Toda
cidade precisa de um Grande Ponto
Lívio
Oliveira – livioliveira@yahoo.com.br
Ainda hoje recordo –
nas conversas com papai – das vezes em que fazíamos, no seu fusca branco, o
percurso entre o Barro Vermelho e a Cidade Alta, idos dos anos 70. Ele ia em
busca de jornais, e eu me metia logo em meio aos gibis exibidos nas bancas do tradicional
Grande Ponto. Passear naquele cenário movimentado (durante a semana) e
tranquilo (nos sábados à tarde, domingos e feriados) era uma diversão imensa,
olhando vitrines e saboreando um clima ameno e saudável de socialização e
descoberta do mundo. Papai aproveitava sempre para botar a conversa em dia, no
Café São Luiz e nas calçadas em que circulavam simpáticos e familiares
transeuntes. Muitas vezes,
aproveitávamos para cortar o cabelo no Salão “Pequeno Príncipe”, quando me
premiavam com pirulitos e balas após a sessão do corte curtíssimo. Em época
natalina, admirava as luzes coloridas e decorações diferenciadas que os lojistas
armavam amorosamente em seus estabelecimentos. Havia algum glamour na Cidade
Alta, algum perfume, algum sonho a ser realizado, alguma materialização plena
da fantasia humana.
Confesso que hoje não
frequento mais o Grande Ponto, justamente porque não reconheço ali aquele
ambiente agregador de outrora, de certa forma feliz, que via há aproximadamente
três décadas atrás. Naqueles anos 70 – e mesmo nos 80 – presenciei importantes eventos
políticos, culturais, artísticos, em contato pleno com a ebulição social e a realização
humana, o que ia além do comércio e das coisas do capitalismo. Cheguei a conhecer
– até certo ponto com algum temor reverencial – o poeta Milton Siqueira
escrevendo seus poemas, vestido com roupa toda cáqui e um boné, com uma espécie
de bolsa a tiracolo e um monte de papéis amarelados e umas canetinhas bic ou
lápis, sentado num batente de loja como se estivesse num trono, altivo e
impenetrável no seu olhar sério e profundo. Sabia que ali havia
mistérios. Sim, havia. Como gostaria de ter um daqueles poemas, hoje! E vi e
ouvi muito mais no Grande Ponto. Muito mais, durante anos a fio.
Hoje, diante desse meu
saudosismo, dessa nostalgia que vez por outra teima em invadir o meu espírito,
deparo-me com uma publicação literária de exato nome “Grande Ponto”, uma
revista de alta qualidade e que insiste em nos lembrar que nesses tempos que
mencionei, além de outras décadas mais remotas, o Grande Ponto se fez essencial
à vida social, cultural, política e até econômica da nossa cidade. Ainda é
assim, mas não com o mesmo brilho.
Hoje, certamente não
mais com o glamour e o poder comunicativo e de entrosamento de outros tempos,
mas o GP ainda continua lá, fazendo as vezes de pequena ágora da cidade.
Lugares como aquele são essenciais a qualquer cidade do mundo. Gostaria muito
de ter a certeza de que não foram totalmente substituídos e ultrapassados pelos
corredores e praças de alimentação dos shopping centers, pelo bem ou pelo
“Mall”. Mas, fazer o quê diante de realidades inexoráveis de nosso tempo?!
Quero destacar que a
revista “Grande Ponto” de que falo, já está no terceiro número – capitaneada
pelos escritores Leonardo Sodré e Racine Santos –, seguindo como uma publicação
rica em iconografia e textos, à qual dou realce e destaque neste momento, ao
tempo em que sugiro e indico como leitura de ótimo padrão, por traduzir não
somente o espírito do antigo centro nervoso da cidade, mas por espelhar o
espírito mesmo da pólis em tempos atrás, talvez quando havia ainda certa
ingenuidade, um “tempo da delicadeza”, guardando-se a marca humanística de um
congraçamento real (não se tratava de uma ágora virtual) em que as histórias
das pessoas, assim como as linhas dos velhos bondes, entrecruzavam-se em torno
da mágica aventura da vida.
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