, grande ponto final
- leve som de antigamente -
reticência, ponto e vírgula,
mas, ocasionalmente,
exclamação, coisa e tal,
força lúdica, dominante
deste seu memorial
CLOTILDE TAVARES
O tempo passava e o mar se tornava cada vez mais próximo, mais presente. Nos anos trinta a quarenta, ele era pouso obrigatório das famílias de classe alta, que durante o verão migravam para a areia, mudando-se completamente para as suas residências praieiras. Eles levavam mobília, pertences, empregados e, por até três meses, fixavam-se ali. Não havia visitas esporádicas à cidade. O reabastecimento dos mantimentos ficava por conta de algum criado, que ia e voltava da cidade à pé, trazendo os pacotes nos braços.
Muitas de nossas praias urbanas encontravam-se ainda selvagens, seu grande atrativo era a tranquilidade, o repouso. Natal já possuia muitos dos traços urbanos da época e as pessoas buscavam modos alternativos de vida durante as férias, fugindo da cidade. Os veraneios de antes eram bem semelhantes aos de hoje, as diferenças ficavam por conta da relação entre as pessoas, todos ali eram amigos, parentes, conhecidos ou filhos de conhecidos. Havia segurança e confiança nos nativos do lugar. Os pescadores da área ajudavam a vigiar as casas e tinham livre acesso às suas portas. Claro, o mar era um prazer para um público seleto. Contavam-se poucas casas de veraneio, mas estas congregavam bastante gente, grandes famílias com muitos filhos, primos e sobrinhos. Os novos exploradores do mar tinham liberdade para conhecer a área e descobrir os brinquedos do litoral. O território do Forte dos Reis Magos era aberto, sem vigilância, o que o tornava cenário favorito dos piqueniques organizados na época, uma diversão que durava um dia inteiro. A rotina dos dias resumia-se a passeios, brincadeiras na areia e banhos de mar, este último, o mais apreciado. As noites ficavam por conta dos violões dos seresteiros, que reuniam toda a gente das vizinhanças nos alpendres, embalando flertes e conversas com suas canções, que fluiam ao sabor da maresia. O médico Jahyr Navarro, antigo veranista da praia de Areia Preta, - a primeira a abrigar esse tipo de casas - acompanhou o desenrolar de três décadas naquelas areias. Ele recorda que quando menino seu passatempo favorito era escorregar nas dunas sentado numa prancha de madeira, lubrificada com um pouco de cera de vela. Isso, em 1935, muito antes de alguém associar essa prática ao esporte de neve e apelidá-la de "skibunda". Navarro lembra de detalhes do cotidiano nas praias, como o ônibus amarelo da Força e Luz, única alternativa de transporte além do bonde. "Era um ônibus amarelo da companhia de luz elétrica, que quando chovia era obrigado a ultrapassar o barro acumulado na ladeira do sol de marcha ré, as crianças o usavam como meio de chegar até a escola". Saudoso daquele tempo, Jahyr recorda ainda a atmosfera das praias na década de cinquenta, quando se reunia com seus companheiros no bar "É Nosso", para ensaiar as marchinhas de carnaval que seriam cantadas nos bailes do Aero Clube - sucessor do Natal Clube na preferência do high society. Vem dessa época também, o surgimento da Praia dos Artistas, mais reservada que as demais. A origem do apelido deve-se a fama de ter hospedado os grandes artistas do rádio, como Cauby Peixoto, Francisco Alves e Maria Creuza, que a escolhiam por estar mais distante da concentração de pessoas. Lá eles podiam tomar banho isolados na prainha. Algum tempo depois a fama de esconder artistas começou a atrair mais gente para a praia, afastando os frequentadores ilustres, mas, deixando o rótulo. Começava a se espalhar a moda da paquera na areia, "Conhecíamos o ‘ponto’ onde cada moça tomava sol. Elas sempre escolhiam o mesmo lugar, para facilitar o acesso dos pretendentes", afirma o médico. Claro, todo o envolvimento transcorria com muita discrição, não se sonhava ainda com as ousadias de hoje em dia. Na década de cinquenta, as praias de Natal tiveram a exibição do que seria um traje de banho moderno. A primeira mulher a pisar vestida de maiô numa praia de Natal foi uma aeromoça espanhola, trazida por um rapaz chamado Faruk. A visão das suas curvas ajustadas na peça, que se estendia até os joelhos, desencadeou um tumulto imprevisto nos rapazes, que ameaçaram reduzir bem mais o tamanho do traje, arrancado-o aos pedaços. Felizmente, a moça foi protegida e seu maiô escapou ileso. Era a modernidade começando a arranhar nosso provincianismo. |
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