A PAISAGEM E O TEMPO
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Mantenho reações
conservadoras diante dos fatores imanentes e iminentes da vida. Sou devoto dos hábitos
e da retórica provinciana do interior. O costume secularizado da cadeira na
calçada, da brisa sedutora do fim de tarde, do grito heroico do vendedor de
cuscuz e mugunzá ainda me apascenta. São crenças básicas na simplicidade da
vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo,
posto ser melhor do que o absolutismo dos donos do palanque e da burguesia
consumista e desfigurada pelo cinismo materialista. Mas fui tomado pelo
fascínio de mesclar o real e o imaginário. Não exercito artificial adesão ao modismo.
Nenhum vestígio que se
possa recolher da minha travessia terrena não passará da impressão de algo plástico,
aéreo, estelar, humano e sobre-humano, difuso, mas cintilante, místico e
mítico. No meu bairro sou donatário da capitania não hereditária. Ou seu capataz
dos mistérios circundantes, como Sanderson Negreiros em Candelária e Vicente
Serejo em Morro Branco. Não renegam a horizontabilidade urbana de onde extraem
a alma e o sumo das verdadeiras descobertas. A minha rua em Lagoa Nova é
modesta. A iluminação pública espalha no calçamento parnasiano a luz mortiça amarela,
qual um abajur lilás. No céu estrelado passeio a nostalgia que vem da herança telúrica
de um tempo que a memória ainda não desfez. O rio, a casa, a lua, a calçada, as
aparições noturnas.
Minha angústia factual e
meu desespero tipicamente social estão inseridos no contexto das doenças que as
seguradoras de saúde não cobrem. Componho o universo sensível, ferido, por
vezes amargo e infeliz, que abomina a marginalização dos pobres, dos velhos,
das crianças, vítimas do perverso sistema econômico-social. Por isso procuro a
terra habitada pelo silêncio e pela distância das coisas, porque o meu grito é
cárcere concreto e real e já não se faz mais ouvido. Conforta-me que as
palavras não são fugazes nem constituem perdas instantâneas. Meu canto é harmônico
sem divagações nem desvios, embora as tensões e os influxos se cruzem, se
choquem mas não se anulam.
Volto à minha ruazinha
comum. Nela não residem poderosos. Afinal, sozinho perscruto a tolice dos seus mistérios
visíveis e invisíveis. Não há muito que sonhar. Como mergulhador penetro nas
ruínas da alegria de sua pobreza, sem jardins, às vezes, sem chananas, refletores
ou praças. Ruas opacas, empíricas, apenas onomatopaicas. Mas, é o território
dos meus vãos e desvãos. Nem fantasmas líricos e bufões aparecem. Somente
vislumbro minhas relíquias imemoriais da infância e da adolescência. Restos
sagrados nos olhos de quem é intimo da ilusão, eterno aprendiz de um mundo de
contradições, mas também repleto de lembranças antigas e serenas. Tudo torna
minha rua como a quero ver.
(*) Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário