sexta-feira, 24 de outubro de 2025

 


Este é a recente pintura que fiz, retratando Capelas e Igrejas do Rio Grande do Norte. Escolhi a Capela da localidade denominada Utinga, que fica numa pequena e antiga povoação de São Gonçalo do Amarante, conhecida como rota para a exploração holandesa no início do século XVII. 

Segundo historiadores registram desde 1638, essa comunidade era conhecida como "Itinga" (que no dialeto tupi-guarani significa água branca), onde existia uma capela, que teria sido construída no mesmo local da anterior, já existente na época do domínio holandês, que deve não ter funcionado em virtude da religião dos invasores, que eram Calvinistas.

A atual capela teria sido erguida por volta de 1730, segundo documentos oficiais, e é dedicada à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. De maneira conflitantes, existem registros de que no frontispício da capela aparece o ano de 1783, 1785, 1687 e representa, provavelmente, a época em que o templo sofreu alguma reforma. A verdadeira inscrição é 1785. 

Vê-se nas suas características e de outras edificações próximas, a indicação da arquitetura do século XVII, o que comprova o período indicado de sua construção. 

Como em muitos lugares do Estado, essa Capela também serviu para a ocupação holandesa. Pelo seu valor histórico foi tombada pela Fundação José Augusto. 

Observam os historiadores: "Provavelmente, a estrada mais antiga do Estado, que ligava Baía da Traição, na Paraíba, até Natal, passava pela capela de Utinga. Outro fato importante é que na localidade de Utinga e na sede de São Gonçalo registrou-se antes mesmo de 13 de maio de 1888, a abolição de escravos".

Por derradeiro, reitero que uma pintura, no estilo naif, não significa um retrato da coisa escolhida, mas uma indicação equivalente à realidade.

 

 

UM CANCRO NO PAÍS –

O apadrinhamento no serviço público está se tornando uma prática viciante, constante e nociva com resultados nada positivos para a economia do Brasil. Não se tem noção de quantos apadrinhados políticos mamam nas tetas da nação, estados e municípios nem dos custos que eles representam para os cofres do erário.

Que tentem justificar que os ditos são recrutados para suprir vagas do serviço público. Pura balela. A carência de funcionários de carreira é suprida mediante concursos públicos. Trata-se aqui da acomodação de apaniguados de líderes políticos em cargos comissionados, atendendo compromissos de campanhas eleitorais.

Diminuir o número de ministérios é uma das primeiras promessas feitas durante as disputas para presidente da República no intuito de conter os gastos públicos. Eis o acontecido nos três últimos pleitos: Dilma criou 30 ministérios; Temer, manteve 29; Bolsonaro, terminou com 23; e, Lula, emplacou 39 no início do governo.

Durante o regime militar, com Castelo Branco na presidência, existiam 10 ministérios; no término da intervenção militar com Figueiredo no comando foram 13 ministérios. O crescimento durante a redemocratização foi significativo, basta comparar os dados acima.

A Constituição de 1988 proíbe e condena a prática do nepotismo na atividade pública nos três poderes da República porque fere os princípios da moralidade e da impessoalidade. Acontece que o desrespeito a essas normas é patente em todas as instâncias do serviço público com maior descontrole nos estados e municípios.

São 44 estatais federais controladas pelo governo e 79 empresas subsidiárias, administradas de forma indireta pela União. Tais empresas servem também de alicerce para acomodar parte desse afilhadismo em siglas a perder de vista como as das agências reguladoras federais: Anac, Anatel, Aneel, Anvisa, Ancine e outras tantas.

Isso sem falar nos Conselhos para definir as orientações estratégicas e aprovação dos planos e negócios das empresas públicas. Acontece que a maioria deles são compostos de pessoas que recebem salários exorbitantes para participar de reuniões esporádicas, comumente, sem a menor qualificação para assumir tais assentos.

O resultado de tudo isso são os rombos nas contas públicas devido aos problemas de gestão e competitividade, além dos gastos com custeio, programas assistenciais crescentes e pessoal. A verdade é que nada pode conter o excesso de despesas com pessoal sem a extinção de cargos e com a manutenção dos apadrinhados.

Presume-se que a ocupação do “cargo de confiança”, que é uma posição que confere ao empregado autonomia para tomar decisões e representar o empregador, seria destinado a alguém da confiança do titular da empresa, desde que utilizando os critérios determinados na lei. Acontece de os critérios estarem banalizados.

Por qual razão os órgãos responsáveis pela lisura pública não controlam essas contratações indevidas, que ferem a Constituição? O que impede o governo de eliminar tais cancros danosos ao erário? Certamente, porque há muito tempo as práticas da impessoalidade e da moralidade deixaram de existir.

Essa é a Lei da Compensação em vigor: enquanto uns “ralam” derramando o suor pelo país; outros se locupletam às custas da dedicação dos primeiros. Fazer o quê?

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José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

 



OAB-RN – 93 anos depois
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, Membro Honorário Vitalício

O tempo não arrefeceu os ideais surgidos com a criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto de 1827, do que resultou o despertar da ideia de criação de uma Corporação profissional dos bacharéis em Direito brasileiros, formados nas Escolas da Europa, em volta com o natural pendor pelo nacionalismo.
Os Institutos dos Advogados foram os precursores, com caráter mais cultural e depois, sob o clamor da Revolução de 1930, eclodem os procedimentos para a criação da Corporação dos Advogados, propriamente ditas - ou seja, a Ordem dos Advogados do Brasil em todos os pontos cardeais do Brasil.
O Rio Grande do Norte não demorou a aderir à ideia e, no tempo de precedência, o nosso Instituto dos Advogados do Brasil, fundado pelo grande jurista provinciano Desembargador aposentado Hemetério Fernandes Raposo de Mello, após a sessão ordinária realizada no dia 05 de março de 1932, na sala de reuniões do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, conclamou os seus pares para iniciar o movimento de criação de uma Secional da OAB, contando com o apoio dos colegas Francisco Ivo Cavalcanti, Paulo Pinheiro de Viveiros, Manoel Varella de Albuquerque, Francisco Bruno Pereira e Manuel Xavier da Cunha Montenegro.
Foi então formada uma diretoria provisória, preenchida com os cargos, respectivamente, de Presidente, Secretário, Tesoureiro e os demais, como vogais, cuja ata inaugurou o Livro próprio de Atas nº1, constando como primeira decisão, publicar editais convocando os advogados, provisionados e solicitadores, para fazerem suas inscrições na nova Corporação recém-criada.

            Recrutados os profissionais da advocacia foi composto o nosso Primeiro Colégio Eleitoral e realizadas as eleições, aprazada a posse para o dia 22 de outubro daquele mesmo ano, reconhecida como data oficial de fundação na 10ª reunião do Conselho da OAB/RN, pelas às 19 horas daquele dia, tendo como integrantes da Primeira Diretoria os seguintes advogados: Presidente – Dr. Francisco Ivo Cavalcanti; 1º Secretário – Dr. Paulo Pinheiro de Viveiros; Tesoureiro – Dr. Manoel Varella de Albuquerque; Vogais – Dr. Pedro d’Alcântara Mattos, que substituiu Dr. Hemetério Fernandes Raposo de Mello, que foi eleito Conselheiro com a maior votação, mas não tomou posse em razão do seu falecimento no dia 30 de agosto (Assembleia dos Advogados em 14 de novembro de 1932) e, por sua vez, substituído em seguida pelo Dr. Alberto Roselli, depois por Phelippe Nery de Brito Guerra e Vicente Farache Netto, tendo como Conselheiro representante junto ao Conselho Federal o advogado João de Brito Dantas. 

No correr do tempo a nossa Corporação foi responsável por incontáveis ações relevantes para a histórica política, intelectual e social do Rio Grande do Norte e os seus atuais integrantes guardam fielmente os mesmos fundamentos que fizeram da Ordem dos Advogados do Brasil, uma Entidade que logrou em definitivo, o apoio da sociedade potiguar, que lhe deu o respeito e a reverência devidos.

PARABÉNS a todos os bacharéis filiados à Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Norte, que completou esta semana os seus 93 anos de existência, agora sob a direção do Presidente Carlos Kelsen.


 

Um escritor amargo que tinha uma biblioteca de nome terno e poético

Lima Barreto deu à sua biblioteca o nome de Limana, substantivo próprio que é quase uma música de um só acorde e significa pertencimento

 atualizado 

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Lima Barreto era um homem difícil, cáustico, magoado, ressentido, sofrido, solitário, briguento, provocador, extremamente lúcido, escrevia em português brasileiro quando isso era um acinte para a bolha literária. O criador de Policarpo Quaresma e Isaías Caminha via as coisas do Brasil com a crueza necessária para mostrar o que se tentava esconder, disfarçar, embranquecer. Lima Barreto viveu pouco, só até os 41 anos, mas escreveu muito, polemizou outro tanto, publicou romances e contos (além de crônicas) que estão em qualquer lista dos clássicos da literatura brasileira, deu voz à periferia, tirou a casca do racismo brasileiro e deixou a ferida sangrar. Escreveu sem academicismo, deu voz à sua própria voz e a dos seus. Lima Barreto brigou com meio mundo, até com Machado de Assis, não exatamente com o escritor, mas com o fundador da Academia Brasileira de Letras. Passou por hospícios pra tentar se livrar do alcoolismo, não se casou, não deve ter tido filhos, se namorou foi muito pouco.

