sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Solidão coletiva
“Se você se sente só, é porque ergueu muros em vez de pontes” (William Shakespeare)

(*) Rinaldo Barros
O paradoxo social do nosso tempo é “convivermos” o dia a dia com tanta gente e, ao mesmo tempo, sentirmo-nos solitários. O sentimento de solidão e anonimato em meio à multidão cresce na vida moderna.
Muitas são as situações geradoras de solidão: existe a solidão gerada pelo poder, a solidão decorrente da riqueza, a solidão dos mal casados, a solidão da criança cujos pais são egoístas, a solidão dos velhinhos rejeitados, a solidão das crianças órfãs, abandonadas, a solidão da loucura, a solidão dos internos dos hospitais psiquiátricos, a solidão dos enfermos hospitalizados, a solidão do excluídos pelo mercado de trabalho, a solidão do desempregado, a solidão do camponês que deixou família para trabalhar na cidade grande, a solidão do estigmatizado por preconceitos, e a solidão que caracteriza a sociedade da informação: os solitários das redes sociais (Twitters, Facebook, Whatsapp, Viber e outros menos cotados); os quais possuem milhares de “amigos”, mas nenhum deles preenche, de verdade, o sentimento de solidão do seu cotidiano.
Sem falar na solidão de quem se arrisca como escrevinhador, tendo que enfrentar a solidão, desde o ato sofrido de criar, até receber a lufada de ar da indiferença dos supostos leitores, os quais nunca correspondem à ansiedade ingênua do autor em relação à sua “contribuição” para interagir com o mundo. Escrever, sem dúvida, é uma tentativa de fugir da solidão.
Muitas pessoas solitárias justificam seu “desejo de privacidade”, escolhendo "viver sozinhas porque gostam de liberdade", “preferem viver sozinhas do que mal acompanhadas”.
A tendência individualista de nossa época reforça o temor de conviver com as diferenças humanas, afinal, morar junto implica, sobretudo, sermos tolerantes, compreender o outro, termos que dividir espaços e coisas e aceitar conferir a todo o momento que o outro não nos preenche. Demandamos sempre que o outro irá preencher nosso vazio existencial, mas isso – quase sempre - não passa de um delírio visando zerar nossa falta essencial. Os mais conscientes dessa falta se recusam a investir num relacionamento duradouro.
No universo dos sozinhos, existem aqueles que o fizeram por opção pessoal, e aqueles que devido às contingências da vida foram obrigados a viver desacompanhados.
Muitos aposentados se queixam de terem sumido os “amigos” do trabalho. O rótulo de “inativo” sinaliza exclusão na linguagem e na prática da convivência diária.  Inativo ou aposentado são palavras mal ditas no Brasil. Como de resto, aqui no patropi, o idoso em geral é tido e visto como uma carta fora do jogo.
O isolamento social obrigatório é muito diferente do viver sozinho “por opção”.
No primeiro, existe a imposição do destino ou das circunstâncias, no segundo, a escolha é consciente e deliberada de viver solitariamente.
O artista, cientista ou intelectual, por exemplo, precisa de vez em quando estar sozinho para se concentrar e produzir seu texto, sua obra; o que não quer dizer que ele padece do sentimento de solidão.
Para ler, refletir, escrever, criar ou inventar precisamos estar sozinhos. A solidão só pode ser conquistada - ou domada - por aqueles que encontram coragem e determinação de levá-la a trabalhar, a produzir criativamente, altruisticamente. Entretanto, conquistar a solidão ou domá-la não quer dizer eliminá-la.  
Contam que a Cecília Meireles, mesmo quando acompanhada dos amigos, dava sempre a impressão de estar solitária, vivendo no seu próprio mundo, impenetrável. Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.
Por sua vez, a solidão indomada tem o poder de fazer do sujeito seu objeto, isto é, produz efeitos patológicos previsíveis como a depressão, drogas, hipocondria, alcoolismo e até o suicídio.
E, em nossa sociedade pós-moderna, onde tudo é descartável, a Internet têm sido um instrumento de comunicação ambíguo, pois tanto pode facilitar a busca de companhia virtual como pode ser usado também para sustentar o isolamento social. São os fóbicos sociais, isto é, os que temem sair de casa, não suportando simplesmente qualquer aglomeração urbana.
É possível que o medo, fruto da violência urbana, contribua para o aumento da solidão coletiva.
O aumento dos diversos tipos de solidão, no Brasil e no mundo, põe em dúvida até mesmo a antiga tese de que o humano é um ser eminentemente social.
As novas gerações deverão redefinir se o Homo sapiens é, ou não, um ser social.


(*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com


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