domingo, 22 de fevereiro de 2015






O texto é grande, mas vale a pena ler. Foi escrito pelo meu irmão, Pedro Simões Neto, um homem que teve 7 filhos e que também criava 5 cachorros. É de se pensar sobre o assunto...


Esta foto é da sua cadela Dara, uma akita que morreu no mesmo dia em que ele partiu, a 01/02/2013.



"Estou ao lado dos que lutam pela defesa dos animais e da natureza. 


Mas, como sempre faço, pauto a minha atuação pelo equilíbrio, sem exageros, nem fanatismos. Meu pai me dizia que o equilíbrio estava no meio e o que ofendia a saúde física e mental era o abuso, nunca o uso.


Amo os animais, especialmente os cachorros, os pássaros, as lagartixas (não tenho explicação para esta última afeição) e os vegetais, em particular as flores. Até onde posso intervir, não permito nenhum saque à natureza. Respeito as rocambolescas investidas do Green Peace em favor das baleias e contra a matança dos animais em geral, das Ongs que recolhem animais abandonados, cuidam das espécies em extinção e montam casas de recuperação para tratar dos bichos feridos. Dedico sincera admiração por aqueles que chegam às lágrimas diante de cenários dramáticos de extinção em massa de algumas espécies e dos que põem em risco a própria vida na defesa desses ideais.


Até concordo com a destinação das reservas ambientais nas áreas potencialmente dedicadas à agricultura e, especialmente, à agricultura de subsistência, embora acredite que o planeta é o habitat do ser humano e que, à parte o exagero ou o abuso, só cumprirá essa função na medida em que é sua serventia.


Afinal, em última análise, não é somente a consciência preservacionista ou o instinto de sobrevivência que nos impele à militância ecológica, é o compromisso que temos com os nossos descendentes de instituir o legado de um mundo defeso do caos.


Mas, creio, no recôndito da minha consciência, que a espécie mais ameaçada é a humana. Porque, desgraçadamente, somos antropófagos. No topo da cadeia alimentar, entretanto, somos dizimados pelos semelhantes. Entredevoramo-nos. Por isso, questiono-me porque não salvamos a espécie sujeita à nossa própria sanha? Precisa de alguma justificativa moral mais vigorosa que a prevenção ao extermínio patrocinado por nós mesmos? 


Então? Por que não recolhemos as crianças abandonadas, atiradas nas ruas à própria sorte, porque não alimentamos os que vão morrer de fome porque estão abaixo da linha da pobreza, cuidamos dos que vão a óbito porque não têm assistência médica ou vivem ao relento, sem um teto para morar, os desempregados que morrem de vergonha pela dignidade que lhes foi negada...será que é mais difícil lutar pelos semelhantes?


É possível que haja certa dificuldade em ampará-los, porque, diferentemente dos animais, os seres dessa espécie pensam, reagem, emitem valores às vezes não condizentes com os nossos, ou porque são independentes e valem-se do seu próprio arbítrio. Ao invés, os animais são tão submissos na sua irracionalidade, tão devotados a nós pela sua fidelidade incondicional, tão subservientes aos nossos humores... Já houve quem me mandasse um PPS amostrando as vantagens de se adotar um cãozinho ao invés de decidir-se pelo casamento, exatamente pela máxima sujeição do animal em contraposição à rebeldia das mulheres.


Devemos dotar-nos de uma consciência humanística, e não somente a ecológica. Aprendendo a conhecer, respeitar e conviver com as diferenças existentes entre nós. Exercitar a tolerância e um sincero sentimento de fraternidade. Não temer ficar em “off” em relação aos modismos. É..., porque há quem pense que o humanismo é coisa do passado, é criação ideal dos pensadores medievais, coisa da igreja do Betinho e do Boff, remodelada do Jacques Maritain... uma doença do “esquerdismo” que teima em sobreviver ao maremoto neo-liberal.


Vamos resistir a essas (perdoem-me a expressão) idiossincrasias porque a proposta humanística é boa e tem tudo a ver com a febre salvacionista do planeta defendida pelos ambientalistas. 


Comecemos pela adoção de uma nova vertente na temática dos direitos humanos - o estatuto psicossocial das vítimas, a consideração de uma vitimologia, tal como fazemos com os animais, dando precedência às vítimas em confronto com os seus predadores. Por que estar sempre atento à defesa dos direitos dos agressores, sem qualquer consideração aos direitos das vítimas? 

Sejam quais forem os transgressores - bandidos, policiais, maridos que agridem as esposas, pais que maltratam e matam os filhos - eles escolheram o seu lado no contexto sócio-humanitário, exatamente à margem da sociedade, e por isso são propriamente denominados marginais. Reconhecê-los como sujeitos de direitos é uma coisa, outra é elegê-los como se fossem eles os agredidos, negligenciando ou subalternizando as verdadeiras vítimas.

Mantendo o foco e guardando as proporções, confundir os extremos seria o mesmo que premiar aquele que executa um animal de estimação, ou o submete a maus tratos, ou o abandona.

(Bem a propósito, só para esclarecer, evitando que se cometa equívocos, o dicionário eletrônico Houaiss, no verbete “vítima”, define-a como sendo: “pessoa ferida, violentada, torturada, assassinada ou executada por outra”, ou, “pessoa que é sujeita a opressão, maus-tratos, arbitrariedades”.)

