quinta-feira, 11 de abril de 2024
Radicalismo e polarização
Padre João Medeiros Filho
O Brasil contemporâneo sofre de fortes manifestações de radicalismo. Talvez não
tenha aprendido as lições do passado. A violência tem estado presente nas últimas
décadas. As conquistas científicas e tecnológicas não impediram a disseminação de
barbáries. Verifica-se o crescimento de irracionalidades, manifestadas em fanatismos,
preconceitos raciais, sociopolíticos, econômicos, religiosos e culturais. Necessita-se de
sólidos investimentos humanísticos para combater tal fenômeno. Sem isto, a pátria, apesar
de tantos avanços técnicos, continuará padecendo de inconcebíveis retrocessos. Dentre os
males que abrem feridas sociais está o extremismo, nutrindo insanidades ideológicas,
absurdos partidários e provocando perdas irreparáveis. Problemas conjunturais agravamse e o Brasil hodierno não consegue dar novos passos, indispensáveis à dignidade
humana. Conta muito a formação das consciências para superar os descompassos
alimentados na mente das pessoas. A busca por grupos com força destruidora é a opção
de parcela da sociedade. Tais segmentos acreditam que seus juízos sobre a realidade são
intocáveis e irrefutáveis. Trata-se de uma postura que faz propagar arrogância, opressão,
injustiça e desigualdade pelos recantos do país. Cabe citar Exupéry: “Para alguém
compreender melhor e tocar outrem, necessita de uma transformação interior.”
Há quem crie um ambiente propício a agressões e ataques demolidores, ao definir o
próprio ponto de vista como o exclusivo critério de objetividade, realismo e verdade. Tomado por
um espírito beligerante na defesa de suas convicções, perde o irrenunciável compromisso com o
respeito ao semelhante. O postulado de muitos é destruir quem diverge e pensa diferente. Há
cristãos que trocaram a espiritualidade pela ideologia, a prece pelas reuniões, a teologia pela
sociologia, a fé pelo tecnicismo, a ética pela conveniência, a solidariedade pelo interesse grupal,
a verdadeira caridade por atos demagógicos. Existe uma cegueira, impedindo de identificar
corretamente perspectivas divergentes. Faltam ações que construam alicerces para o convívio
humano. Os dissensos e discordâncias podem existir, mas nunca justificar agressões, violências e
destruições. Cristo pregou abertura e compreensão: “A nós, portanto, cabe acolhê-los para sermos
cooperadores com a verdade” (3Jo 1, 8). É necessário investir no respeito à vida, superando
divergências e intolerâncias. Nesse caminho, importa cuidar para não eleger sua própria
concepção como norma absoluta na interpretação da realidade. Apegar-se cegamente aos
próprios conceitos, desconsiderando o semelhante, é pavimentar a estrada da polarização. Esta
sói expressar-se de muitas formas, mormente no partidarismo intransigente, levando a
movimentos agressivos e disputas fratricidas. É preciso edificar as bases da estima pelo outro.
Sem o compromisso com a paz e o apreço ao próximo, simples divergências poderão
agigantar-se, desencadeando ataques à integridade humana. O partidarismo aceita apenas o
que endossa ou reforça a sua visão, negando outras perspectivas sobre os fatos. Percebe-se
que para superar o extremismo é necessário exercitar a crítica das influências abscônditas nos
porões do pensamento. Nesse exercício, deve-se cultivar o que gera a paz. Para isso é preciso
estar vigilante para não se tornar hospedaria de ressentimentos motivados por opções
ideológicas, inviabilizando a amizade social. Assim é possível ver com mais nitidez. Mister
se faz contribuir para transformar a própria casa num território de fraternidade.
Não se derrota o mal com a maldade, que sempre conduz a combates violentos e
desavenças homicidas. O bem é alcançado com a bondade, rompendo o círculo vicioso da
mágoa e do ódio. As virulências do radicalismo, não raro promovidas por interesses
econômicos e políticos, pela vaidade da fama, por uma busca pela manutenção das “zonas de
conforto” e por desvios psicológicos, deverão ser enfrentadas com verdade e justiça. A procura
pela promoção do autêntico humanismo apresenta-se como um importante caminho nesse
desafio. A sociedade pode aproximar-se dessa visão humanista ao reconhecer a sacralidade de
cada pessoa. Nisto consiste igualmente a espiritualidade cristã e a mensagem do Evangelho.
Esses passos dependem do cuidado com os códigos que regem o coração humano, o qual não
pode deixar-se contaminar por pessoas e movimentos, eivados de hostilidades. Necessita-se
pautar a convivência pelo respeito às diferenças, contribuindo para consolidar no mundo a paz
e a amizade social. Tenhamos sempre diante de nós a recomendação do apóstolo Paulo:
“Suportar as fraquezas e não buscar em outrem apenas o que nos agrada” (Rm 15, 1)
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