O filho da professora Amália com o tipógrafo e depois almoxarife João tinha uma biblioteca em casa, um cômodo que servia de quarto, escritório, refúgio, sossego. E aí vem a coisa mais terna e doce do amargo escritor que dizia ter a alma de um bandido tímido: ele deu à sua biblioteca o nome de Limana, substantivo próprio que é quase uma música de um só acorde, um poema de uma única palavra, o nome de uma fruta mais o sufixo “na” que tem o sentido do pertencimento. Romana, de Roma, Americana, da América, Machadiana, de livros de e sobre Machado de Assis, Limana, de Lima Barreto. Lima é nome de uma fruta cítrica, ácida e levemente adocicada. Limana é nome feminino, terno, poético.

Numa casa do subúrbio de Todos os Santos, zona norte do Rio de Janeiro, moravam o pai de Lima, o também sofrido João Henriques de Lima Barreto, e os quatro filhos, Afonso, Evangelina, Carlindo e Eliézer. A mãe deles, a professora Amália, morreu jovem, aos 25 anos, de tuberculose. Era filha de escrava alforriada que engravidou, ao que se supõe, de um senhor de escravos, do mesmo modo no qual acabou por surgir o que chamamos de civilização brasileira.

A casa tinha janelões voltados para a rua. Quem passasse na calçada e quisesse assuntar podia ver um cômodo com as paredes cobertas de livros, o que causava certa estranheza, uma admiração confusa – quem naquela casa leria todas aquelas letras? Há quem diga que eram em torno de 700 ou 800 obras, entre livros, revistas, recortes de jornais e manuscritos do autor.

Quando estava em casa, na volta das redações de jornal e das confeitarias e botecos do centro do Rio de Janeiro, Lima se refugiava na Limana. Gostava e cuidava tanto dela que fez um ex libris, como era de costume à época entre os muito letrados. Ex libris, pra quem não sabe, era uma espécie de selo com o qual os donos carimbavam seus livros para indicar a quem eles pertenciam. Um marcador social de letramento. Por certo haverá até hoje quem os tenha. O do Lima foi desenhado por um talentoso artista plástico português chamado Correia Dias que veio para o Brasil em 1914. E que, entre muitos outros feitos, desenhou a capa dos livros da poeta Cecília Meireles, com quem se casou (um amor que resultou em três filhas e uma tragédia, Dias se suicidou).

Mas é de uma palavra linda que trata esta crônica, Limana. A certa altura, Lima decidiu inventariar a Limana. Anotou nome por nome os livros e os manuscritos que ela continha. É de se surpreender que mais da metade das obras de um dos mais nacionalista dos romancistas brasileiros fosse em francês, idioma que o menino criado no subúrbio aprendeu sozinho lendo livros, revistas e consultando dicionários. Mas Lima não fugia à regra: naquela travessia de século, o Brasil ainda bebia na fonte da literatura e do pensamento francês.

Habitavam a Limana, entre tantos outros, Rousseau, Voltaire, Balzac, Flaubert. Havia brasileiros, claro. Machado, Joaquim Nabuco, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia, Coelho Neto. Lá estavam também os ingleses (Shakespeare), os russos, por óbvio (Dostoiévski), os portugueses (Camões), espanhóis (Cervantes) e, incrível, entre os alemães, Karl Marx, o que não significava que Lima fosse comunista, apenas que tinha vontade de saber das coisas do pensamento e da inteligência, onde quer que elas estivessem.

Lima tratava os livros de igual para igual. Fazia anotações nas margens das páginas, emprestava-os aos amigos. Mas a biblioteca, o conjunto das obras que ele começou a juntar desde muito jovem, era um corpo único: “Minha Limana cresce lentamente, como as barbas de um pobre-diabo”, ele escreveu, com afeto e certa comiseração. Limana era Lima, Lima existia em Limana. Entrava em casa e ia direto para dentro dela. A atmosfera doméstica era tensa: o pai de Lima, o tipógrafo João Henriques de Lima Barreto que depois virou almoxarife de hospício, padecia de distúrbios mentais que foram se agravando com o tempo. Pai e filho morreram com uma diferença de 48 horas.

O filho morreu na Limana, repentinamente, recostado na cama lendo a revista francesa Revue des Deux Mondes. O corpo de Lima estava muito maltratado pelo alcoolismo. A alma, não menos ferida, clamando sempre por reconhecimento, gritando sempre contra o triste destino dos negros no Brasil e a indiferença burguesa ao flagrante racismo que ele conhecia na pele, nos traços, no cabelo, nos desprezos constantes.

Com a morte de Lima Barreto, a Limana foi doada ao arquiteto José Mariano Filho, que havia algum tempo tinha se aproximado do escritor e o defendido publicamente em várias ocasiões. Mariano pagou as despesas do sepultamento de Lima e, em agradecimento, a família do escritor doou a Limana para o arquiteto que a levou para sua chácara em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. E ali Limana ficou esquecida por muito anos até que alguém dela se lembrou, mas a essa altura as traças e o mofo já tinham devorado boa parte das obras. O que restou está na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

Não conheço nome mais lindo para uma biblioteca, Limana.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.