sábado, 11 de julho de 2020



O DESENCANTO DE JUDAS
Francisco de Assis Câmara

            “O desencanto tomou conta do meu coração”. Em uma representação da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, Estado de Pernambuco, ouvi essa inquietante afirmação, as últimas palavras proferidas por Judas Iscariotes antes de cometer o suicídio.
            Essa frase, por sua intensa dramaticidade, não me saiu da memória. Pesquisei, nos quatro Evangelhos, sua autenticidade. Nenhum deles a registrou. Concluí, então, tratar-se de “licença poética”, caso não tenha sido buscada em um dos muitos Evangelhos apócrifos. Em todo caso, é inegável o mérito do diretor do espetáculo ao vislumbrar o efeito que ela produziria na monumental plateia, presente “ao maior teatro do mundo, a céu aberto”.
            Culpa, remorso e desespero. Nesse episódio histórico, instados a perquirir a causa desse desencanto, vamos identificar a figura de Judas como um dos doze apóstolos de Jesus de Nazaré. Na condição de judeu, acreditava na vinda de um messias, tal como anunciavam as Escrituras.
            A Palestina estava submetida ao jugo romano. Essa dominação, sempre contestada, constituía-se em insuportável violência contra aqueles que se autodenominavam “povo de Deus”. O exemplo de resistência, em passado próximo, dos Irmãos Macabeus, sustentava a possibilidade de uma nova reação, uma insurreição, sob uma firme liderança. Seria esse o papel do messias, ansiosamente esperado?
            O apóstolo Judas Iscariotes alimentava a esperança de um grande movimento de libertação. E Jesus de Nazaré, que fazia milagres, ressuscitava mortos e caminhava sobre as águas parecia incorporar, sem nenhuma dúvida, o perfil desse libertador. Judas estava encantado. Ecce homo! ─ Eis o homem!
            O convívio, porém, trouxe-lhe decepções: gestos de misericórdia, perdão como prática amorosa ─ Atire a primeira pedra..., elevação dos humildes, exaltação da caridade, respeito a todos, sem distinções de etnias, desprezo à hipocrisia,  cumprimento dos deveres de cidadania (─ A César o que é de César). Tudo isso culminou com a surpreendente e desalentadora afirmação (para ele, Judas) do Mestre de Nazaré:  ─ Meu reino não é deste mundo.
            Não! Esse não pode ser o messias, o libertador. A frustração matou a esperança e, em seu lugar, alojou sentimentos inferiores. É preciso fazer alguma coisa. Na sequência, trinta moedas e um beijo. Estava em curso sua predestinação.
            O resultado foi desesperador. Judas não compreendera que o caminho do messias seria percorrido sob o pesado e simbólico fardo de uma cruz, e que sua trajetória, em direção ao Gólgota, seria uma via sagrada. Também não se convencera de que o amor perdoa e salva; basta uma palavra, mesmo não se considerando digno (Domine, non sum dignus). Distanciou-se do grupo e nem pôde observar que Pedro, após a fraqueza da tríplice negação foi perdoado e elevado à condição de “pedra angular” da Igreja; já não presenciou a promessa feita ao “bom ladrão”, cujo arrependimento o levaria ao Paraíso.
            Ignorando que o amor abre os braços, em forma de cruz, e o perdão, sem limites, acolhe o arrependimento, Judas, desesperado, faz seu corpo balançar sob a árvore do destino, pois o desencanto, na tortura do remorso, penetrara em seu coração. Seus ouvidos já não puderam escutar o último perdão:  ─ Pai, perdoa-lhes; não sabem o que fazem.,

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