quinta-feira, 19 de setembro de 2013


UMA GRANDE DAMA
Lúcia Helena Pereira (*)


Cada um de nós guarda no coração e na memória, os seus mitos interiores, suas paixões, seus afetos, suas lembranças diletas. E eu não sou diferente.
Em criança elegi esses mitos, como a simbologia de tudo que mais amei, admirei e preservei.
Tive a minha avó paterna - Madalena Antunes-, a única que conheci e tanto admirei e de quem guardo as lições impecíveis que nenhuma circunstância apaga. Quando se encantou, Deus emprestou-me outra avó - Maria Olívia de Vasconcelos Dutra, mãe de Mariazinha, esposa de um oficial da Marinha. Tive o meu avô paterno de quem pouco me lembro, mas, acima dele, papai do céu me deu o vovô Maiorana (imigrante italiano}, dono da Casa Vesúvio, na rua João Pessoa, que teve verdadeiro amor por mim.
Tive tios maravilhosos, primos do mais dócil afeto, e, assim, a vida me mimoseou com essas felicidades. Sempre irreverente, fugi dos preconceitos de só amar os familiares maternos. Aboli isso de minha vida e fiz minhas escolhas, passando a admirar os meus eleitos.
MINHA TIA - ODETTE RIBEIRO PEREIRA
Ela nasceu em São José de Mipibi/RN e ainda criança perdeu seus pais, ficando sob a tutela dos tios: Gal. Jacinto Carrilho e Zulmira Ribeiro Dantas, morando com eles na vila militar em Realengo/RJ, depois, em Grajaú/SP. Seguindo o curso do seu destino, veio morar com o irmão mais velho - Antonio Basílio Dantas Ribeiro, em Ceará-Mirim/RN. Nesse ínterim conheceu aquele por quem se enamorou - Ruy Antunes Pereira -, casando-se aos 28 anos. Tiveram cinco filhos: Olavo Ruy, Adelmo e Maria, que foram a óbito, ainda pequeninos, ficando, Ruyzinho e Denise.
A minha tia Odette tinha muitos dotes: tocava piano divinamente, fazia doces saborosos, escrevia singelos versos e era mestre na arte de fazer pãezinhos, cuja receita levou com ela. Era exímia costureira. Fazia lindos trajes para a filha Denise, sobretudo em época de veraneio na praia de
Muriú, confeccionando vestidos, blusas e shorts para a filha amada. Era uma pessoa alegre e virtuosa. Durante os veraneios costumava formar grupos de sua amizade, para um bom carteado.
Ao longo do tempo, era admirável observar a sua bela vaidade: sempre bem vestida, usando saltos altos, jóias, sem descartar, jamais, os perfumes franceses, tendo, como predileto, “Fleur de Rocaille”. E era, acima de tudo, uma pessoa muito simples e de fácil convivência.
Teve três irmãos: Antônio Basílio, Inácio José Ribeiro e Jair Dantas Ribeiro, seu mais especial irmão e amigo, ex- ministro da guerra no governo de João Goulart.
Usou sempre do melhor carinho com os sobrinhos, os quais, retribuíam com amizade e afeição.
Guardo da minha tia, acima de tudo, a sua elegância moral e física. Uma mulher dotada de princípios honestos, jamais se perdendo nesses caminhos. Nunca se queixava de nada e tinha, em especial, a arte de sublimar as intempéries da vida. Estava sempre cheia de alegria. Sua casa, na avenida Deodoro, tinha a sua própria personalidade, a contar pelo jardim com os jarros abundantes dos mais belos espécimes vegetais. E ali ela recebia parentes e amigos, para lanches deliciosos, numa casa confortável e bem cuidada.
Tio Ruy, que adorava ler e escrever, ficava no andar de cima, nas horas dessas tertúlias da esposa Detinha, (como a chamava carinhosamente) onde ele tinha sua escrivaninha e instrumentos para os seus momentos epistolares.
Quando me casei e nasceu o meu primogênito - ABEL - tio Ruy e tia Odette foram visitá-lo e levaram lindos presentes. Mas tio Ruy logo reclamou: ”ora, filha, o nome dele devia ser Abel Neto, uma homenagem a Bebé” (Abel Antunes Pereira, meu pai e irmão dele). Mas expliquei-lhe que meu marido não quis perder seu sobrenome.
Adorava as visitas de tia Odete à minha casa no Condomínio Jardim Nova Dimensão. Tínhamos as afinidades maiores do coração, e era um verdadeiro deleite ouvi-la falar na bondade do meu pai e na grandeza como mamãe nos educou. Geralmente ela chegava às 15:30, com o motorista - Sr. José - e saía às 17:30. Jamais faltou um bom assunto, ela era um rio sempre cheio. E eu vibrava ao vê-la descrever os vestidos de sua época, os bailes, as marrafas de marfim que as mulheres usavam nos cabelos, as músicas, os leques madrilenos, as luvas de seda, e as grandes valsas que me levavam a imaginar la belle époque de la France...
Adorava os filhos: Ruy Pereira Júnior e Denise Pereira Gaspar, o genro Arnaldo Neto Gaspar, a nora e os netos, aos quais se referia com o olhar iluminado: “Ah! Lucinha, serão eles a continuarem nossas vidas”...
Não me lembro de alguma vez ter visto a minha tia triste. O sorriso estava tatuado em seus lábios, além de gostar de brincar com as coisas que ela achava engraçadas. Ela foi uma pessoa especial em minha vida, dela guardo o sentimento especial do amor que não conhece limitações e aumenta, à medida em que os anos vão passando, como se fosse uma caravana de ideais, num deserto iluminado.
E, diga-se, ela foi, acima de tudo, uma grande dama!
Gostei de fazer essas consignações por um motivo bem simples: a saudade, que é a riqueza do sentimento humano. Em vez de lágrimas, a música da poesia, como a canção de uma ave que passa por nós, no mistério das coisas impressentidas, que são a maneira de Deus escrever versos que acabam em poesia.
(*) Escritora

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