quarta-feira, 22 de outubro de 2025

 

Sobre os termos política e político

Padre João Medeiros Filho

Quando residia no Rio de Janeiro, vez por outra, encontrava na Editora Vozes, (então dirigida pelo Frei Ludovico Mourão, OFM), o Professor Junito de Souza Brandão. Este foi um dos brasileiros mais versados em língua e literatura helênicas. Dominava a semântica e raízes dos vocábulos luso-brasileiros, oriundos do idioma de Aristóteles. Autor de uma obra notável sobre a mitologia grega. Pesquisou os arquétipos, objeto de estudos dos psicanalistas e psicólogos. Com frequência era convidado para ministrar cursos, seminários e palestras na Sociedade Junguiana do Rio de Janeiro.

Uma das paixões do renomado mestre era pesquisar os vocábulos portugueses, derivados do grego. Discordava de definições atribuídas ao termo política, registrado em certos dicionários. Insistia peremptoriamente: “política deriva de ‘pólis’, que significa cidade, na qual se exige uma correta convivência social.” A Ética deve ser parte integrante. Por conseguinte, todo político deve ser um autêntico cidadão. Necessita estar familiarizado com os assuntos citadinos: linguagem, direitos, deveres, dificuldades, problemas e possibilidades. Deste modo, argumentava o eminente pesquisador: “Político, na sua essência, é alguém voltado para a cidade e não apenas para um partido, que é semântica e etimologicamente uma parte.” A “pólis” é configurada em oposição ao campo. O campesino, por viver em grupos restritos e geralmente familiares, carece de uma visão bem mais ampla e diferenciada da vida em sociedade.

Segundo etimólogos, o adjetivo polido e o verbo polir derivam do mesmo étimo “pólis”. Portanto, o político deve ser detentor de polidez, educado, urbano em palavras e atos. O que se observa hoje é o contrário. Em geral, é prepotente, vaidoso, egocêntrico e radical. Frequentemente, é aplaudido e elogiado, quando desfia impropérios, atacando a honra alheia e procurando destruir a reputação de outrem. Ao invés de ser elegante e cortês, passou a ser sinônimo de inflexível e, por vezes, obtuso ou recalcitrante. Deveria primar pela lhaneza, sendo capaz de escutar, dialogar e buscar soluções em conjunto. Querer respostas para problemas sociais ou comunitários isoladamente ou partindo apenas de um grupo (sem consenso), faz parte da síndrome do autoritarismo, beirando à ditadura e contrário à cidadania.

Segundo o Professor Junito, a “pólis” opunha-se à cidadela (muralhas, fortalezas etc.). Nesta, seus ocupantes enclausurados permaneciam focados na defesa contra ameaças de invasão, alienados dos verdadeiros assuntos e problemas urbanos. Em latim, existe o termo “civitas” (do qual se originam cidade, cidadão), correspondente à palavra grega “pólis”. Era o local dos civis (em oposição aos ocupantes das fortalezas), detentores de civilidade. A verdadeira cidadania implica em conhecimento e vivência de atos civilizados. Mas, nem sempre tal acontece. Os políticos devem ser por excelência citadinos, na mais genuína acepção do termo. Entretanto, ignoram ou desprezam as regras mais comezinhas do conviver, sentindo-se donos e não participantes da vida social. A “pólis” e a “civitas” nasceram como alternativa às cortes. Infelizmente, hoje, vários políticos querem viver encastelados como os nobres, procurando tornar os concidadãos seus suseranos. Aqui, no Rio Grande do Norte, houve quem definisse o Senado brasileiro como o céu, em virtude de seus privilégios e mordomias. O pesquisador Brandão denomina tais pessoas sectários e não políticos.

Talvez a leitura de Santo Agostinho nos ajude a entender melhor a realidade. Para ele, “a cidade é a reunião dos homens em harmonia de pensamentos e projetos em função dos anseios e objetivos humanos.” Entretanto, é importante sempre ter em mente o que proclama o salmista: “Se o Senhor não guardar a cidade, debalde vigiam aqueles que a guardam.” (Sl 127, 1). Aliada à política deve estar a economia. Esta provém do termo grego: “óikos+nómos”, que significa gerir ou administrar a casa. Isso confunde alguns que por dever estão obrigados a cuidar da cidade. A tentação de individualizar a “casa comum” – segundo a expressão do Papa Francisco – permeia o pensamento de certos ocupantes de cargos públicos. Muitos exercem a política, pensando em administrar “a casa”, como se fosse sua ou apenas de alguns (compreendendo interesses pessoais, de amigos, grupos, partidos, incluindo ideologias). Convém lembrar as palavras do apóstolo Paulo aos coríntios: “Há uma diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.” (1Cor 12, 4).