Perdoem-me os sociólogos, antropólogos, cientistas sociais e economistas, mas cansei-me da tese que nos coloca permanentemente em estado de culpa - aquela que denuncia a sociedade como responsável pela gênese das transgressões. Seria então a injustiça social a criadora dos Frankensteins. Mas, meu Deus do céu, onde há justiça social neste planeta, e se houver um simulacro desse modelo, digam-me se nesse paraíso a criminalidade é inexistente? 

Cansei-me também daquela desculpa amarela, que nos é conveniente, segundo a qual cabe aos governos cuidar dos necessitados. Bullshit. Nós somos o governo. Nós somos responsáveis pela tessitura humana semelhante à nossa. Então, façamos a nossa parte, como os defensores da ecologia que não aguardam e não requisitam os governos.

O ser humano é predador por natureza. Foi o processo civilizatório que reprimiu esse instinto, a partir do despertar de um procedimento racional. Mas, dentro de nós mesmos, habita um animal que, feito certas doenças, mantém-se em estado latente, aguardando um momento para se manifestar.

Vamos agir com os humanos como o fazemos em relação aos animais. Avançando, afoitos, contra os predadores, agindo sem preconceitos. 

Alguém já discriminou um animal por sua cor – branca, preta, amarela, parda? Por ser macho ou fêmea? 


Observe-se que a legislação ambiental é mais severa com os detratores do meio-ambiente que a ordenação criminal com os homicidas, seqüestradores, estupradores, pedófilos e traficantes de drogas. 

Essa constatação trouxe-me à memória um episódio ocorrido em pleno Estado Novo. Quando Luiz Carlos Prestes amargava as mais cruéis torturas, confinado a um dos porões da ditadura, o advogado Sobral Pinto, sem alternativas para a defesa do seu cliente, por verificar que os seus pedidos de habeas corpus de nada adiantavam, com a suspensão do Estado de Direito, em desespero, decidiu invocar a Lei de Proteção aos Animais para preservar a incolumidade física do seu maltratado constituinte.

Vamos “adotar” as crianças sem lar, famintas, desamparadas, dedicadas aprendizes da escola do vício e do crime; apoiar o assistencialismo, sim! Por que deixar de dar um pedaço de pão, um copo d´água ou a ajuda financeira para a compra de um remédio aos esmoleres que tanto se curvam à humilhação da mendicância para sobreviverem? Será que aqueles que são implacáveis com os pedintes, chamando-os de vagabundos ou lhes acenando, por pura provocação um serviço doméstico que não tem a intenção de oferecer, fazem o mesmo com os animais abandonados, negam comida e socorro aos gatinhos e cachorros desgarrados, aos peixinhos do aquário?

Que tese “desenvolvimentista” pode prosperar às custas da inanição, e muitas vezes da morte dos necessitados que buscam um socorro imediato para a sua emergência? E, se a morte é anunciada, como a do personagem de Garcia Márquez, por inevitável fatalidade, argumento usado como desculpa útil para os que entendem a inutilidade do apoio, então que ao menos seja adiada. Um dia a mais fará muita diferença para quem não quer morrer.

Recorro sempre a um episódio relatado por Helena, mulher do notável pensador humanista e escritor grego (Cretense) Nikos Kazantzakis, que, em fase terminal de uma leucemia agressiva e impiedosa, teria dito que gostaria de se postar diante de uma imponente catedral para poder esmolar dos transeuntes e fiéis, um minuto de suas vidas, para que tivesse tempo suficiente para concluir a sua obra. 

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Pedro Simões (Professor de Direito aposentado. Advogado. Escritor. Cristão e Humanista, principalmente)"
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Ciro José Tavares
20 de fevereiro às 07:24
 
O crepúsculo de Dara Fidelíssima na sua irracionalidade, Dara, a cadela Akita do meu amigo Pedro Simões, levou-me a refletir sobre dois diálogos da peça Hamlet, de William Shakespeare. O primeiro, Ato I, Cena V, quando o príncipe faz a Horácio a seguinte observação: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que pode sonhar tua filosofia.” O outro, na última cena do Ato V, quando diante do corpo inerte de Hamlet, Horácio exclama: ”Assim estala um nobre coração! Boa noite, gentil príncipe! Que legiões de anjos te conduzam, cantando, ao eterno descanso!” o que aconteceu com Dara é comovente e faz chorar. Mais de um ano distante de Pedro a quem era muito apegada, resistiu numa bravura que desconheço. Na semana decisiva parece que sentindo o abatimento de Jailza, Joventina, Adriana, Maria e Pedrito, Dara deu sinais de que compreendia que o lume da vela enfraquecia perigosamente. Buscou os cantos solitários, recusando o alimento, como se estivesse doando ao dono a própria vida, num gesto solidário que me faz estremecer de emoção. No dia das exéquias, Dara não respondeu ao chamado das pessoas da casa porque acompanhara o falcão no seu voo ao sol. Impossível esquecê-la, branca, linda, meiga, quieta, deitada no terraço enquanto conversávamos. Agora, nos labirintos do universo Pedro e Dara caminham juntos procurando desvendar mistérios.

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